Origem e objetivo do mês vocacional
Em 1981, durante
a 19ª Assembleia Geral da CNBB, os bispos do Brasil decidiram estabelecer o mês
de agosto como mês vocacional. Esta
decisão fazia parte de uma série de iniciativas que visam dar à Igreja Católica
no Brasil novo vigor vocacional. Junto com o mês vocacional os bispos aprovaram
a realização do primeiro ano vocacional
(1983) e a publicação do Guia Pedagógico
de Pastoral Vocacional, um livrinho que, apesar dos anos, continua atual.
Todo esse
incremento da animação vocacional fora motivado pela Conferência de Puebla
(1979) e pela realização do 2º Congresso Internacional das Vocações, que
aconteceu em Roma em 1981. O Brasil, atendendo ao apelo do grande papa João
XXIII, tinha começado a planejar a sua ação pastoral ainda durante o período da
realização do Concílio Vaticano II. Dentre as prioridades estava a preocupação
com as vocações. A experiência brasileira neste campo não tinha sido tão
positiva. A chegada do Catolicismo ao nosso país fora marcada pelo clima de
cristandade, no espírito da Contrarreforma. Por causa da lei do padroado a
Coroa portuguesa, durante o período colonial, determinava como deveriam ser as
coisas para a Igreja Católica, inclusive no campo das vocações. A Igreja, por
sua vez, no espírito do Concílio de Trento, reduziu a questão vocacional à
“Obra das Vocações Sacerdotais” (OVS). Tratava-se simplesmente de uma campanha
junto ao povo para rezar pelas vocações dos seminaristas e para ajudar
financeiramente os seminários.
Com a chegada do
Vaticano II houve uma virada copernicana. A Igreja, especialmente na
Constituição Dogmática Lumen Gentium,
se percebeu como ekklesía, isto é,
como assembleia daqueles e daquelas que foram convocados e reunidos pela
Trindade. A partir desta perspectiva, a Igreja Católica no Brasil decidiu
mobilizar todas as forças eclesiais despertando nas pessoas a consciência e a
convicção de que são vocacionadas à comunhão com a Trindade. Tendo presente a
afirmação conciliar de que há uma vocação universal à santidade, para a qual
são convocados os filhos e as filhas de Deus, a Igreja em nosso país passou a
pensar não somente na vocação do padre, mas também nas demais vocações
específicas. Quis contribuir para que as dioceses, paróquias e pequenas
comunidades fossem um espaço eclesial concreto onde as pessoas pudessem se
perceber como vocacionadas e encontrassem formas de responder a esse chamado.
Assistimos, então, a um florescer de comunidades eclesiais de base e de
pequenos grupos nos quais as pessoas tinham a oportunidade de se confrontar com
a Palavra de Deus e de assumir sua missão na Igreja e na sociedade.
O retorno à
vocação universal e a redescoberta de que todas as pessoas são vocacionadas,
colocaram em crise muitos padres, muitos frades e muitas freiras. Eles e elas
tinham assumido essa forma específica de vocação com a certeza de que tais
vocações eram superiores às demais e que valia qualquer sacrifício para
permanecer no ministério ordenado e nos conventos. O ensinamento do Vaticano II
revelou a fragilidade de tal concepção e muitas pessoas abandonaram o
ministério e a vida religiosa por perceberem que para cultivar a santidade não
era mais necessário ser padre, frade ou freira. Essa crise, porém, foi
importante para solidificar a vocação batismal. Na Europa não se conseguiu
perceber que o batismo está na raiz de todas as vocações. Por isso a crise foi
mais violenta por lá, afetando não só os que já eram padres, frades e freiras,
mas também a entrada de novas vocações. Tal crise perdura até hoje, obrigando a
Igreja europeia a “importar vocações” da África e da Ásia.
No Brasil, graças
à ação da CNBB, a crise não foi tão violenta. Investindo na formação dos leigos
e das leigas, na formação de comunidades de base, a Igreja em nosso país se
preparava para enfrentá-la. Por isso, a partir do final da década de 1970, se
assiste a um florescer progressivo de vocações para a vida religiosa e o
ministério ordenado. E se hoje a Igreja no Brasil se sente mais tranquila neste
campo deve-se à sua ação audaciosa de enfrentamento da crise. Ação essa que
consistiu essencialmente na valorização da vocação batismal dos leigos e das
leigas e na formação de pequenas comunidades eclesiais de base, de onde vieram
e continuam vindo as atuais vocações para o ministério ordenado e a vida
consagrada.

Portanto, o
surgimento do Mês Vocacional no Brasil deve ser visto neste contexto. Ele nasce
antes de tudo para fomentar a vocação eclesial da comunidade. Pouco antes, em
1979, Puebla tinha lembrado que a vocação humana possui três dimensões: a
humana, a cristã e a específica. Somos chamados antes de tudo a sermos humanos
com os demais humanos da terra. Na vivência da vocação humana somos vocacionados
por Deus Pai a seguir Jesus Cristo num caminho específico, que descobrimos
progressivamente na medida em que vamos vivendo a nossa vocação humana e
batismal.
Mais de trinta
anos depois corremos o risco de esquecermos estas coisas e de transformarmos o
mês vocacional em mais uma dessas atividades que realizamos na Igreja sem saber
com que finalidade. Corremos o risco de
direcionar o mês vocacional para os problemas dos seminários. Esse momento pode ficar reduzido a mais um
simples peditório de dinheiro e de coisas para sustentar seminários, onde
seminaristas levam vida de burgueses, não sendo mais capazes de contribuir para
o próprio sustento. Desta forma o mês vocacional não estaria mais sendo uma
oportunidade de animar a vocação do Povo de Deus, mas apenas uma ocasião de
fomentar a famosa Obra das Vocações Sacerdotais. Estaríamos assim retornando a
uma eclesiologia anterior ao Concílio Vaticano II.
A celebração do
Mês Vocacional só tem sentido na perspectiva em que foi criado. Deve ser um
momento para intensificar a permanente catequese vocacional nas comunidades
cristãs. Tal catequese visa conscientizar toda a comunidade de que ela forma a ekklesía, ou seja, a assembleia daqueles
e daquelas que foram convocados e reunidos pela Trindade para ser povo eleito e
para proclamar as maravilhas de Deus (1Pd 2,9). Somente numa comunidade
conscientizada de sua identidade vocacional podem surgir autênticas vocações
específicas para os diversos serviços, carismas, dons e ministérios. Sem essa
catequese e sem essa conscientização teremos apenas recrutamento de rapazes
para os seminários. Sem verdadeira catequese vocacional e sem a conscientização
dela resultante, das quais o Mês Vocacional é a expressão mais significativa,
podemos ter até filas para entrada nos seminários. Mas de pessoas que querem
apenas usufruir das vantagens e benesses prometidas pela carreira eclesiástica.
E como amava repetir um dos meus professores na Universidade Gregoriana, os
piores inimigos da Igreja não são os “heréticos”, mas os carreiristas.
José Lisboa Moreira de Oliveira
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