quinta-feira, 15 de março de 2012

Festa de S. José

José, homem  justo e sonhador

Seu próprio nome já é prenhe de significados:  na etimologia hebraica, José é aquele que reúne, que acrescenta. E lembra o nome de uma das antigas tribos que se uniram e formaram as bases do povo hebreu. Na linguagem de muitos profetas, a tribo de José sintetiza a história das muito queridas tribos de Benjamin e Manassés e, finalmente, é identificada com o próprio povo de Israel (cf. Am 5,14-15; Sl 80,2;  Sl 81,6). José, um nome e uma vocação de reunir os dispersos e congregar os diferentes.
Um lugar secundário
Pouco sabemos sobre antecedentes de José, o carpinteiro de Nazaré. Ele seria filho de Jacó, como nos informa Mateus (cf. Mt 1,16)? Ou seria filho de Eli, como Lucas diz que se pensava (cf. Lc 3,23)? Mas é isso que importa? A vida e a história de José se misturam e se dissolvem na história dos homens do seu povo, na vida comum dos trabalhadores do seu tempo, na vida profética e santa do filho que ele acolheu e educou. José é o marido de Maria, o pai de Jesus, o carpinteiro de Nazaré, um homem justo e sonhador. Isso não é suficiente?
Não nos preocupemos com o papel evidentemente secundário que José ocupa nos evangelhos. Ele não toma o lugar reservado ao Filho, Luz da qual recebe seu próprio brilho, nem dos apóstolos, testemunhas da Vida que desperta aqueles que jazem nas sombras da opressão e da morte. José aparece com discrição e firmeza no nascimento, na circuncisão e na apresentação de Jesus no templo, assim como na festa da páscoa, quando Jesus ficou em Jerusalém para discutir com os mestres do judaísmo. Isso é o bastante!
Uma crise difícil
Mas antes disso, José – aquele que reúne, que acrescenta – estava enamorado de Maria e, surpreendido por sua inesperada gravidez, não sabia o que fazer. O realismo pesado da Lei pedia-lhe que denunciasse  Maria publicamente e a rejeitasse. De repente José sentiu-se dividido entre o que mandava a Lei e o que exigia o Amor. Por mais que reflitisse e ponderasse, não encontrava uma solução aceitável.
O pobre José passou as horas do dia tentando uma saída. Quando foi dormir, levou para a cama sua preocupação e não conseguia conciliar o sono. E foi quando, vencido pelo cansaço, entregou-se ao sono, que uma luz brilhou e a saída pareceu-lhe clara. “José, filho de Davi, não tenha medo de receber Maria como sua esposa, porque ela concebeu por ação do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e você lhe dará o nome de Jesus, pois ele vai salvar seu povo dos seus pecados” (Mt 1,20-21).
Um sonho libertador: livre dos limites de uma consciência estreita, José conseguiu ver longe e profundo. Uma palavra de encorajamento: para que ter medo de receber como esposa aquela que ele tanto amava? Um mistério envolvente e promissor: o próprio Espírito de Deus estava agindo na sua noiva. Um filho a ser educado: pai é aquele que, mais que gerar biologicamente, acolhe e cuida da vida que lhe é doada. E um nome: mais que honra para seu pai, o filho traz salvação e liberdade para todo o povo.
Um homem sonhador
Esse José carpinteiro e esposo de Maria herdou de um outro José a capacidade de sonhar, de acolher e reunir. Ele conhecia a história do seu antecedente homônimo, filho de Jacó, objeto da inveja e da violência dos onze irmãos. A gota que enchera a taça da inveja dos filhos de Jacó fora uma túnica de mangas longas e um sonho do pequeno e amado José (cf. Gn 37,1-11). “Aí vem o sonhador...”, diziam os irmãos uns aos outros enquanto arquitetavam um plano para se livrarem dele (cf. Gn 37,19). E venderan-no como escravo a um grupo de comerciantes estranjeiros.
O dom de sonhar precisa ser acompanhado pelo discernimento, pela capacidade de interpretar os sonhos. Essa capacidade abriu a José do Egito as portas da liberdade (cf. Gn 40-41). E quando os dons de sonhar e de discernir os sonhos vêm unidos à compaixão pelos irmãos que padecem, os frutos são abundantes e um povo encurvado pode se colocar de pé (cf. Gn 42-45). “Eu sou José, o irmão de vocês, aqueles que vocês venderam para o Egito” (Gn 45,4). Assim, José livrou da miséria e da morte os próprios irmãos que haviam tentado matá-lo...
