A quem reservaremos os
primeiros lugares em nossa Igreja?
Jesus não
desperdiça nenhuma ocasião para ensinar aqueles que o seguem. Ele propõe uma
inversão radical na escala dos valores da sociedade e da religião, e não se
cala nem mesmo na casa de uma autoridade moral, em pleno jantar festivo para o
qual havia sido convidado com especial deferência. Jesus apresenta a lição do
evangelho de hoje num solene dia de sábado, na casa de um dos chefes dos fariseus,
logo depois de afirmar que as necessidades de uma pessoa estão acima das leis.
Vendo que os convidados disputam os primeiros lugares, propõe uma reflexão
sobre o orgulho e a humildade.
Como
modelo de evangelizador, Jesus não se permite ficar na periferia das coisas. Seu
ensino hoje não é sobre as regras de boas maneiras numa refeição solene, mas
sobre um princípio fundamental da vida cristã: quem é o maior ou o primeiro, o
mais importante ou notável na vida cristã. Jesus começa pela crítica ao orgulho
e aos privilégios e passa à questão dos beneficiários da nossa atenção. Ele conhece
o costume quase universal de privilegiar, tanto nas festas quanto nas decisões
e projetos mais essenciais, os familiares, parentes, amigos e vizinhos. Para
Jesus, este é um círculo muito estreito.
Inicialmente,
Jesus fala aos hóspedes que estão com ele à mesa, afirmando que “todo aquele
que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado”. Depois, dirige-se
ao próprio anfitrião que o acolhe festivamente, questionando sua expectativa de
retribuição. E deixa muito claro que orgulho e a busca de retribuição não são
posturas enraizadas no Evangelho. O cristão deve rejeitar a busca de honras e
vaidades e buscar decididamente o lugar reservado aos servidores. Da mesma
forma a Igreja: ela precisa superar a velha pratica de servir, apoiar e
defender as pessoas e instituições que podem retribui-la.
Prosseguindo,
Jesus propõe a inversão dos grupos de pessoas que costumam aparecer no topo das
nossas listas de honoráveis, presenças infalíveis nas listas de convidados das
festas e solenidades: os pobres, aleijados, coxos e cegos devem ser os
primeiros. É claro que aqui ele não quer estragar nossa festa, mas questionar a
estreiteza das fronteiras que traçamos entre os ‘nossos’ e os ‘outros’. Jesus
coloca em questão a busca de compensações que rege nossas pequenas e grandes
ações. A verdadeira felicidade consiste em dar generosamente, sem cobrar
dividendos, na terra ou no céu.
O saudoso
Dom Helder Câmara ensinou que o maior perigo que nos ameaça é o desejo de
sempre vencer e jamais fracassar, de sentir-se sempre querido e nunca sobrar. E
chegou a advertir um colega no episcopado: “Mais grave do que ser apanhado pela
engrenagem do dinheiro, é ser apanhado pela engrenagem do prestígio”. Na
verdade, a busca privilégios e compensações é tão desgastante como infantilizadora:
o caminho que dá acesso a eles geralmente passa pela subserviência e é
acompanhado pelo medo do anonimato e pelo apego doentio aos bens e a toda sorte
de títulos...
A
recompensa para quem segue o caminho de Jesus é prometida para ressurreição dos
justos. Em outras palavras: a felicidade que ninguém pode roubar é aquela que
conquistamos – ou recebemos de graça! – entrando pela estreita porta da
humildade, da generosidade e da solidariedade. É a alegria profunda que
experimentamos quando ouvimos da boca dos porta-vozes da vida o convite:
“Amigo, vem para um lugar melhor!” Enquanto caminhamos nesta direção, não há
honra e alegria maiores que servir, compartilhar sonhos e lutas com aqueles que
normalmente são ejetados para os últimos lugares.
Na carta
aos Hebreus, a santa Palavra sublinha que, em Jesus e na comunidade daqueles
que o seguem, torna-se visível a assembleia dos primogênitos, o verdadeiro povo
de Deus, constituído de homens e mulheres que descobriram a grande honra de
amar e servir. Esta é a verdadeira cidade de Deus, a manifestação e a morada de
Deus no mundo. Fogo, tempestade, trevas, sons de trovões e trombetas são nada
diante do sinal grandioso de homens e mulheres mansos e corajosos, humildes e
generosos, ternos e fortes, humanos e compassivos. A estes Deus se revela, e no
louvor dos seus lábios se alegra.
Jesus de Nazaré, servidor humilde, com tolha na
cintura e jarra na mão: queremos seguir
teu caminho, acolher tua palavra forte e iluminadora e participar da tua ação
libertadora. Tu nos pedes que, na mesa da história e nas mesas da Igreja,
reservemos os primeiros lugares aos que são vistos e tratados como últimos.
Ajuda-nos a assimilar coerentemente este mandamento para então escutarmos teu
convite: “Vem para um lugar melhor!” Concede aos catequistas e a todas as
lideranças leigas da nossa Igreja essa impagável alegria. Que todos nós –
ministros ordenados, religiosos e religiosas, leigos e leigas – testemunhemos
ao mundo a alegria do Evangelho e a santidade da compaixão. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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