terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

30 anos de ministério presbiteral

Ele me chamou para ser ministro da justiça!

Aqueles eram tempos de idealismo, um pouco pueril, um pouco ousado, muito juvenil. Não era uma questão de anos de vida – eu tinha 27! – mas a característica de uma época, de um tempo de contestação e de construção. Por ninguém resiste aos ventos contrários ou edifica algo sério sem uma overdose de idealismo e de utopia.
Entre tanta gente querida – amigos e amigas, colegas de caminhada, familiares – estava o saudoso Dom José Gomes. Ele presidiu a celebração e, pelas mãos dele, a Igreja me acolheu e ordenou a servir o povo de Deus. Era sincero o meu desejo e meu compromisso publicamente assumido e liturgicamente celebrado, embora mal imaginava as consequências, e aprenderia a duras penas que a contradição – também em nível pessoal! – faz parte da nossa pobre história.
Nas inesquecíveis jornadas de estudos da Sagrada Escritura que o Instituto Missioneiro de Teologia nos oferecia, um texto da profecia de Isaias ressoava fortemente em minha alma juvenil, e acabei elegendo-o para iluminar aquele momento especial: “Eu, javé, chamei você para o serviço da justiça, tomei-o pela mão, e lhe dei forma. E o coloquei como aliança de um povo e luz das nações...” (42,1-9).
Do Evangelho de Jesus de Nazaré, naqueles verdes anos eu identificava como especialmente sugestiva e provocativa para o ministério presbiteral a parábola do bom samaritano (Lucas 10,25-37). Dom José, pessoalmente comovido, sublinhava: missão do padre é deixar a tranquilidade do culto e do templo, percorrer as estradas do mundo, onde muita gente é assaltada em sua dignidade e violentamente expropriada; descer das montarias e hierarquias para fazer-se próximo de quem está ferido; e carrega-los, se preciso for, nas próprias costas...
30 anos se passaram, mas o caminho imaginado pelo profeta Isaias e encarnado pelo Servo Sofredor continua aberto, solicitando meus passos menos ligeiros e mais incertos. E a ordem de Jesus, depois de descrever a ação compassiva, solidaria e transgressora daquele personagem proscrito pelos judeus, continua ressoando com timbre de sino de aldeia nos meus ouvidos já não mais tão atentos: “Vai e faz o que ele fez!”
Já não tenho tantas certezas sobre minha fidelidade a esse mandato. Aprendi a duvidar das grandes e solenes promessas, especialmente das minhas. Descobri que a utopia do Reino tem um calendário mais lento do que, na minha impaciência, desejava que tivesse. Aprendi que o Reino de Deus é algo a ser construído, mas também a ser desejado, acolhido e celebrado. Estou entendendo, pouco a pouco, que não podemos tudo, e isso é bom. E que, nessa história, bela e única, tudo padece de ambiguidade, inclusive a Igreja e eu.
Mas isso não significa mais cansaço e menos ânimo: apenas mais gratidão pelo que os outros – tantos e tantas! – são e fazem por mim, antes de mim, mais que eu; mais reconhecimento à importância indescritível dos Missionários da Sagrada Família neste meu já longo aprendizado; gratidão profunda a Jesus de Nazaré, que quis me aceitar, e continua aceitando, entre os seus muitos discípulos e discípulas, titubeantes e generosos peregrinos, e permanecer fiel na sua amizade.
Obrigado, Senhor, por estes primeiros 30 anos de ministério na tua amada e ambígua Igreja! Obrigado, amigos e amigas, pela generosa amizade, pela indispensável compreensão, pelo fraterno estímulo, pela restauradora companhia. Vamos juntos, degustando gole a gole o vinho dos próximos 30, percorrendo passo a passo a estrada do amadurecimento e do testemunho, rezando conta a conta o rosário do bem-viver?
Itacir Brassiani msf

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