sexta-feira, 2 de maio de 2014

Lembranças do Pe. Ceolin

Uma carta do jovem Pe. Rodolpho Ceolin msf

Hoje recordamos dez meses da páscoa definitiva do estimadíssimo coirmão Pe. Ceolin. Na década de 1960, em plena efervescência conciliar, recaiu sobre os ombros dele a indicação como primeiro Superior Provincial brasileiro da Província Brasil Meridional. Ele tinha então apenas 36 anos de idade. Como essa indicação ressou na sua jovem alma missionária nós podemos perceber na carta que ele escreveu ao Superior Geral, no dia 6 de julho de 1966, antes que a indicação se confirmasse em nomeação. Vale a pena ler!

Revenrendíssimo Padre Superior Geral,
Saudações respeitosas em Jesus, Maria e José.
Estará nos próximos dias Vossa Paternidade comemorando o Seu onomástico. Por esta razão, venho respeitosamente à Sua presença para felicitá-lo em nome de toda a nossa Comunidade. Que nossa prece possa merecer para Vossa Paternidade os auxílios do alto para bem dirigir nossa Congregação nestes tempos difíceis, de muitas transformações, em que divergem as mentalidades e a confusão toma conta de muitos.
Aproveito a ocasião para desabafar junto ao Seu coração de pai as angústias maiores do momento, das quais poderá Vossa Paternidade fazer uso perante Seu Conselho.
Revendíssimo Padre Superior Geral, o relatório do último Capítulo Provincial que foi remetido à Cúria Generalícia traz o meu nome como primeiro candidato ao governo da nossa Província, seguido dos nomes dos Reverendíssimos Padres Clemente Etgeton e João Diebold.  Encontro-me perturbado e confuso, quase sem saber o que dizer a respeito e que atitude tomar.
Reconheço, de um lado, que os Padres Capitulares estiveram mui equivocados a meu respeito, ainda bem que nem todos. Votaram num mau religioso, por demais imperfeito. Disso Vossa Paternidade tem conhecimento através da visita canônica passada. Na reitoria do Escolasticado, deixo a disciplina correr frouxa. Houve confrades que caridosamente disseram que, por este motivo, eu não sirvo para Reitor. Não me sinto com autoridade moral suficiente para insistir junto aos demais confrades por um cumprimento mais zeloso da Vida Religiosa, porque eu mesmo sou pior que os demais.
Por outro lado, a Igreja empenha-se na renovação dos Institutos religiosos e dos seus membros. Para tal empresa são necessários, antes de tudo, homens de Deus. Isso eu não o sou. Isto eu afirmo com tristeza e raiva de mim mesmo e de outros. Minha consciência acusa-me de mau religioso, um escândalo para os demais confrades. Em vista disso, vivo uma vida triste, sentindo-me um sacerdote infeliz, quase fracassado. Muitos se enganam a meu respeito, vendo só as aparências e a periferia do meu ser. Se tenho bom humor e sou brincalhão, isso não traduz felicidade interna. Não raro, o humor não passa de uma compensação pela insatisfação interior e descontentamento comigo mesmo.
Em face desta realidade que me confunde, julgo que de nenhuma maneira deveria aceitar o cargo de Superior Provincial, caso resolvesse o Conselho Geral pronunciar-se por minha pessoa. Reverendíssimo Padre Geral, minha consciência me diz que para ocupar um cargo de tamanha responsabilidade eu deveria ser bem mais perfeito. Quase deveria opor-me e não aceitar. Se não chego a dizer que a Congregação e a Província procure outro melhor, é devido a certas circunstâncias de que fui informado de fonte segura e fidedigna.
Esta é a segunda carta que lhe escrevo. Na primeira, ao terminar minhas considerações, dizia: “Perante Deus e minha consciência, confesso que não posso e não devo aceitar o encargo para o qual me apontam.” Consultei dois confrades a respeito. Um me disse que ser Provincial é mais fácil que ser Reitor do Escolasticado... O outro informou-me que haverá membros de destaque da Província que sairão para outra Província, caso o Pe. Clemente for nomeado.
Diante disso, não sei o que dizer. Deixo a Vossa Paternidade e Seu Conselho a liberdade de resolver o que achares melhor. Eu diria, e digo sem querer fugir às responsabilidades e ao sacrifício, que nas presentes circunstâncias, o terceiro candidato seria a melhor opção. O Pe. Diebold é mais experiente que eu, possui mais virtudes também, é benquisto por todos. Antes de os brasileiros assumirem a Província, creio que o Pe. Diebold seria o homem de ligação. Ele está bem ligado aos padres de além-mar e da mesma forma com os nacionais.
Mui Reverendo Pe. Geral, acredito ter apresentado o que sinto e as preocupações que me confundem, sem malícia e sem segundas-intenções. Espero ter contribuído para que o Conselho Geral saiba como fazer para escolher os homens que deverão governar nossa Província nos próximos três anos.
Certo da compreensão da Vossa Paternidade para comigo, peço-lhe antes de tudo que rogue a Deus por mim. Em Jesus, Maria e José, de Vossa Paternidade, com fiel e religiosa submissão,

