quinta-feira, 28 de agosto de 2014

22° DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO A - 31.08.2014)

O caminho da vida plena passa pela doação de si mesmo!

A atitude contraditória de Pedro, mesmo depois de ter professado sua fé em Jesus e ter sido elogiado por ele, nos previne contra qualquer triunfalismo papal. Como Pedro, muitos de nós desejamos desesperadamente impedir que Jesus realize sua missão pelo caminho do serviço e da cruz e acabamos sendo uma pedra de tropeço na sua missão.  No domingo em que concluímos o mês vocacional e refletimos sobre a vocação das catequistas, descobrimo-nos todos aprendizes na escola de Jesus e chamados a não entrar na lógica excludente do mundo (cf. Rm 12,2).
A resposta de Pedro à pergunta de Jesus havia sido formalmente correta, e até corajosa: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”. Mas a salvação, a relização plena da pessoa humana e da história, não depende unicamente da formalidade e da ortodoxia. Por isso, assim que Pedro termina sua declaração e recebe o elogio, Jesus aparentemente muda o tom da conversa e começa a falar do seu futuro próximo: ele havia tomado a firme decisão de ir a Jerusalém, apesar dos riscos que isso representava; lá sofreria muito nas mãos das autoridades religiosas; acabaria sendo morto, mas depois ressuscitaria.
Com este anúncio, Jesus quer corrigir os resquícios de um certo messianismo triunfalista, do qual os próprios discípulos estavam imbuidos, e mostrar outra imagem de Messias: ele é o Servo que sofre solidariamente e o Profeta perseguido. É aqui que Pedro tropeça e faz tropeçar. Com uma ousadia sem precedentes, “levou Jesus para um lado e o repreendeu. Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isso nunca te aconteça!” A tradução ameniza um pouco as palavras duras de um Pedro atordoado que intima, adverte e ameaça Jesus, afirmando que não é essa a vontade de Deus.
O que Pedro não consegue admitir é um Messias sem poder e crucificado, um Messias pobre e rejeitado, humano e servidor. O que ele não consegue aceitar é uma Igreja sem glórias e sem sucesso, chamada a correr o risco da profecia; uma Igreja que ao invés de se aliar aos poderes sofre nas mãos deles. Também aqui Pedro é porta-voz dos discípulos de todos os tempos. Como é difícil pensar as coisas de Deus e como é fácil, cômodo e atraente pensar as coisas dos homens!... Coisas de Deus são a compaixão, a solidariedade e o serviço; coisas dos homens são a indiferença, o sucesso e o poder.
Há um discernimento que sempre desafia os discípulos e discípulas de Jesus. A cruz não é simplesmente uma imposição à qual Jesus não pode escapar, mas a um caminho que todos devemos trilhar. “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga.” E tomar a cruz significa, em primeiro lugar, assumir a condição das pessoas desprezadas e colocadas à margem, assim como daquelas que resistem e enfrentam os poderes que as marginalizam e oprimem; e em segundo lugar, a possibilidade e a disposição de dar a vida, de sofrer a morte por amor.
A expressão “renuncie a si mesmo” não agrada a muita gente. Seria possível entender esse mandamento de modo positivo e emancipador, não como desprezo por tudo o que é original, pessoal e individual? Não se trata de negar o que há de mais pessoal em cada indivíduo, mas a ideologia de sucesso que nele se aninha. A questão é: negar os interesses mesquinhos, os sonhos infantis de sucesso e onipotência, ou negar o Messias, a compaixão? Pedro teve dificuldades de negar ou renunciar às suas próprias idéias de onipotência e de sucesso e acabou negando Jesus e sua proposta.
Isso não significa contrapor coisas materiais e coisas espirituais, vida terrena e vida eterna mas de de escolher o caminho do amor a si mesmo a ponto de excluir do nosso horizonte os outros e Deus, ou então trilhar o caminho do amor aos outros e a Deus a ponto de esquecer as vantagens pessoais. São dois amores, duas cidades, dois projetos de civilização, dois caminhos opostos de realização humana. É nesse horizonte que Paulo pede que evitemos a acomodação às estruturas deste mundo, que transformemos nossa maneira de pensar e prestemos culto a Deus mediante o dom da nossa vida.
Deus, pai e mãe, vida que se perde por amor. Salva-nos da ideologia religiosa, tão triunfalista quanto medrosa e subserviente frente aos esquemas do mundo. Suscita comunidades de homens e mulheres humanamente maduros, com corações, mentes e mãos conformadas a Jesus de Nazaré. Ansiamos por um tal fogo aceso no coração das pessoas e no coração do mundo. Desejamos seguir os passos do teu filho no despojamento de si e no serviço alegre e solidário aos últimos. É esta graça que vale mais que a vida. É isso que procuramos desde a aurora, e é isso que nos basta. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf
(Profeta Jeremias 20,7-9 * Salmo 62 (63) * Carta aos Romanos 12,1-12 * Mateus 16,21-27)

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