quarta-feira, 25 de março de 2020

ANO A | TEMPO QUARESMAL | QUINTO DOMINGO | 29.03.2020


O coração de quem ama e cuida é um coração que sofre...
A Quaresma nos convida a avançar na descoberta do mistério de uma vida divinamente humana que se revela em Jesus de Nazaré. E o fazemos tomando consciência das nossas fragilidades, possibilidades e esperanças. Sabemos que a vida é como a flor do campo, bela e vulnerável. Desejamo-la ardentemente e a escolhemos resolutamente, mesmo sabendo das ameaças constantes que ela sofre. A atual banalização da vida se alimenta de uma mentalidade que relativiza a existência e do enfraquecimento do conceito de pessoa, e acaba justificando os homicídios e o extermínio de inteiros grupos humanos (cf. Texto-Base, 54).
A humana experiência de fracasso pode nos levar a repetir o refrão acusatório contra Deus e contra o destino, como o fazem Marta e de Maria, pois têm a impressão de que Jesus havia feito pouco caso da enfermidade de Lázaro. Muitas vezes temos esta mesma sensação diante de doenças incuráveis, de acidentes trágicos, ou de pandemias arrasadoras como esta que a humanidade vive hoje. Na revolta, gerada no ventre dor, chegamos a acusar Deus, pois, nessas circunstâncias, ele nos parece ausente, desinteressado ou sem coração.
Mas sabemos que “Jesus amava Marta, a irmã dela e Lázaro”, assim como ama apaixonadamente cada um de nós. Somos sua família, seus irmãos e irmãs, seus amigos e amigas, ainda que ele não se deixe prender aos nossos desejos e interesses, nem se submeta às urgências do nosso calendário. Jesus sempre chega, no tempo oportuno, para nos ajudar a mudar as coisas, para chorar as dores que nos afligem, e não passa adiante sem se desdobrar em iniciativas de cuidado. Compassivo e terno, seu coração também sofre!
Em Betânia, Jesus encontra suas amigas em pranto, tristes pela perda do irmão e pela sua ausência injustificável. Mas ele nono é nem pse comove não é indiferente, e participa da dor das amigas, como o faz também hoje com todos aqueles que choram, impotentes e inconsoláveis. É mediante sua compaixão que ele nos faz experimentar seu amor. “Vejam como ele o amava...”, diz o povo. Eis aqui a porta que abre a possibilidade de mudança: o amor e a compaixão, tão divinos e tão humanos, essencial no enfrentamento das tragédias que nos arrasam.
Acreditar em Jesus Cristo não significa simplesmente apostar no poder de Deus, implica em confiar na força do seu amor. Da parte de Jesus, o amor que se compadece; da nossa parte, a confiança que abre horizontes e possibilidades. Da fé e da abertura ao amor compassivo e solidário de Jesus brotam as novas possibilidades de vida e a força da ressurreição. “Se você acreditar, verá a glória de Deus”. Esta é a glória de Deus: seu amor pela humanidade. A glória de Deus é o ser humano vivo, ensinava Santo Irineu.
Jesus convida Maria a ultrapassar a dor e o medo que obscurecem o olhar da sua fé. E Lázaro, no escuro da morte e no fundo da sepultura, também é interpelado: “Vem para fora!” Este grito de Jesus, pronunciado como oração, chama-nos todos à vida, a um novo olhar e um novo agir. É apelo a sair dos nossos interesses e projetos, geralmente nascidos e nutridos no ventre do medo e da indiferença. É um convite a sair da prisão dos sistemas de poder e de morte e a empreender um caminho, a fazer a passagem-páscoa.
Nesta saída, como em toda travessia, nossos passos serão sempre necessariamente inseguros. Pertencemos à história e temos muitas amarras. Mas escutamos, de formas diversas, uma ordem: “Desamarrem e deixem que ele ande...” A fé em Jesus Cristo não é doutrina que fecha, peso que oprime, laço que amarra. Oxalá todas as Igrejas aprendam esta lição! Como diz Paulo, crer significa deixar-se conduzir pelo Espírito de Deus e superar a busca compulsiva dos interesses egoístas.
Marta e Maria acreditaram e por isso viram a glória de Deus, patente e potente na compaixão que resgata a vida. E muitos judeus que “viram o que Jesus fez, acreditaram nele”. Mas o que é que eles realmente viram? Contemplaram e testemunharam a profunda humanidade de Deus e este incrível dinamismo que o aproxima das suas criaturas machucadas e oprimidas, sem se importar se elas cheiram mal, compartilhando a dor que nos fere. Viram isso na relação de Jesus com Lázaro, com Maria e com Marta, e por isso acreditaram!
Senhor, as trevas do medo nos envolvem, mas em ti há luz. Sentimo-nos sozinhos, mas tu não nos abandonas. Sentimo-nos desfalecer, mas em ti encontramos socorro. Estamos inquietos, mas em ti encontramos a paz. A amargura nos devora, mas em ti encontramos a paciência. Não compreendemos teus caminhos, mas tu sabes qual é a boa estrada. Acolhe-nos como membros vivos do teu corpo, e assim te ajudaremos a chamar para fora, a consolar nossos irmãos e irmãs, e a vencer o vírus com a vacina da solidariedade. Assim seja! Amém!    
Itacir Brassiani msf
Profecia de Ezequiel 37,12-14 | Salmo 129 (130)
Carta de Paulo aos Romanos 8,8-11 | Evangelho de São João 11,1-45

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