quarta-feira, 31 de julho de 2019

ANO C | TEMPO COMUM | DÉCIMO-OITAVO DOMINGO | 04.08.2019


Revestir-se do homem novo é buscar o Reino de deus!
Qual é a intenção do anônimo personagem do evangelho deste domingo quando chama Jesus de ‘mestre’? Depois da discussão sobre a autoridade de Jesus para expulsar demônios, da advertência sobre a busca obsessiva de sinais grandiosos e da crítica dura aos fariseus e doutores da lei, Lucas diz que “alguém do meio da multidão” pede a Jesus, sem esconder o habito de dar ordens: “Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo.”  Este sujeito não parece ser um dos discípulos que seguem Jesus no caminho a Jerusalém...
De fato, no evangelho segundo Lucas são sempre as pessoas estranhas a Jesus, ou os seus adversários declarados, que costumam chamá-lo ironicamente ‘mestre’: o fariseu que o criticou Jesus por deixar-se beijar pela mulher pecadora (7,40); os familiares de Jairo, cuja filha estava doente (8,49); o pai de um rapaz possuído pelo demônio (9,38); o doutor da lei, criticado por Jesus (11,45); um homem da elite judaica (18,18); os fariseus (19,39);  os espiões que querem denunciá-lo (20,21); os saduceus (29,28); os escribas (20,39). Estes exemplos deixam claro quem são os que chamam Jesus de mestre.
Chamando Jesus de mestre, este sujeito sem nome próprio não está expressando sua concordância nem sua adesão a ele. E Jesus percebe a ironia da saudação e as contradições do demandante, tanto que, respondendo, dá a entender que, se não for aceito como mestre, também não pode ser buscado como juiz. No fundo, Jesus percebe que este indivíduo está longe de estar no aperto ou ser um candidato a discípulo. Jesus percebe que se trata de alguém que corre o risco de ser devorado pela ganância. Mas essa situação concreta acaba proporcionando a Jesus a oportunidade de falar sobre a relação do discípulo com os bens.
“Atenção! Guardai-vos contra todo tipo de ganância, pois mesmo que se tenha muitas coisas, a vida não consiste na abundância de bens.” Esta é a reação de Jesus ao perceber que, por trás do pedido daquele sujeito, não está uma necessidade, nem um desejo de justiça, mas a fome insaciável de bens. E, para sublinhar a seriedade da sua exortação, Jesus propõe uma parábola na qual o protagonista é uma pessoa radicalmente voltada a si mesma, extremamente ambiciosa, que fala e decide tudo sozinha e não se interessa por mais ninguém. A linguagem usada pelo personagem é clara: ‘meus’ celeiros, ‘meu’ trigo, ‘meus’ bens.
No final de uma safra bem-sucedida, o personagem diz a si mesmo: “Meu caro, tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe e goza da vida.” Como não lembrar aqui a parábola do rico que festejava indiferente à miséria de Lázaro que jaz à sua porta (Lc 16,19-31)? Para Jesus, as pessoas que agem assim são tolas, desprovidas de qualquer resquício de razão, vazias de qualquer valor humano. São o tipo de gente que, com suas decisões, cavam abismos que os separam dos demais “simples humanos”. E acabam cavando também a própria ruína, pois são tão pobres que só tem dinheiro.
Mas, se o acúmulo desmedido de bens é tolice e pobreza humana, o que significa ‘ser rico diante de Deus’? Está claro que, para Jesus, o problema não está nos bens em si mesmos. O mal dos bens está no obstáculo que eles podem representar à liberdade radical e ao engajamento no movimento do Reino de Deus. O Reino de Deus é a pérola preciosa e o tesouro que vale mais que tudo, o terreno no qual brota o trigo que vai para a mesa dos pobres, o ventre no qual é gerada uma nova humanidade. Aos ricos, o que falta não são armazéns novos ou polpudas contas bancarias, mas adesão ao Reino de Deus, uma visão mais solidaria.
Paulo nos pede que, tendo sido ressuscitados com Cristo pelo batismo, aspiremos às coisas celestes, esforcemo-nos para alcançar as coisas do alto, onde está escondido o segredo da verdadeira vida, em Deus. É um outro modo de dizer que o segredo de uma vida feliz está na abertura e na dedicação ao Reino de Deus: nas relações fraternas e igualitárias; na partilha gratuita, solidária e generosa; na compaixão que humaniza e liberta; na mútua confiança que a tudo renova e sustenta. A Nova Criatura, renascida em Cristo, é a pessoa que não reconhece nem reivindica hierarquias ou privilégios de qualquer espécie.
Jesus de Nazaré, mestre na escola do serviço e guia na busca da vida bem-aventurada: aos olhos do teu e nosso Pai, mil anos podem representar menos que o dia de ontem, o aparente vigor da vida pode ser enganoso, e nós podemos desaparecer nesta mesma tarde. Já aprendemos amargamente que um projeto de vida fundamentado no acúmulo sem limites não tem fundamento, é uma bolsa roída pelas traças. Ajuda-nos então a manter e aprofundar nossa adesão ao teu caminho, ao teu estilo de vida, aos teus valores. Ensina-nos a contar bem os nossos dias, a colocar os bens materiais no seu devido lugar. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf

Livro do Eclesiástico 2,21-23 | Salmo 89 (90)
Carta de Paulo aos Colossenses 3,1-11 | Evangelho de São Lucas 12,13-21

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