Pe. Rodolpho Ceolin msf

Terceiro Domingo da Pascoa (Ano A - 2014)

Jesus nos acompanha nas curvas das estradas da vida
O significado do acontecimento pascal não se entrega à nossa compreensão em um só golpe. A realidade viva e esperançosa que ele comunica necessita de um longo tempo para germinar, crescer, florescer e frutificar na vida cristã. Com sabedoria a tradição cristã prolonga o evento pascal nas sete semanas que se seguem à páscoa. Este período, denominado tempo pascal, é um desafio e um convite a descobrir e acolher o dinamismo da ressurreição em suas múltiplas facetas, uma novidade escondida nas tramas da vida e na luminosidade translúcida das liturgias.
Os evangelhos fazem questão de não esconder as dificuldades e a incrível lentidão com que os discípulos e discípulas vão se abrindo à ressurreição de Jesus Cristo. O episódio dos discípulos que deixam Jerusalém e voltam desolados à aldeia de Emaús é paradigmática. Lucas diz que eles estavam como se fossem cegos. Eles não conseguiam tirar da memória a imagem da prisão, do julgamento, da tortura e da morte de Jesus na cruz. Para eles, o fracasso fora completo e arrasador, e não havia como conciliar a esperança de um messias com um criminoso pregado na cruz.
O evangelista faz notar que “o próprio Jesus se aproxima e começa a conversar com eles”. E começa perguntando sobre o conteúdo da conversa e o motivo da tristeza deles. Não chega impondo o tema ou desviando do assunto. Com a sabedoria de mestre, conduz os discípulos ao mais fundo da própria frustração, ao coração da própria dor, ao núcleo central dos acontecimentos. E o faz caminhando com eles, num caminho de volta ao passado desprovido de esperanças. Sem este primeiro momento, o anúncio e o testemunho da ressurreição poderia cair no vazio ou resvalar para o cinismo.
Caminhando e dialogando com os discípulos, Jesus quer provocar neles a abertura a uma uma imagem de Deus despida das marcas do poder e do saber. Obcecados por certa imagem de Deus e machucados pelo desengano de suas esperanças, eles não conseguem compreender nada. Mas a perseverança de Jesus acaba abrindo algumas pequenas brechas naquela terra seca. Eles se dão conta de que já é tarde e a noite se aproxima. Percebem claramente que um caminho sem esperanças não leva a lugar nenhum. Sentem necessidade de um companheiro com quem possam dividir o pão da dor...
A sede de companhia, junto com o desejo de repartir, faz toda a diferença. Acolhendo o anônimo companheiro de caminhada e partilhando com ele a vida e o pão, os discípulos passam da cegueira à visão, da frustração à alegria, da escuridão à luz. A hospitalidade e a partilha dão a eles a possibilidade de fazer uma releitura do percurso feito, compreender melhor o que sentem e descobrir o significado profundo dos acontecimentos que vivem. Só então eles dão atenção àquilo que sentiam quando escutavam a Palavra. “Não estava o nosso coração ardendo quando ele nos falava pelo caminho?”
Pedro nos mostra que os apóstolos também aprenderam esta lição. Com uma coragem inexplicável, ele se levanta e, dirigindo-se aos habitantes de Jerusalém e aos peregrinos, os convida a compreender o sentido do que estava acontecendo naquela manhã em que o fogo do Espírito abria portas e caminhos, concedia sabedoria e inteligência, chamava e enviava. Aquele Jesus de Nazaré que fora humilhado até o extremo havia sido exaltado ao máximo. “Não era possível que a morte o dominasse... Deus o ressuscitou dos mortos e lhe deu a glória...” E nos acompanha neste tempo em que somos migrantes...
A fé cristã se fundamenta no testemunho, na experiência pessoal ou dos outros. Cremos porque há uma corrente de homens e mulheres que deram prosseguimento ao caminho e ao projeto vivido por Jesus Cristo. Nesta “nuvem de testemunhas” Cristo se mostra vivo e ressuscitado, e os sacramentos nos conduzem a esta realidade. Se esta corrente de testemunhas não continuar, os frutos da ressurreição não chegam à mesa de ninguém. Por isso, cada geração de cristãos precisa recriar o testemunho do Ressuscitado, discernindo as exigências e oportunidades próprias do seu tempo.
Deus da vida: nossos pais e antepassados na fé nos ensinaram a te chamar de pai, mas mostras que tens um coração de mãe. Tu nos acompanhas nas curvas sombrias dos nossos fracassos individuais e sociais, nos confortas no aconchego do teu colo, seguras nossa mão e guias nossos passos incertos, abres nossos olhos para encarar a realidade, encorajas à fidelidade criativa e responsável. Vem em nosso auxílio na aventura de transformaar a fé na ressurreição do teu filho em projeto de uma vida doada sem reservas e sem condições. Assim seja neste tempo de nossa migração neste mundo! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf
(Atos dos Apóstolos 2,14.22-33 * Salmo 15 (16) * Primeira Carta de Pedro 1,17-21 * Lucas 24,13-35)

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Vivências da Semana-Santa (9)

A manhã e a tarde: em qual estrada Ele nos busca?

