terça-feira, 17 de abril de 2012

Terceiro Domingo Pascal


A fé na ressurreição leva ao empenho na missão.
(At 3,13-19; Sl 4; 1Jo 2,1-5; Lc 24,35-48)

Continuamos caminhando à luz de Jesus Cristo, o santo e justo que foi rejeitado, renegado, preso e assassinado, mas que é experimentado e proclamado ressuscitado pela comunidade dos discípulos. As celebrações do tempo pascal nos ajudam a ajuntar os pedaços das múltiplas experiências e recompor um mosaico capaz de ilustrar como Jesus ressuscitado se manifesta e onde se deixa encontrar. Mas revelam também as dificuldades que enfrentamos para organizar nossa vida a partir de um Deus crucificado e assimilar as exigências que essa fé traz consigo. A experiência do amor de Deus nos leva a deitar e adormecer em paz, mas o encontro com o ressucitado portando as feridas da tortura nos chama à conversão e nos envia em profética missão num mundo que continua excluindo e condenando. A memória do assassinato do ĺndio Galdino (+21.04.1997) e do massacre de Eldorado do Carajás (17.04.1996) mostram que o ressuscitado tem seu corpo marcado por chagas.
“Vocês renegaram o santo e o justo...”
Causa-me profunda impressão a diferença entre a atitude dos díscípulos nos primeiros tempos após a crucifixão e ressurreição de Jesus e nas cenas descritas pelos Atos dos Apóstolos. A cena do Evangelho de hoje não deixa de intrigar, pois ocorre depois do testemunho das mulheres e da comprovação por parte de Pedro de que a sepultura estava vazia (Lc 24,1-12); depois da manifestação de Jesus aos dois discípulos na estrada de Emaús e na partilha do pão (Lc 24,13-35); e depois da aparição a Pedro (Lc 24,34). Apesar disso, a nova manifestação de Jesus espanta, e eles têm dificuldade de acreditar.
Penso que esta dificuldade vem da cruz. Ela é a verdadeira pedra na qual tropeçam os discípulos. É extremamente difícil conjugar a idéia de um Deus que se caracteriza pelo poder e pelo saber em grau máximo com um homem que grita impotente e morre abandonado na cruz. As saídas mais fáceis são duas: dizer que Jesus não é o Messias, mas um profeta fracassado; pensar que Jesus é mesmo o Messias, mas a cruz foi um faz de conta. Ainda hoje muitos cristãos se afastam da cruz e imaginam um Cristo vitorioso e glorioso. No máximo, aceitam que ele passou pela cruz, mas muito rapidamente, e seu sacrifício foi compensado pela imensa glória que posteriormente recebeu do Pai.
Mas os apóstolos amadureceram sua fé e, na cena descrita na primeira leitura, aparecem com uma coragem inaudita. Pedro não apenas anuncia intrepidamente que Deus ressuscitou e glorificou Jesus, mas joga na cara das autoridades religiosas que foram elas que rejeitaram, renegaram e mataram o autor da vida. Os apóstolos se assumem como testemunhas de acusação contra o poder judaico e testemunhas de defesa de um condenado à pena de morte e pregado na cruz.
“O Deus dos nossos antepassados glorificou o seu servo Jesus.”
A ressurreição de Jesus não pode ser vista simplesmente como uma espécie de prêmio que o Pai dá ao Filho obediente e sofredor. O que se afirma com a ressurreição de Jesus é bem mais sério que a simples ressurreição dos cadáveres. O ressuscitado não foi alguém que morreu com idade avançada num hospital de primeira classe, rodeado de familiares e amigos. Ele foi condenado injustamente, e ressuscitando-o Deus confirma a validade e a justeza da causa que o levou à morte.
Falando da ressurreição de Jesus, Pedro diz que “o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, o Deus dos nossos antepassados glorificou o seu servo Jesus”. Ressuscitar e glorificar são expressões com o mesmo significado. Podemos dizer que, com a ressurreição, Deus Pai ‘assume’ ou ‘reconhece’ que Jesus de Nazaré, o servo que passou fazendo o bem aos últimos da sociedade, é seu Filho amado, expressão mais plena e acabada do próprio Deus e daquilo que toda criatura é chamada a ser. A vida de Jesus, incluindo sua morte por amor, é o ideal que deve inspirar todo ser humano.
Convertendo-se em testemunhas do ressuscitado, os cristãos querem refazer o caminho de Jesus, pautar a vida por suas opções fundamentais. Isso sifgnifica não ficar simplesmente ‘de olho’ na promessa da ressurreição depois da morte, mas assimilar o jeito de olhar, de sentir, de pensar e de amar de Jesus. Vencemos a morte e somos glorificados em Deus quando trazemos no nosso corpo as marcas do amor solidário e profético que marcou a vida de Jesus de Nazaré. Para um cristão, a verdadeira felicidade e a maior glória é enfrentar as forças que oprimem e ser reconhecido como servo e irmão dos pequenos e sofredores.
