domingo, 3 de agosto de 2025

Nosso bezerro de ouro

A permanente tentação do bezerro de ouro

Entre as diversas e preciosas narrativas que a tradição bíblica nos oferece temos a eloquente e pedagógica história do bezerro de ouro (cf. Êxodo 32,1-24). O contexto histórico é o do êxodo das tribos hebreias que fugiam da opressão do Egito guiadas pela esperança de chegar à sonhada terra. Moisés, que liderava a aventura desde a saída, havia subido à montanha para discernir os passos e rumos da luta, e tardava a voltar.

Diante da demora do líder, o povo protestou, mostrando-se cansado de um Deus “visível” apenas numa nuvem, às vezes tenebrosa, outras vezes luminosa (cf. Ex 33,7-11). E pediu um Deus mais concreto, palpável e controlável. Desejou uma caminhada menos tortuosa, com meta mais determinada e chegada mais definida. Por isso, pediu a Aarão, colaborador de Moisés: “Faça para nós um deus que caminhe à nossa frente, porque não sabemos o que aconteceu com esse Moisés que nos tirou do Egito” (Ex 32,1).

A transcendência de um Deus que interdita imagens reducionistas deixa o povo confuso e deprimido. O Deus de Abraão e de Moisés não se deixa prender e limitar por nada. Insiste em apontar um caminho sempre aberto, mas sem um ponto de chegada. Teima em manter seu povo a caminho. Não aceita instituições fechadas e cristalizadas. Mostra a sua glória, mas não permite que Moisés e seu povo o vejam de frente (cf. Ex 33,18-23). Permanece mistério imanipulável, transcendente e inapreensível.

Também hoje multiplicam-se os cânticos de sereia que insistem na necessidade de submeter-nos às taxas e vociferações dos que se imaginam imperadores do mundo, em finalizar a caminhada e refugiar-se atrás dos muros das cidades, mesmo que se saiba que foram construídos para segregar. Insistem que é hora de imaginar um deus que fique à nossa disposição, que considere as nossas preferências e satisfaça a nossa irracional sede de desforra. Dizem que a modernidade acabou, e que a democracia é uma quimera.

Também nós somos tentados a fundir o nosso bezerro de ouro. Desejamos mais estabilidade e segurança às custas de menos liberdade e menos solidariedade. Queremos uma sociedade e uma Igreja com figura e instituições bem definidas, com metas mensuráveis. A consolidação da democracia, a busca de uma de "outro mundo possível" e de “uma Igreja mais sinodal” parecem-nos um caminho cansativo e sem fim. Preferimos as velhas definições e imposições, mesmo que sejam terrivelmente castradoras.

O problema é que, seguindo esse bezerro e os mitos que o representam, acabamos comportando-nos como “gado”: rotulamos como ideologia aquilo que é ciência; taxamos de interesseiras e sonhadoras as lideranças que sugerem um olhar mais amplo; acusamos de ditadura o que é apenas aplicação de justais leis; tratamos como inimigos todos aqueles que ousam divergir; atribuímos ao demônio as iniciativas e organizações voltadas à construção de uma sociedade menos desigual e mais justa.

E somos atraídos pelos oportunistas que nos chamam a levantar, oferecer holocaustos e sacrifícios, sentar-nos para comer e beber e levantar-nos de novo para nos divertir (cf. Ex 33,6). Seria inteligente estender uma lona de circo que encubra as tragédias e transforme tudo em espetáculo? Seria sábio defender o poder dos opressores e negar a sede de justiça que nos move? Seria aceitável encher nossas praças com estátuas de guerreiros e exterminadores em vez de profetas e sonhadores? Se a resposta for positiva, o que fazer do Evangelho e da memória incômoda da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo?

Dom Itacir Brassiani msf

Bispo Diocesano de Santa Cruz do Sul

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