sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Fatos & Personagens: Eloy Alfaro


Eloy Alfaro

Em Quito, aos 28 de janeiro de 1912, uma mulher alta, toda vestida de negro, amaldiçoa o presidente Alfaro enquanto crava o punhal em seu cadáver. Depois levanta na ponta de um pau, bandeira ondulante, o ensanguentado farrapo de sua camisa.

Atrás da mulher de negro, marcham os vingadores da Santa Mãe Igreja. Com cordas vão arrastando, pelos pés, o morto despido. Das janelas chovem flores. Gritam vivas à religião as velhas come-santos, engole-hóstias, espalha-intrigas. Alagam-se de sangue as ruas empedradas, que os cães e as chuvas nunca poderão lavar até o fim.

A carniçaria culmina em fogo. Acende-se uma grande fogueira e nela atiram o que sobra do velho Alfaro. Depois pisam as cinzas os assassinos e ladrões pagos pelos filhos dos senhores.

Eloy Alfaro tinha ousado desapropriar as terras da Igreja, dona de muito Equador, e com suas rendas tinha criado escolas e hospitais. Amigo de Deus, não do Papa, tinha implantado o divórcio e tinha libertado os índios presos por dívidas. Ninguém era tão odiado pelos de batina e tão temido pelos de casaca.

Cai a noite. Fede a carne quimada o ar de Quito. A banda militar toca valsas e marchas no correto da Praça Grande, como em todos os domingos.

(Eduardo Galeano, O século do vento. Memória do fogo, vol. 3, L&PM Editores, Porto Alegre, 2010, p. 58-59) 

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