É tempo de concluir esta série de breves relatos em torno da semana-santa que me foi dado viver com o povo de Vila do Morro, no interior de Minas Gerais. Na verdade, o último momento celebrativo destes oito dias aponta também para o primeiro dia de um novo tempo, do tempo pascal, do tempo das infinitas passagens e travessias que se nos oferecem e nos solicitam. Elas acontecerão em manhãs misteriosamente radiantes e em tardes deliciosamente surpreendentes...
A comunidade se reuniu, numerosa, para a celebração da manhã. Como sabemos, a liturgia matutina da páscoa é revestida de uma sóbria nobreza, é bela e simples. O círio brilha sereno e sem se impor. E é bom que seja assim pois todos sabemos das cruzes que ainda beiram estradas e marcam as curvas da história. Mãos e pés perfurados, corpos traficados, homens e mulheres oprimidos ainda suspiram por redenção. Mas sabem que a esperança não engana e que os suspiros não caem no vazio.
O Evangelho coloca diante dos nossos olhos a figura de Madalena, chorosa na perda, corajosa na busca, audaciosa no testemunho, generosa em tudo. E nos convida a considerar que nenhum ladrão de corpos crucificados se daria ao trabalho de dobrar os panos mortuários antes de fugir. E mais: aqueles panos brancos que jazem na sepultura vazia lembram mais as vestes alegres das festas de núpcias que o luto dos velórios e enterros. Portanto, Jesus é a Aliança de Deus conosco, a pedra rejeitada se tornou pedra de primeira importância...
Na Vila do Morro, o mesmo grupo que encenou a paixão de Jesus também preparou uma breve cena da sua ressurreição, ambientada no interior da igreja, incorporada como primeira parte da homilia. As várias cenas evangélicas da ressurreição foram costuradas num único roteiro, o que conferiu à peça um colorido especial. Depois de se manifestar a Madalena, aos apóstolos e aos peregrinos de Emaús, Jesus reapareceu na parte interna da torre da igreja, no alto, anunciando à assembléia reunida: “Assim como o Pai me enviou, eu envio vocês...”
Dona Lia, que me acolheu na sua casa, e a ministra Lucia
Terminada a celebração, era hora de voltar para casa. Alimentados na mesa dos iguais, levávamos nos olhos a discreta luz da ressurreição, mas voltávamos conscientes de que, nas muitas tardes da nossa vida, por vezes ainda caminharemos desolados e teremos dificuldades de reconhecer Aquele que se aproxima de nós, faz perguntas, tenta abrir os olhos da nossa mente e pede hospitalidade. Sabíamos também que, se o reconhecermos, pouco importa se ele logo desaparece...
Assim, a missa da manhã da páscoa foi também minha despedida da comunidade. Por que omitir que as manifetações espontâneas de carinho e gratidão de gente de todas as idades me comoveram? Bendito seja Deus que nos reuniu no amor de Cristo! Aos pés da cruz e no vazio do túmulo vazio nos descobrimos irmãos e irmãs, renascemos como nova e promissora família, semente de uma humanidade que deseja ser nova. É claro que foi uma despedida com intenso desejo de reencontro, de aprofundamento. E o desejo se torna promessa. E, com a graça de Deus, a promessa será cumprida. E isso para o bem da comunidade católica da Vila do Morro e para o meu próprio crescimento espiritual. Assim seja!

