quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

ANO A – SETIMO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 19.02.2017

Pelo amor generoso, revelamos que somos filhos de Deus!
Jesus nos apresenta um caminho inusitado mas seguro para de felicidade, de plena realização das aspirações humanas mais profundas, para a santidade. Trata-se de buscar a perfeição ou o jeito de ser do próprio Deus – somos criados segundo ‘sua espécie’! – evitando a tentação de construir uma ideia de Deus à nossa imagem e semelhança, delimitada e desenhada pelos nossos medos e interesses. Embora este caminho nos pareça um pouco estranho e dissonante, o próprio Jesus o viveu em primeira pessoa, demonstrando que é um projeto necessário e viável.
No evangelho desse domingo, Jesus responde à pergunta sobre como reagir frente às situações de violência e seus agentes. Ele conhece bem a lei judaica que, para limitar uma violência reativa e desproporcional à violência sofrida, propõe não passar do “olho por olho” e do “dente por dente”. Por mais estranho que nos pareça, a lei de talião representa um avanço em relação à lei que facultava a reação violenta e desproporcional do mais forte e ferido sobre os mais fracos. Jesus aponta os limites deste preceito: pagar com a mesma moeda não erradica a violência que ofende, machuca e mata.
Jesus ensina e pede para não reagirmos com violência à ação dos violentos. Mas ele vai mais além, ilustrando e concretizando sua proposta de não-violência ativa em três situações: o tapa no rosto, ato de humilhação considerado um direito dos superiores; o processo de penhora da roupa de um pobre endividado, visto como direito dos credores; a obrigação de acompanhar a marcha dos soldados a serviço do império, carregando às costas as armas que se voltavam contra o próprio povo. Mas, atenção! A proposta de Jesus não tem nada a ver com submissão e passividade!
Oferecer a outra face significa permanecer senhor de si e desafiar a legitimidade de um sistema projetado para humilhar. Dar o manto a quem penhora a túnica (desnudar-se publicamente!) significa revelar a humanidade que a todos irmana e denunciar a avareza violenta e espoliadora dos credores. Caminhar o dobro do percurso que o soldado servil determinou significa não aceitar o jogo do império, questionar a hierarquia, tomar a iniciativa e decidir a ação. Por isso, parece claro que a proposta de Jesus tem como meta eliminar o círculo vicioso que liga as ações e reações violentas.
O fato é que sempre classificamos as pessoas e dividimos o mundo em amigos e inimigos. Amamos e respeitamos os que estão próximos e alimentamos suspeitas ou somos indiferentes em relação aos estranhos. O conceito próximo abrange uma certa diversidade de gênero, riqueza, parentesco e etnia, e a imagem do inimigo não se limita aos adversários nacionais ou aos membros de outras religiões, mas se estende a todos os oponentes pessoais. É aqui que entra o mandamento de Jesus: nosso amor não pode se restringir aos iguais, aos próximos, mas deve chegar aos estranhos e distantes, até aos inimigos.
Talvez hoje situemos entre os inimigos (reais ou potenciais) as pessoas e grupos que ameaçam nosso bem-estar e nossos privilégios ou questionam nossa supremacia em termos de competência, gênero, religião, cultura, etc. Pedindo que amemos nossos inimigos e até rezemos por aqueles que nos perseguem, Jesus está sublinhando que condição social, a etnia, o gênero e a religião não podem ser limites que restringem o dinamismo do nosso amor. O amor entre os iguais pode ser egoísmo! Rezar por quem nos persegue significa clamar pelo fim da opressão e das estruturas que as sustentam! Amar o inimigo significa ir além do que ele é hoje e amar aquilo que ele pode ser: irmão e parceiro!
Jesus resume sua proposta ética e espiritual numa frase: “Sejam perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito.” A perfeição do Pai faz com que a chuva beneficie tanto os justos como os injustos e o sol ilumine tanto os bons quanto os maus. Ser perfeito como o Pai celeste significa não impor condições nem ter reservas, ser inteiro e verdadeiro em tudo e com todos, pois, como nos lembra Paulo, todos – nós, os outros, a comunidade eclesial e a comunidade humana! – somos santuários de Deus e templos do Espírito Santo. Que ninguém ponha sua gloria no próprio grupo, etnia, gênero, igreja, religião!
Jesus, mestre e servidor da liberdade, de todas as liberdades: ajuda tua Igreja a vencer o medo da liberdade e da verdade que viveste e ofereceste a todos. Faz que nossas comunidades sejam laboratórios nos quais as pessoas de boa vontade se exercitem no respeito e na promoção da dignidade de todos os teus filhos e filhas, inclusive no amor aos inimigos. E dá-nos a sábia loucura que espanta os doutores mas seduz as pessoas que não sacrificaram sua humanidade no altar do egoísmo predatório. Queremos ser filhos do teu e nosso Pai, generosos e perfeitos na misericórdia e na compaixão solidaria! Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Livro do Levítico 1,2.17-18 * Salmo 102 (103) * 1ª. Carta aos Coríntios 3,16-23 * Evangelho de São Mateus 5,38-48)

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