quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

ANO B – SEGUNDO DOMINGO DA QUARESMA – 25.02.2018


Escutemos o que Ele nos diz: ‘Vocês são todos irmãos e irmãs’!
A vida é uma travessia, e são muitas as armadilhas que nos ameaçam a cada passo que damos. E então o medo nos assalta com frequência, sugerindo construir tendas protetoras ou voltar à segurança imobilizadora do ponto de partida. Façamos esta travessia tendo sempre a Palavra do Senhor como bússola, convictos de que, se o próprio Deus está a nosso favor, nada nos poderá impedir de seguir lutando pela realização dos sonhos que partilhamos com a humanidade. E não esqueçamos do convite forte desta quaresma: na consciência de que somos irmãos, superemos todas as formas de violência!
Na liturgia do domingo refletimos sobre a cena das tentações de Jesus e sobre o modo como ele as vence. Ao ser informado da prisão de João Batista, Jesus percebeu que soara para ele o tempo da missão. Então, sem medo de nada, deixou o deserto da Judéia e voltou à Galileia. E fez ecoar um anúncio marcado pela esperança e pela urgência: “O templo se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho!” Este tempo maduro e esperado o impulsiona a mudar suas prioridades. Ele mesmo, acreditando na boa notícia que anuncia, reorganiza seu projeto de vida.
Na liturgia desse segundo domingo da quaresma encontramos Jesus no alto da montanha, acompanhado de Pedro, Tiago e João. Para estes discípulos, que testemunham a transfiguração de Jesus, essa é uma experiência inicialmente positiva. Envolvido pelo brilho de Jesus, Pedro parece vencer o medo que envolve a todos. Moisés e Elias lembram a presença de Deus nos momentos difíceis e desanimadores da história do povo de Israel. Estes dois personagens confirmam e dão credibilidade ao caminho e ao ensino de Jesus. O evangelho da cruz, novo êxodo e proposta do amor que se faz humano dom de si mesmo, continua valendo, mais do que nunca. Mas é exatamente isso que mete medo nos três...
Acontece que, nessa experiência densa e profunda, os discípulos são envolvidos primeiramente pela luz, e, posteriormente, pela escuridão nebulosa. E é de dentro da nuvem – símbolo da presença de Deus na quase interminável travessia da escravidão para a liberdade, do servir-se para o servir – que eles ouvem a voz de Deus: “Este é o meu Filho amado. Escutem o que ele diz.” Pedro, Tiago e João – e com eles todos os que fomos batizados em Jesus Cristo – devem levar a sério o que Jesus Cristo diz e faz, devem levar a sério a proposta evangélica de servir solidariamente, de desaparecer como o fermento na massa.
Escutar o que Jesus Cristo diz significa, por um lado, não fugir diante do chamado a encontrar a vida gastando-a pelos outros; não crer nos mitos que nos dizem que somos superiores aos outros; não imaginar que o Reino de Deus cairá prontinho do céu; não fingir que amamos, quando nossas ações traduzem indiferença. Por outro lado, escutar Jesus implica em renunciar aos interesses egoístas e dedicar-se à missão de levar todas as pessoas formarem uma só família, seguindo Jesus no caminho da cruz; anunciar que somos todos irmãos e ser criativo e efetivo na luta pela superação da violência.
O desejo expresso por Pedro é ambíguo e intrigante: “Mestre, é bom estarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias.” Pedro fala sem saber o que diz, para ‘quebrar o gelo’ e espantar o medo, e compartilha do pensamento de Judas sobre Jesus (cf. Mc 14,45)! As roupas brancas de Jesus falam muito claramente de martírio, e Pedro quer evitar a todo custo esse caminho... Para a transformação e a humanização do mundo, Pedro prefere o caminho do culto e da adoração, simbolizado na tenda, e descarta a proposta do amor que se faz dom e enfrenta o próprio martírio.
Não podemos usar a cena da transfiguração para amenizar as exigências do discipulado, substituindo o sangue pelas flores e a coroa de espinhos pela coroa do sucesso. Sabendo que os discípulos entendem mal ou pouco o que veem, Jesus os proíbe severamente de falar da transfiguração. Esta mesma proibição aparece depois da reabilitação da filha de Jairo (cf. Mc 5,43) e da libertação do surdo-mudo (cf. Mc 7,36). Para Jesus, cultos espetaculares e publicidade escancarada não são caminhos adequados para resgatar a humanidade perdida e para viver o belo e exigente mandato de servir.
Jesus Cristo, Mestre e Servo da humanidade! Sustenta-nos enquanto dura a travessia desta vida e acompanha-nos na caminhada rumo à terra livre, à plena vida para todos. Ajuda-nos a sacrificar nossas frágeis seguranças, impotentes para garantir a verdadeira salvação. Abre nossos ouvidos à atenta escuta da tua boa e exigente notícia, e ajuda-nos a traduzi-la em ações que resgatam a dignidade humana, tantas vezes pisoteada. Não permite que tua Igreja se transforme numa tenda de bem-estar egoísta! Transforma as estruturas que nos dispensam ou impedem de vivermos como irmãos e irmãs. Amém! Assim seja!
Itacir Brassiani msf

(Livro do Gênesis 22,1-18 * Salmo 115 (116) * Carta aos Romanos 8,31-34 * Evangelho Marcos 9,2-10)

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