Itacir Brassiani msf

Festa de S. José Oparario

Na carpintaria de José, Deus se fez trabalhador!
Um princípio do ensino social da Igreja afirma que “só o trabalho produz riqueza”. Por conseguinte, os bens de produção ou de consumo que circulam no mundo trazem a impressão digital dos trabalhadores e trabalhadoras e o seu acúnulo nas mãos de poucos significa expropriação ou roubo. Celebrar a importância do trabalho é reconhecer a dignidade dos trablhadores e trabalhadoras e reivindicar seu direito de participar da mesa que suas mãos prepararam. Se na gruta de Belém a Palavra se faz carne, na carpintaria de José, o próprio Deus se faz trabalhador.
Podemos imaginar Jesus entrando nas sinagogas da Galiléia. Na região ele era conhecido pelo trabalho que exercia: como seu pai José, era carpinteiro e assim ganhava a vida. Mas esse trabalho, mesmo tendo uma importância inquestionável, não representava um limite para sua vida de pregador. Agora ele se apresentava como missionário itinerante, ensinando uma doutrina que ele chamava de Boa Notícia: o tempo de espera terminara e o reinado de Deus estaria chegando gratuitamente como vida em abundância para todos. Ele ensinava uma ‘nova lição’...
Mateus nos diz que os conterrâneos e familiares de Jesus estavam admirados, exatamente como as multidões que testemunharam a cura de dois cegos e um mudo (cf. Mt 9,34) ou como quando ele ameaçou e expulsou o mau espírito que impedia que um homem enxergasse e falasse (cf. Mt 12,23). As multidões se maravilhavam, e não conseguiam reduzir Jesus à profissão humilde e marginal do seu pai. Mas seus conterrâneos ficaram também desconcertados. Primeiro, pela a beleza e relevância daquilo que anunciava e ensinava. Depois, pela condição de humilde trabalhador, filho um simples carpinteiro e, como eles, habitante de uma região desprezada.
De fato, a missão que Jesus desenvolvia estava acima do que era esperado para o status de sua família. “De onde lhe vem esta sabedoria? Este homem não é o filho do carpinteiro?...” A questão mais difícil não era reconhecer que o Filho de Deus tenha se apresentado como carpinteiro, mas aceitar que um carpinteiro comum se dissesse Filho de Deus. Muitos ainda hoje preferem imaginar José com lírio e não com ferramentas de trabalho nas mãos. E gostam de contemplar Jesus com um pergaminho ou um cajado, mas jamais uma foice ou uma enxada!
O motivo principal do escândalo é o próprio Deus: para ele, a encarnação não é uma possibilidade mas uma necessidade. O amor procura formas concretas para se expressar. Os princípios gerais não bastam. Como ensina o amável poeta e profeta Dom Pedro: na gruta de Belém Deus se faz carne; na carpintaria de José, Deus se faz classe. Um homem que trabalha com as mãos é escolhido como pai e educador do Filho de Deus, também ele trabalhador.
A festa celebrada hoje é a oportunidade e o desafio para que a nossa fé passe dos princípios gerais e intransitivos aos compromissos práticos e arriscados: colocar-se ao lado dos trabalhadores e trabalhadoras em suas justas lutas; empenhar-se na humanização do trabalho, especialmente daqueles que ainda hoje degradam quem os faz; comprometer-se com o aumento das vagas de trabalho; defender a criação de vagas de trabalho para os idosos e jovens; lutar contra a felxibilização dos direitos trabalhistas; e assim por diante.
Paulo nos recomenda: “E tudo o que vocês fizerem através de palavras ou ações, o façam em nome do Senhor Jesus, dando graças a Deus por meio dele... Tudo o que vocês fizerem, façam de coração, como quem obedece ao Senhor e não aos homens” (Col 3,17.23). Evidentemente, não se trata de um sentimento piedoso ou de uma resignação ao peso do trabalho explorado. Paulo insiste numa atitude fundamental: fazer do trabalho a expressão do melhor de nós mesmos e um meio de criar vínculos solidários entre os homens e mulheres.
Deus e pai, tu quisestes que o pai do teu filho fosse operário em Nazaré. Celebrando a festa de São José Operário, te pedimos: faz crescer em nós a consciência de que entregaste o mundo em nossas mãos; que imaginaste o mundo como um belo jardim, farto, plural e harmônico e deste-nos inteligência e capacidade para cuidar dele; e nos colocastes como teus representantes e executivos na tarefa de guardar, cultivar, multiplicar e distribuir os frutos da terra mediante o trabalho. Bendito sejais por esta confiança. Ajuda-nos a sermos criativamente fiéis e responsáveis. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf
(Gênesis 1,26-2,3 * Salmo 88 (89) * Carta aos Colossenses 3,14-24 * Mateus 13,54-58)

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Vivências da Semana-Santa (8)

Vigília e Páscoa: onde estão os sinais da ressurreição?

