quinta-feira, 30 de outubro de 2014

CELEBEAÇÃO DOS FIÉIS DEFUNTOS (ANO A – 02.11.2014)

A morte não têm nenhum poder sobre a vida de quem ama.

É possível celebrar a morte, o fim sem volta da existência humana? Não seria a morte sempre uma tragédia, uma perda irreparável? É verdade que procuramos desesperadamente construir pontes – com os tijolos das palavras e dos ritos e dos símbolos, do amor saboreado e da fé teimosa – sobre o abismo que separa os que estamos aqui e as pessoas queridas que se foram. Mas a morte seria mesmo apemas um abismo ou um muro entre duas terras firmes, o aqui e o além, o fim obscuro e lamentável da nossa bela, apesar de tudo, mas sempre precária existência?
Não lamentamos a morte das pessoas que consideramos más, ou que não tiveram uma influência positiva sobre nós. Conhecemos gente que se dispõe a antecipar o fim da vida de pessoas a quem consideram inimigas, e até da própria vida, quando lhes parece difícil, triste, sem sentido e sem futuro. Mas tudo muda de figura quando se trata do fim de uma vida plena de sentido ou de uma pessoa que queremos bem e nos é preciosa. A morte das pessoas que nos são caras abre as portas da crise e nos chama à busca de sentido. Se a morte não assusta, ao menos entristece.
No evangelho de hoje, Maria, irmã de Marta e Lázaro, procura em Jesus um sentido para a morte de uma pessoa justa, boa e querida. Começa cobrando a demora e o aparente descaso de Jesus: “Senhor, se estivesses aqui, meu irmão não teria morrido!...” Jesus tinha sido informado da enfermidade do amigo Lázaro, e o desejo de prolongar e tornar menos difícil a vida das pessoas que amamos é muito normal. Jesus se comove com a dor de Maria, de Marta e dos amigos e amigas que as acompanham. Sua comoção e suas lágrimas suscitam admiração. “Vejam o quanto era amigo dele!...”
Mas, na boca de outros, aparece um questionamento que também nos ronda, especialmente quando da partida mais ou menos trágica dos nossos entes queridos: “Se ele curou os cegos e os mudos, se ele nos ama de verdade, porque permite que isso aconteça?” Jesus começa perguntando onde colocaram Lázaro, mas Maria o adverte que já está se decompondo e cheirando mal. Então é a vez de Jesus questionar: “Eu não lhe disse que, se acreditar, você verá a glória de Deus?” Não é o milagre que nos leva a crer; é a fé que abre nossos olhos e nossas mãos para uma dimensão indestrutível da vida!
Por trás do diálogo tenso entre Jesus e Maria está uma questão muito importante e atual: o que esperamos de Jesus? Cura, prolongamento da vida, reestabelecimento de uma situação do passado, ou vida plena, vida com uma densidade e uma força que nenhuma forma de morte pode estancar? Porque é Vida e caminho de amor e compaixão que a ela conduz, Jesus é ressurreição, é expressão da glória de Deus e caminho de vida plena. Com seu modo de ser e de agir, com sua proposta de vida, ele suscita vida e, por isso, também a re-suscita. Nele encontramos a vida saborosa e intensa que desejamos.
Como Láazaro, quem adere a Jesus Cristo e escuta sua Palavra, quem refaz o seu caminho, quem vive sob impulso do seu Espírito e por ele se deixa guiar, sai para fora, não se deixa amarrar por nada, continua suscitando vida. A vida de tais pessoas é mais que uma história a ser recordada, louvada ou lamentada: é percurso que continua aberto, Travessia ainda em curso, beleza que continua atraindo, dinamismo que continua movendo e sustentando outras vidas. E isso sem entrar na complicada questão de uma existência pós-histórica, em moldes semelhantes à nossa vida presente.
Como cristãos, cremos que a vida humana, e todas as expressões da vida, é pascal, ou seja: é Travessia, Passagem, Caminho. A história – nas suas dimensões de passado, presente e futuro – e o corpo – nas suas dimensões de interioridade e exterioridade – são a paisagem, o chão e a expressão da vida, mas não a esgotam, nem a detém. Quem desiste de peregrinar rumo ao outro mundo possível, renega a fé em Jesus Cristo e morre definitivamente, mesmo que continue biologicamente vivo. Mas uma vida doada pela Vida não pode ser tragada pela morte.

Jesus de Nazaré, Unigido do Pai para suscitar e ressuscitar a Vida! Também tu viveste a fragilidade e amaste desmedidamente. Como a tua, também nossa existência é pó que o vento leva, é erva que o vento seca. Ajuda-nos a vivê-la em ti, no teu espírito, no dinamismo da tua compaixão humanamente divina e sem medo do nada da morte, pois a bondade tua e do teu e nosso Pai vem desde sempre e dura para sempre. Ensina-nos a cumprir a apaixonante Travessia do nosso viver, e que a lembrança daqueles que entraram na morada definitiva ilumine e perfume nossa estrada. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
(Isaías 25,6-9* Salmo 114 (115) * Carta aos Filipenses 3,20-21 * João 11,32-45)

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