Toda a Igreja é chamada
e enviada a anunciar a Boa Notícia!
Depois de
relatar o envio dos Doze Apóstolos (9,1-6), Lucas nos apresenta Jesus enviando
um novo grupo de discípulos. Parece que os primeiros enviados não corresponderam
ao que Jesus esperava: anunciaram um Evangelho filtrado pela ideologia
nacionalista, foram refutados pelos samaritanos e tentados a demonstrar poder e
recorrer à vingança. Como não conseguiam entender o que significa seguir Jesus
(“ir atrás”), também não tinham condições de ser apóstolos (“ir à frente”).
Será que com os 72 discípulos vai ser diferente?
Percebendo que
as necessidades das multidões urgem como uma colheita prestes a se perder,
Jesus observa preocupado a carência de evangelizadores e envia um amplo grupo. O
novo grupo é seis vezes maior que o grupo dos Doze, e se lhes pede que busquem
mais colaboradores. A cifra 72 corresponde ao número de nações conhecidas na
época, o que significa que o horizonte da missão de Jesus e seus discípulos é o
mundo inteiro. É bem provável que a maioria das pessoas desse novo grupo
provenha do ambiente samaritano, menosprezado pelos judeus ortodoxos, e que
muitas sejam mulheres.
Jesus pede que
os enviados não se comportem como príncipes em meio a plebeus, como chefes que
se sobrepõem a súditos. Sublinha que os enviados devem portar-se como cordeiros
dóceis e confiantes em meio a lobos ameaçadores. Mesmo que devam atuar num
ambiente hostil, Jesus não imagina que possam partir armados para se defender,
e muito menos para atacar. Quem entra na “marcha por Jesus”, ou com Jesus, não
pode jamais cotejar a violência e imitar gestos de ataque ou execução, como o
fez recentemente o mandatário que diz ter Deus no coração, ovacionado por uma
multidão que se diz seguidora de Jesus!
Jesus assegura
aos seus discípulos missionários que nada nos fará mal, que pisaremos incólumes
cobras, escorpiões e forças contrárias. Mas não diz que pisaremos sobre as
pessoas que nos ameaçarem! Podemos sim protestar, sacudindo a poeira que
herdamos das estradas percorridas, mas não mais que isso, e sem deixar de
anunciar a Boa Notícia de Jesus aos que se nos opõem. E este Evangelho não é “bandido
bom é bandido morto”, nem a “segurança e o respeito às pessoas de bem ou humanos
direitos” e a lei e as grades para os “humanos tortos” ou “bandidos”, assim
qualificados pela nossa cartilha de iniciação à hipocrisia.
E Jesus deixa
isso muito claro quando ensina o que deve brotar dos lábios dos seus discípulos
missionários: “A paz esteja nesta casa! O Reino de Deus está próximo de vocês!”
E isso também na casa dos pagãos e nas cidades e situações em que não formos
bem aceitos. Somos enviados para pedir hospedagem na vida e na casa das pessoas
e povos. Chegamos pedindo licença, não portando-nos como patrões e “donos do
pedaço”. Jesus pede que não levemos sandálias, bolsas e sacolas, nem cartilhas
morais que condenam e excluem, nem togas que usam os juízes que, além de
instruir indevidamente a investigação, julgam e condenam.
A
evangelização não é, em primeiro lugar, o ensino de uma doutrina sobre Deus ou
a apresentação de um código de conduta moral, mas o anúncio de uma verdade
alvissareira para todos os seres humanos, especialmente para os que são
tratados como últimos: Deus está próximo de todos, conhece os sofrimentos
naturais ou impostos pelas estruturas injustas e nos guia e fortalece nas
tentativas de tornar a vida mais humana; para Ele, os últimos são os primeiros,
os marginalizados são os preferidos, os condenados são os perdoados, os
amaldiçoados e vitimados pelos vencedores são os mais amados.
Para que possa
merecer crédito, nosso anúncio deve ser acompanhado de ações que o confirmem:
cura dos doentes, defesa dos injustiçados. A Igreja não pode entrar na lógica do
poder e depositar sua confiança apenas nas elites ou grupos privilegiados,
ceder à tentação de medir seu valor pelos sucessos institucionais ou pela
erudição da sua doutrina. Paulo fala em gloriar-se apenas na Cruz de Nosso
Senhor Jesus Cristo, e este é um critério diferente: a compaixão que leva à
identificação com o outro e à defesa de sua dignidade. O que conta não é a
rotulação que classifica e exclui, mas a nova criação, radicalmente igual e
fraterna.
Jesus de Nazaré, missionário do Pai! Tu
nos convocas a participar da tua missão, por isso, te pedimos: Faze com que
toda a Igreja tenha as marcas do teu corpo: a abertura radical ao Pai e aos
irmãos e irmãs; a humanidade que se solidariza e acolhe; a paixão e a compaixão;
a preferência pelos últimos. Ajuda-nos a confiar na tua misericórdia, a
defenestrar toda atitude violenta, a agir para que a paz social corra entre nós
como um rio, convertendo a sociedade e a Igreja em mãe que acaricia, consola,
amamenta e carrega as pessoas, especialmente as estropiadas e extraviadas, como
filhas amadas. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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