Nas partilhas anteriores, já enumerei um rosário de surpresas que tive na vivência da semana-santa na Vila do Morro. E aqui está mais uma, a última: a comunidade católica costuma iniciar a celebração da vigília, com a bênção do fogo, em frente ao cemitério da vila! Jamais havia pensado nessa possibilidade... E faz sentido!
É no cemitério que deixamos os restos físicos das pessoas que amamos, e também daquelas que ignoramos. É nele que repousará aquilo que vai sobrar deste corpo no qual somos reconhecidos, que é mediação e expressão de tantas coisas belas e no qual frequentemente experimentamos dores. O cemitério é símbolo da longa e silenciosa espera da ressurreição da carne, elemento constitutivo da nossa fé.
O início da vigília pascal estava previsto para as 19:30h. Cheguei às portas do cemitério às 19:00h, e já encontrei um bom número de fiéis reunidos em torno de um belo monte de lenha, preparada por um generoso fiel, cada qual preparado com sua vela e um frasco com água. Aproveitamos o tempo de espera e, na falta de alguém que entoasse um “bendito” próprio para as vigílias, começamos a entoar cânticos populares, convocando todas as criaturas a esta vigília celebrada sob o céu estrelado, mas ainda sem a vita de luca cheia. “Luar do Sertão”, “Calix Bento”, “Oh Minas Gerais”, “Sim, eu quero...” foram canções que vieram expontaneamente à nossa memória e que foram cantadas com entusiasmo por aquela gente simples, pura e fiel.
Depois de decorar o círio pascal, com todos os pormenores simbólicos que isso comporta, e depois de abençoar o fogo, partimos em direção à igreja, sempre cantando, pontilhando a escuridão com um sem número de pequenas luzes que faziam sorrir as estrelas. Paramos na porta do templo e perguntamos, cantando: “Senhor, quem entrará no santuário prá te louvar?” E nós mesmos cantamos a resposta que que nos foi revelada: “Quem tem as mãos limpas e o coração puro, quem não é vaidoso e sabe amar!” E, então, declaramos, em uníssono: “Senhor, eu quero entrar!...” E adentramos no templo dando graças a Deus pela luz de Cristo materializada no círio que nos precedia.
Depois da bela memória e profecia do “exultet”, ainda na penumbra, abrimos a mente e o coração para escutar e deixar ressoar a Palavra de Deus. Infelizmente tivemos que decidir pela simplificação deste tempo de escuta, focalizando apenas três perícopes do Antigo Testamento, mais a carta aos Romanos e o Evangelho. O calor intenso e a presumida impaciência do povo nos levou a tomar esta decisão. Mas poderia ter sido diferente... E penso que seria melhor, mais expressivo e frutuoso... Solenidades como esta são também formadoras de consciência e de hábitos...
A invocação das testemunhas do ressuscitado, mediante a ladainha de todos os santos, abriu o rito de renovação do batismo. Pois o mistério da páscoa de Jesus se realiza de um modo todo especial neste sacramento que sela a nossa lealdade com o senhor-servo: nas águas do batismo morremos com Jesus para o mundo do “cada um para si” e ressuscitamos com ele para o mundo do “dom generoso e solidário de si”. É por isso que, sem deixar de ser uma festa eucarística – a Aliança se torna definitivamente nova! – a páscoa é também uma festa rdicalmente batismal.

Itacir Brassiani msf

terça-feira, 29 de abril de 2014

Vivências da Semana-Santa (7)

Pão, cruz, luz: o que é mais significativo?

Sabemos todos, e mesmo pessoas religiosamente indiferentes o intuem, do profundo significado humano e espiritual do tríduo pascal, dos eventos que celebramos no período que vai do entardecer da quinta-feira ao anoitecer do domingo de páscoa: a última ceia de Jesus e o gesto simbólico do lava-pés; a traição de que foi vítima, a condenação fajuta que sofreu, as torturas que lhe foram impostas e sua execução na cruz; a tenebrosa vigília de pouca espera e muita desilusão dos discípulos; a notícia da sua ressurreição e a manifestação aos frustrados discípulos que vltavam a Emaús. É uma passagem difícil e lenta do pão à cruz, e, desta, à luz.
Como você sabe pelos relatos anteriores, celebrei este memorável tríduo com a comunidade católica da Vila do Morro, em São Francisco (MG). Um grupo improvisado de pessoas de diferentes categorias deu um tom realista ao gesto do lava-pés, evitando em parte o risco da teatralização. Não deixa de ser paradoxal o movimento de um Deus que se inclina diante da humanidade, inclusive da humanidade resistente e pecadora, para lavar-lhe os pés, expressando com isso sua hospitalidade e acolhida, sua desconsideração para com as hierarquias sociais e seu serviço despojado e libertador. A aliança – nova e definitiva! – celebrada na partilha do pão e do vinho incluiu também as crianças, que receberam um delicioso biscoito.
O encontro que tive com um grupo de casais depois da missa foi, para mim, uma agradável surpresa. Perguntava-me se alguém estaria disposto a permanecer na igreja depois de uma longa celebração, e depois das 21:00h. E lá estavam aproximadamente cinquenta casais, abertos, sequiosos, desejosos de aprofundar o sentido e as consequências da aliança matrimonial à luz da aliança pascal de Jesus. Segundo o testemunho expontâneo de algumas pessoas, foram 40 minutos que passaram como se fossem apenas 10... Meus receios se transformaram em alegria e satisfação...
Na sexta-feira de manhã, como já partilhei anteriormente, celebramos a via-sacra da Campanha da Fraternidade, uma estação na casa de cada doente. E, no calor das 15:00h, os moradores da vila foram convocados à celebração da paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Para mim, mais uma surpresa... Um refrão repetido nas escolas de teologia e encontros pastorais é que o povo brasileiro celebra mais a paixão que a ressurreição de Jesus, se indentifica mais com a cruz que com a luz. Isso não se confirmou na Vila do Morro! De todas as celebrações da semana-santa, a adoração da cruz foi a que menos atraiu e reuniu fiéis. Teria sido por causa do horário e do calor? Ou por causa da grande encenação da paixão de Jesus que seria oferecida logo no final da tarde? Mas poderia ser também – por quê não?! – a intuição do sentido da ressurreição...
O espetáculo teatral da paixão reunião uma multidão, talvez a maioria do povo da Vila. A apresentação se estendeu por mais de duas horas e fez da praça ao redor da igreja um imenso palco. Os atores e atrizes improvisados, muitos deles com notável competência artística, eram majoritariamente jovens. O grupo de mais de trinta atores investiu muito tempo nos ensaios e uma boa soma de dinheiro nos figurinos. O que me chamou a atenção é que os mesos jovens que resistem à participação nas celebrações engajam-se generosamente na preparação e apresentação de uma peça teatral. Não estaria aqui um frutuoso caminho para uma pastoral da juventude? A compreensão e assimilação do texto pode levar ao aprofundamento da fé, e o teatro pode oferecer aos jovens a possibilidade de exorcizar e vencer a passividade à qual em geral as celebrações os condenam.
Acho que isso ficou confirmado no sábado... Na parte da manhã, aproximadamente cinquenta crianças, a maioria catequizandos, compareceu ao encontro especial agendado para eles. Na parte da tarde, apenas vinte jovens, nenhum dos que participaram da encenação, compareceram, um pouco contra a vontade, no encontro que oferecemos à juventude.
Itacir Brassiani msf

