terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

ANO B – TERCEIRO DOMINGO DA QUARESMA – 04.03.2018

Jesus enfrenta a violência que se esconde até na religião!
A experiência religiosa está ligada a lugares, tempos, normas, símbolos e ritos que a expressam e tornam palpável. Nos seus salmos, o povo hebreu suspirava: “Como são desejáveis as tuas moradas, Javé dos Exércitos! Minha alma suspira e desfalece pelos átrios de Javé... Felizes os que habitam em tua casa: eles te louvam sem cessar... Mais vale um dia em teus átrios do que mil em minha casa” (Sl 84/83). Mas até o templo, intimamente relacionado com a celebração da fé, pode estar carregado de ambiguidades. E a quaresma nos ajuda a purificar o olhar, o pensar e o agir, inclusive em relação aos templos e ritos.
Jesus entra no templo numa data festiva. Na festa da páscoa, a cidade ficava entulhada de peregrinos, e o comércio fervia, e o faturamento crescia. Estima-se que, por ocasião das festas pascais, no templo de Jerusalém eram sacrificados mais ou menos 18.000 animais! O povo chegava de todos os lados para oferecer os sacrifícios, e para isso, precisava comprar os animais. E os vendedores de animais e os cambistas estavam lá para facilitar os ‘negócios de Deus’ e faturar encima da piedade popular. Como a lei proibia o uso de moedas com imagens dos reis e dos impérios, lá estavam os cambistas.
As próprias autoridades religiosas, usando a fé e o nome de Deus em vão, haviam transformado o templo em espaço e instrumento de exploração. Jesus fica simplesmente indignado com tudo isso. O zelo pelo bem-estar do povo o inflama e consome. Por isso, expulsa os comerciantes, derruba as mesas dos cambistas e pede aos vendedores de pombas que levem suas gaiolas embora. “Tirem isso daqui!” Jesus mostra-se mais indignado com estes últimos, pois são os exploram a fé dos mais pobres, daqueles que, por sua miséria, só podiam comprar e oferecer pombas (cf. Lv 5,7; 14,30).
Ameaçando e expulsando os comerciantes e cambistas, Jesus denuncia o uso do nome de Deus para fins de exploração e diz que, na prática, a elite que havia se apropriado do templo e o administrava cultuava outros deuses. E hoje não é diferente, pois muitas pessoas que invocam o nome de Deus para justificar sua prosperidade e refutar as lutas dos pobres, excluem e violentam outros em nome da própria honra... A ação de Jesus, mesmo parecendo um gesto violento, é uma reação apaixonada em defesa das vítimas de uma violência exercida em nome da religião e do mercado religioso.
A expulsão dos comerciantes do templo é a primeira ação propriamente pública de Jesus relatada no evangelho de João. Os dirigentes do templo reagem imediatamente, solicitando as credenciais de Jesus, perguntando com que direito ele faz isso. “Que sinal nos mostras para agir assim?” Eles pouco se importam com a exploração dos pobres. Estão interessados nas credencias de Jesus! Não querem apenas saber se Jesus se apresenta como profeta, já que fazer um chicote e ‘botar ordem’ no templo era um gesto ligado à chegada do Messias. Querem uma demonstração de que ele é mesmo o Messias esperado.
Com sua desconcertante ação simbólica, Jesus faz bem mais que purificar o templo ou corrigir suas práticas. Ele declara que o templo não é mais caminho e espaço para o encontro com Deus, que os sacrifícios e ritos são por si mesmos inúteis. A partir de Jesus, Deus se deixa encontrar na humanidade das pessoas que amam e lutam para superar a violência e na comunidade que serve os mais necessitados. O templo permanece unicamente como espaço de encontro e lugar para fazer memória e cultivar a esperança. A verdadeira sacralidade migra do templo para os corpos dos filhos e filhas de Deus e para as ações concretas do corpo de Cristo, que é a comunidade eclesial.
Ilustrando aquilo que é visto como importante até hoje, Paulo escreve: “Os judeus pedem sinais e os gregos procuram sabedoria.” Traduzindo numa linguagem atual: uns procuram e valorizam gestos grandiosos, demonstrações de poder; outros confiam no conhecimento e no saber bem organizado. Mas o poder e a sabedoria de Deus brilham em Jesus de Nazaré, irmão servidor da humanidade, vítima da violência religiosa e política. Infelizmente até hoje temos Igrejas e movimentos que não fazem outra coisa senão promover cultos e ‘milagres’ espetaculares e prometer sucesso e prosperidade...
Senhor Jesus, para muita gente, teu ensinamento e tuas atitudes parecem exageradas e loucas. Pensam que uma religião que prioriza a fraternidade seja coisa destinada ao fracasso. Estão habituados a decorar leis, frequentar cultos, oferecer sacrifícios e ouvir condenações. Mas Paulo diz que loucura de Deus é mais sábia que os homens e a fraqueza de Deus é mais forte que os homens! Vem de novo, Jesus, e purifica as Igrejas do entulho moralista, escapista e autoritário. Que nossas comunidades sejam teu corpo, constituído de membros igualmente dignos e solidários, continuadores da tua compaixão. Amém! Assim seja!
Itacir Brassiani msf
(Livro do Êxodo 20,1-17 * Salmo 18 (19) * 1ª. Carta aos Coríntios 1,22-25 * Evangelho de Joao 2,13-25)

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