“Vejam minhas mãos e meus pés!”
Diante do espanto e da perturbação dos discípulos, Jesus mostra-lhes as chagas nas mãos e nos pés e pede para que as toquem. Com isso Jesus quer sublinhar a continuidade do amor que o levou a abraçar a cruz. As feridas nas mãos e nos pés do corpo ressuscitado são o sinal eloquente de que Jesus é fiel e se tornou nosso advogado de defesa, como diz São João. Ele não é fruto da fantasia de um grupo de discípulos/as, e chega instaurando uma paz verdadeira.
Em seguida, Jesus pede algo para comer, recebe um peixe e o come diante dos discípulos tão alegres quanto espantados.  Com isso ele afasta as fantasias e espiritualismos e insiste no realismo da sua presença: caminha ao lado dos discípulos desanimados, reparte e abençoa o pão da hospitalidade, come do peixe que lhe oferecem. Assim como seu amor se expressou mediante gestos profundamente corporais, a ressurreição afirma a continuidade de sua presença num corpo que realiza gestos de amor.
“A fé em Jesus deu saúde perfeita a este homem...”
Dando de sua pobreza e ancorado na fé em  Jesus Cristo, Pedro havia curado e devolvido a dignidade a um miserável paralítico, fazendo, a seu modo e seu tempo, a saúde se espalhar sobre a terra. E diante do assombro da multidão que acorria ao templo, proclama: “A fé em Jesus deu saúde perfeita a esse homem que está na presença de todos vocês.” É a memória do nome e do caminho percorrido por Jesus Cristo que encoraja os apóstolos e concede vida plena aos pobres.
Os cristãos dão testemunho da ressureição de Jesus à medida em que se deixam guiar pelo dinamismo que animou e deu sentido à sua vida: o amor ao próximo. Esse é o mandamento e o testamento de Jesus, e “quem diz que conhece a Deus mas não cumpre seus mandamentos é mentiroso”, diz João. É pelo amor concreto que conhecemos e reconhecemos a Deus. Conhecer e reconhecer a Deus é coisa que se mostra nas ações em favor das pessoas que necessitam de nós, e não num vago sentimento.
“No seu nome serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados...”
Para os cristãos, o amor ao próximo vem sempre acompanhado da lucidez profética que leva a denunciar o pecado do mundo. É isso que Pedro demonstra denunciando sem rodeios a responsabilidade do povo que o escutava: “Vocês o entregaram e rejeitaram diante de Pilatos... Vocês renegaram o santo e o justo... Vocês mataram o autor da vida...”
É sinal de grande ingenuidade ou maniqueísmo simplista dividir o mundo em puros e impuros, santos e pecadores, inocentes e culpáveis. Não se trata de jogar o fardo da culpa sobre quem já anda encurvado com o peso da opressão, mas de ajudar cada pessoa a reconhecer sua parcela de colaboração na crianção ou sustentação dos sistemas que oprimem. Em nome do amor precisamos lembrar que o arrependimento e a ruptura com os mecanismos de dominação é tarefa de todos/as.
“Então Jesus abriu a mente deles para que entendessem as escrituras.”
Na sua manifestação aos discípulos, Jesus abre a inteligência deles para que compreendam as escrituras. Não se trata de uma longa e completa catequese bíblica, mas de um esclarecimento sobre a imagem de Messias: seu caminho se desvia do poder e da impassibilidade e passa pela aceitação do sofrimento solidário e, em seu nome, as pessoas serão convocadas à conversão e perdoadas.
Jesus de Nazaré, Servidor da humanidade e Aurora da liberdade: sabemos que em ti começamos a vencer a morte nas suas expressões mais terríveis e vis, mas temos consciência que a luta continua. Abre nossa inteligência para saibamos viver como ressuscitados, não fechando os olhos diante das chagas das pessoas que continuam sofrendo, nem virando as costas às iniciativas solidárias que ocorrem fora das nossas Igrejas. Faz com que nossa esperança na ressurreição corte pela raíz todas as tentativas de reduzir nosso cristianismo a uma aventura meramente intelectual, a um clube de amigos, à aceitação de um conjunto de dogmas e preceitos. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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