domingo, 27 de abril de 2014

Vivências da Semana-Santa (6)

Missa da unidade: em torno de quem?
Na quinta-feira levantei cedo, como de costume. Pouco depois das 6:00h da manhã fui para a beira da estrada que liga São Francisco a Montes Claros. Esperei os colegas Genivaldo e Germano, que vinham de São Francisco, e segui com eles a Januária. Lá aconteceria a missa da unidade diocesana, a celebração dos santos óleos e a renovação dos compromissos presbiterais. Antes que o relógio assinalasse 8:00h, estávamos, com outros presbíteros, tomando o café da manhã na casa de Dom José Moreira. Lá também, mais tarde, partilharíamos um fraterno e saboroso almoço.
Não obstante ser um dia normal de trabalho, o povo de Januária praticamente lotou a catedral para a missa, que começou às 8:30h. A maioria dos padres – a exceção foram dois colegas MSF e um diocesano – estavam presentes. Isso é muito significativo se levarmos em consideração que alguns padres, para se deslocar de suas paróquias até Januária, devem viajar até cinco horas na ida e cinco horas na volta, percorrendo péssimas estradas. No nosso caso, o tempo gasto não chegava a duas horas para cada trecho. Certamente, este é um esforço que supõe motivação e convicção.
Na missa matutina da quinta-feira santa se cruzam diferentes motivos e focos. O primeiro é a bênção anual dos três óleos (dos catecúmenos, do crisma e dos enfermos), utilizados nas celebrações sacramentais de cada Igreja particular. O segundo, por causa de uma antiga tradição que identifica a missão do presbítero quase que exclusivamente com a eucaristia, é celebrar a “instituição” do “sacerdócio cristão”. E o terceiro, é a celebração da unidade do presbitério, em torno do bispo diocesano.
É claro que dois destes motivos são discutíveis. Primeiro, porque não é correto identificar o ministério presbiteral exclusivamente com os sacrementos ou com a Eucaristia, de modo que não podemos deduzir automaticamente da última ceia de Jesus a instituição da ordem presbiteral. Além de “sacerdote”, o padre é também chamado a ser pastor e profeta! Ademais, é perigoso imaginar que a unidade da Igreja diocesana seja garantida pelo bispo... Qual é o lugar da Palavra de Deus, da Eucaristia e, mais ainda, do Espírito Santo nesta unidade?
Estes questionamentos não impediram que celebrássemos com fé e gratidão este momento, e que renovássemos nosso sincero propósito de servir o povo de Deus como presbíteros, a exemplo de Jesus, o bom pastor. E o fizemos invocando Nossa Senhora das Dores, padroeira da diocese de Januária. “Gerando o amor num mundo de tantos amores, de ilusões sofrimentos e temores, tu és, ó Mãe, excelsa Senhora das Dores. Dá-nos a bênção, Nossa Senhora das Dores! E, fervorosos, cheguem a ti nossos louvores!”
Graça especial para mim foi encontrar dois velhos conhecidos. O primeiro é o padre João Juvêncio Alves Pereira, com quem estudei o primeiro ano de filosofia (1980), fiz o noviciado (1983) e convivi durante o primeiro ano dos estudos do mestrado (1990). Ele passou por momentos muito complicados e hoje é padre diocesano. O outro é o simpático padre Manoel, diocesano que trabalha na paróquia de Maria da Cruz, às margens do Rio São Francisco. Há mais de vinte anos ele está praticamente cego, mas isso não impede que continue animando a pastoral da sua paróquia.
Itacir Brassiani msf

sábado, 26 de abril de 2014

Vivências da Semana-Santa (5)

Via-Sacra: quantas são as estações?