Segundo os evangelhos, José, o carpinteiro e esposo de Maria, também é um sonhador. Com que sonha nosso bom José? Com Maria habitando ao seu lado e compartilhando a esperança de um tempo de liberdade para todos (cf. Mt 1,20). Com um filho que tiraria o manto da culpa que cobria o rosto do seu povo (cf. Mt 1,21). Com uma terra onde os sonhadores como ele e o outro José pudessem viver em paz e segurança (cf. Mt 2,13). Com uma pátria livre dos déspotas que perseguem e oprimem os inconformados (cf. Mt 2,20). Com uma vida nova e promissora que nasce e cresce nas margens e periferias (cf. Mt 2,23).
Faça-se conforme a vontade de Deus
Sonhar e discernir não é tudo. Se os sonhos não descem da fantasia para a vida concreta terminam em ilusão ou fuga da realidade. José é um homem obediente, e sua obediência é literalmente uma atitude de escuta  (ob + audire = atitude de escuta) dos apelos gritados pela vida e das possibilidades oferecidas pela história. É mais no sonho que na bíblia que José descobre o que Deus lhe pede.
Aos sonhos José responde prontamente. Como sua companheira, ele diz seu fiat a Deus. Seu ‘sim’ não é feito de palavras mas de ações: acolhe Maria no seu coração e na sua casa; levanta-se, parte no meio da noite e faz-se migrante para defender a vida do filho; põe-se novamente a caminho e volta à sua pátria e ao seu povo; muda de rumo e lança raízes na periferia da Galiléia.
Sonhar, escutar, crer, obedecer, agir, cuidar, trabalhar, ensinar, esconder-se: ações que resumem a vida de José. A estas ações positivas Jesus deve muito daquilo que será mais tarde. José não deseja outra coisa que viver por Maria e por Jesus. E assim o faz porque sabe que essa é sua vocação, seu modo de servir à libertação do seu povo.
Um homem justo
É assim que o evangelista o descreve de passagem. “José, seu marido, era justo” (Mt 1,19). Justo porque respeita a maternidade e a vocação de Maria, mesmo ignorando quase tudo a respeito dela. Justo porque acolhe o filho como seu, educa-o na escuta da Palavra e nas tradições e esperanças messiânicas do seu povo, ajudando-o lançar raízes na periferia e a olhar tudo a partir desse lugar. Justo porque prioriza o amor e a compaixão à aplicação da lei. Justo porque vive e expressa sua fidelidade à lei através da misericórdia, colocando-se entre os últimos.
José é justo e amigo de Deus como Abraão: caminha no claro-escuro da fé; parte para o estrangeiro sem saber bem para onde; faz-se peregrino da nova sociedade cujo arquiteto é o próprio Deus (cf. Hb 11,8-12). José é amigo de Deus porque conversa amistosamente com ele, conhece sua Palavra, põe em prática sua vontade. É amigo de Deus porque é herdeiro do pastor Davi, parceiro dos profetas, amigo dos sábios e dos mais pobres de Nazaré, da Galiléia e de todos os recantos da terra.
Imagem do Pai
José é uma pessoa tão terna, afetuosa e amável que Jesus tinha mesmo que descobrir nele a imagem humana de Deus. E quando Jesus sentiu necessidade de falar de Deus aos seus discípulos, acabou dizendo que ele é como seu papai José: um papai que ama igualmente os justos e os menos justos; que quer ver o sol brilhando sobre os jardins de uns e de outros; que acolhe e ama todos e cada um dos seus filhos e filhas, não porque eles sejam bons mas porque Ele é Pai e ele é bom.
Era preciso que José demonstrasse uma radiosa bondade para que Jesus pudesse descobrir nela a imagem da ternura do Pai do céu. O papai José foi para ele um ícone de Deus Pai. Lucien Deiss diz que, para Jesus, a experiência da ternura humana que envolvia José foi o caminho para descoberta da ternura infinita que envolve o Pai do céu. Graças ao pai humano de Jesus nós descobrimos o rosto de um Deus a quem não devemos temer.
Meu Deus e nosso Deus, que esculpiste no rosto de José os traços da tua bondosa compaixão: forma-nos na escola da solidariedade que aproxima, acolhe e sustenta. Ensina-nos a acolher tua Palavra nos sonhos e esperanças do teu povo. Fortalece nossa vontade, para que passemos do sonho à ação. Ajuda-nos a situar-nos junto de ti, onde te colocas, nos últimos lugares. Sustenta-nos na missão de reunir e congregar. Renova nossos propósitos de realizar a justiça do Reino por inteiro e participar da amizade e da intimidade contigo.
Pe. Itacir Brassiani msf

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