A verdadeira profecia
devolve ao mundo a alegria.
A festa
de São João está arraigada na cultura do povo brasileiro, e só aparentemente se
distanciou do seu nascedouro bíblico e profético: a alegria simples e inocente que a caracteriza brota da certeza de
que Deus não esquece sua aliança conosco, visita e liberta seu povo, e envia
profetas e profetizas que preparam os caminhos qued nos levam a uma humanidade
nova. Por isso, celebramos este dia com trajes e comidas que nos fazem parte do
povo simples, com a alegria que brota da liberdade que virá e com a coragem
profética que João nos deixa como herança.
A alegria, assim como a irreverência, têm raízes bíblicas e
força revolucionária. Não falo da alegria forçada pelas drogas, nem da
felicidade histérica daqueles que se deleitam com os bens subtraídos aos homens
e mulheres que os produzem. E também não me refiro à alegria produzida
artificialmente por líderes religiosos sequiosos de domínio e de riqueza, ou
por estrelas políticas e midiáticas que seduzem incautos mas duram pouco mais
que uma noite. Esta é uma alegria nem merece este nome, e mais parece gozação
que alegria.
Estou
falando da alegria que brota da descoberta de que Deus olha para as mãos
calejadas, para os rostos sofridos, para os corpos vergados e os corações
partidos e os proclama cheios de graça, plenos de charme. “Alegra-te, cheia de
graça! O Senhor está contigo! Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o
fruto do teu ventre” (Lc 1,28.42). A notícia de que Deus nos ama desde sempre e
para sempre faz pular de alegria até os bebês que ainda escondidos nos úteros
de suas mães. “Feliz aquela que acreditou!”, proclama a jubilosa Isabel à jovem
e corajosa Maria.
A alegria
inocente e despojada das festas juninas têm
raízes na história da salvação, que atravessa e supera a história da
opressão e que está ainda hoje em curso. O nascimento de João Batista
sacramentaliza a delicadeza de um Deus
que levanta o manto da vergonha e da dor que, numa sociedade machista, pesa
sobre uma mulher idosa e sem filhos (cf. Lc 1,25), faz brilhar o Sol da justiça
para aqueles que sobrevivem ameaçados pelas sombras da morte. Quando o menino
nasce, a vizinhança toda se alegra com esta demonstração da misericordia de
Deus.
A razão dessa alegria aparece no próprio
nome que a mãe Isabel lhe dá, nome que significa ‘Deus age com misericórdia’. Ao conferirem este nome ao filho,
Zacarias e Isabel rompem com a tradição e renunciam a fazer do filho um simples
espelho dos próprios desejos. João não será sacerdote, como o pai, mas profeta!
Nas palavras de Zacarias ele será ‘profeta do Altíssimo’, porque irá à frente
do Senhor, ‘preparando os seus caminhos, dando a conhecer ao seu povo a
salvação, com o perdão dos pecados, graças ao coração misericordioso do nosso
Deus’ (cf. Lc 1,76-78).
É verdade
que inicialmente Zacarias parece não entender ou aceitar a vocação profética do
filho. Seu ouvido se fecha e sua boca se cala. Mas sua língua se solta e seus
ouvidos se abrem quando ele se liberta das malhas da tradição sacerdotal e
reconhece que a vocação de filho da sua velhice é mostrar a misericórdia de
Deus em favor do povo e defendê-los dos inimigos. Oxalá todos os pais e mães
dêem o melhor de si para que seus filhos e filhas descubram e realizem sua
vocação na Igreja e no mundo de hoje, antecipando isso no próprio nome que
escolhem para eles!
O perdão
gratuito dos pecados que João pregará será uma senha a abrir as portas da vida
a todos os excluídos, tanto judeus como pagãos. À luz de Isaías, podemos dizer
que a profecia autêntica não se deixa limitar pelas paixões nacionalistas. “É
muito pouco seres o meu servo só para resutaurar as tribos de Jacó, só para trazer de volta os israelitas que escaparam. Quero fazer de ti uma luz para as nações, para que minha salvação
chegue até os confins do mundo.” Não
é digno de crédito um profeta que defende apenas as ovelhas do seu próprio
rebanho...
Deus dos humildes, pai e mãe dos profetas,
razão da nossa alegria: te agradecemos pelos homens e mulheres que continuas
enviando para transformar desertos em jardins e acender teu fogo no mundo. Eles
se chamam João, Adelaide, Pedro, Oscar, Ezequiel, Sepé, Dorothy. Mas seus
irmãos e irmãs menos famosos se chamam José, Tião, Rosa, Maria, Tonico, Zeca,
Antônio, Josefa..., gente que faz parte da imensa caravana de homens e mulheres
que vivem uma alegria autêntica e simples, inocente e solidária, despojada e
profética, um precioso tesouro do povo brasileiro. Bendito sejas! Amém!
Pe.
Itacir Brassiani msf
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