Na Semana-Santa vivida na Vila do Morro aprendi uma prática que considero muito significativa: rezar e meditar a Via-Sacra de Jesus Cristo, na Sexta-feira Santa de manhã, nas casas de pessoas idosas e doentes. Estas, contatadas com antecedência, prepararam pequenos e simples “altares” diante de suas pobres casas, com “flores tristes e baldias, como a alegria que não tem onde encostar”.

Começamos bem cedo, às 7:30 da manhã, pois o sol prometia ser implacável. Começamos com um grupo de umas trinta pessoas, inclusives algumas bem idosas. Com o passar das horas e estações, alguns deixavam a caminhada e outros nela se incorporavam. Tudo organizado por eles mesmos. Eu só entrei, na última hora, como dirigente, pois “o padre sabe”...

Sou da geração que acredita firmemente que a via-sacra de Jesus se encarna e continua na sagrada via dos homens e mulheres de hoje. Mas percebi de forma mais viva e profunda que a santa via de Jesus tem tudo a ver com a via-crucis dos doentes e idosos. E isso tanto no que se refere ao “rosário” de dores que ferem a carne e a alma deles como em relação aos tantos cirineus e verônicas que os consolam solidariamente.

Mas a Comunidade, sintonizada com a caminhada da Igreja do Brasil, seguiram a Via-Sacra proposta pela Campanha da Fraternidade, fazendo desfilar diante destes rostos cansados e corações sofridos, a lembrança do sofrimento ainda maior das vítimas do tráfico de pessoas humanas. Diante dos nossos olhos e no pó no qual mergulhavam nossos pés se uniam o sofirmento de Jesus, dos doentes e das vítimas do tráfico de pessoas humanas.

Estavam previstas paradas em quinze casas, conforme o número das estações. Mas quantas são mesmo as estações e visitas da caminhada de Jesus ao calvário das dores humanas? Algumas pessoas idosas, mesmo sem terem sido contempladas na lista, arrumaram altares diante das suas casas? Como desconhecer o apelo surdo que eles gritavam e passar adiante como se nada fosse?

Concluíamos a parada e a meditação diante de cada casa com o pedido de bênção sobre os idosos e doentes que nelas habitam. Estendendo as mãos sobre eles, cantávamos “este doente será abençoado, pois o Senhor vai derramar o seu amor”. E de fato, em muitos casos, as lágrimas dos doentes sinalizavam materialmente o amor e a bênção que Deus ia derramando, atendendo o pedido do seu povo amado.

Esta caminhada de fé e solidariedade na sagrada via de Jesus durou mais de duas horas. O sol começava a queimar quando celebramos a ressurreição de Jesus em frente à casa de dona Ana, nome com tantas e belas ressonâncias bíblicas. Deus seja louvado por este povo valente e forte, sensível e humano, que vive sua fé de modo tão simples, expressivo e solidário!


Itacir Brassiani msf

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Vivências da Semana-Santa (4)

Doentes: quem pode contar as dores deles?

A visita aos doentes foi parte importante da agenda preparada pela Comunidade para minha missão na Semana-Santa. Aos poucos fui descobrindo que esta visita faz parte da agenda essencial desta semana especial. Parece que participa diretamente do mistério da paixão e morte de Jesus Cristo.
Visitei em torno de vinte doentes e idosos. Levando em conta o número de habitantes de Vila do Morro, é muito. E isso ainda sem contar os muitos idosos que participam normalmente da Comunidade e o impressionante número de pessoas, especialmente crianças, com algum tipo de deficiência, física ou mental.
A doença e a fragilidade que costumam acompanhar a velhice avançada são experiências muito duras e pesadas para todos, especialmente para aqueles que nos habituamos à autonomia e independência. Mas, quando se situam num contexto de pobreza, miséria e abandono, são quase insuportáveis, podem nos desumanizar quem as sofre e assustar quem as conhece.
Esta é a situação da maioria dos doentes que visitei: idosos, doentes, pobres, solitários. Nesta condição, como esperar que se apresentem limpos, perfumados, arrumados? A situação em que encontrei muitos deles me fez lembrar do Servo Sofredor: “Ele não tinha aparência nem beleza para atrair o nosso olhar, nem simpatia para que pudéssemos apreciá-lo. Desprezado nDesprezado e rejeitado pelos homens, homem do sofirmento e experimentado na dor; como indivíduo de quem a gente eaconde o rosto...” (Is 53,2-3).
De fato, vários doentes e idosos que visitei vivem sozinhos, com saudade dos filhos esparramados pelo mundo em busca de sobrevivência. Muitos vivem acompanhados por um neto ou neta, pouco mais que crianças, que parecem ter já incorporado o olhar distante e a melancolia dos seus avós. “Ele cresceu como raiz em terra seca... Por suas feridas é que veio a cura para nós...”
O que significaria para estes irmãos e irmãs “experimentados na dor” a minha visita? Que mensagem passaria se os saudasse de longe, se dissesse apenas algumas palavras de ocasião, recomendadas pelo meu dever de ofício? E como vencer a instintiva barreira que se ergue entre mim e pessoas em estado tão deprimente? E para elas, isso não é ainda mais deprimente?
Senhor, derruba estas barreiras e abre minha mente, meu coração e minha vontade, para que eu me aproxime destas pessoas e seja uma tênue mas real expressão da tua proximidade compassiva, do teu carinho que reanima, do teu toque curador, do teu perdão consolador, do teu abraço regenerador, tanto para eles como para mim.

Itacir Brassiani msf

Segundo Domingo da Pascoa (Ano A - 2014)

Ressuscitados, somos enviados para transfigurar o mundo!
Nós nunca vimos Jesus, mas isso não nos impede de segui-lo, amá-lo e testemunhá-lo. Aprendemos pouco a pouco que a fé que nos faz renascer para uma esperança viva e nos ajuda a ver com novo olhar e agir com novo vigor. Ver e tocar não são condições indispensáveis para crer. Imprescindível é o vínculo vivo com uma comunidade de irmãos e irmãs. Nela temos a possibilidade de estender a mão e tocar as chagas do Senhor ressuscitado, de prostrarmo-nos em humilde adoração e de prosseguir a missão de Jesus Cristo, tanto de forma individual como em ritmo comunitário.
É impressionante a experiência pascal dos discípulos e discípulas de Jesus. Doía-lhes na consciência a traição, a negação, a deserção e o abandono de Jesus no caminho da cruz. A esta dor acrescentava-se o medo de que a perseguição violenta por parte das autoridades judaicas e romanas se voltasse também contra eles. Com medo, eles se reuniam a portas fechadas. Mas, ao se manifestar a eles, a primeira palavra de Jesus é de acolhida e pacificação, e não de cobrança: “A paz esteja com vocês!” Jesus lhes mostra as feridas nas mãos e no lado esquerdo, sem lamentar ou acusar pelo abandono sofrido.
Tomé não está reunido com os demais discípulos quando Jesus ressuscitado vai ao encontro deles. Quando os outros dez discípulos lhe anunciam “nós vimos o Senhor”, sua reação não esconde a frustração transformada em desconfiança e ceticismo: “Se eu não vir a marca dos pregos nas mãos dele, se eu não colocar o meu dedo na marca dos pregos, e se eu não colocar a minha mão no lado dele, eu não acreditarei.” Falta-lhe o sentido de pertença à comunidade. O abandono do caminho de Jesus leva-o ao isolamento, e esta separação da comunidade impedia a continuidade da missão.
Tomé reata os laços com os condiscípulos e seus olhos se abrem. Nos corpos concretos e feridos dos irmãos e irmãs, Tomé recorda o projeto de Jesus Cristo, “toca” suas feridas e acredita nele. São felizes aqueles que alcançam a fé sem ver, apenas vendo e tocando indiretamente o Senhor que está no meio de nós. Como comunidade apostólica, damo-nos conta também de que podemos ficar de tal modo envolvidos pela idéia de um Cristo exaltado e pela possibilidade da nossa ressurreição depois da morte que corremos o risco de esquecer que o mundo ainda não foi totalmente transfigurado...
Por isso, Jesus Cristo confere claramente uma missão aos discípulos: continuar seu próprio trabalho de tirar o pecado do mundo. “Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês”. É como se ele nos confiasse a tarefa de lixeiros, de passar pelas ruas recolhendo os males que o egoísmo gera e sustenta. Isso é o que significa ser o “Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo”. Este pecado tem muitos nomes e se manifesta nas diversas formas de dominação, de exploração, de discriminação, ou também na indiferença diante das vítimas destas ações. É esta a herança que não se corrompe!
E esta herança e missão urgem, não podem ser postergadas para amanhã, para quando tivermos mais tempo. Não pode também ser terceirizada ou enviada à responsabilidade dos outros. O pecado que não tirarmos do mundo permanecerá aqui, diminuindo e ferindo a vida de muita gente. A comunidade que se reúne para continuar a memória de Jesus crucificado e ressuscitado, depois de receber o Espírito Santo, teve coragem para inovar e forças para perseverar no ensinamento dos apóstolos, na união fraterna em torno de Jesus Cristo; na partilha do pão, na oração e na liturgia. Eis nosso caminho!
É a nós que Jesus se dirige hoje, convidando-nos a tocar seu corpo. Nesta celebração, seu corpo está ao nosso alcance na eucaristia, mas também no corpo eclesial, nos irmãos e irmãs que estão ao nosso lado no templo e do lado de fora da igreja. Saudemos, abracemos sirvamos estes irmãos e irmãs, membros vivos do corpo de Cristo. Com eles, vivamos em paz e sejamos portadores de paz. E mais ainda: busquemos no pão pascal a força para perseverar na tarefa impostergável de tirar o pecado do mundo, começando pelos pecados que ferem e maculam a própria Igreja. Fomos guardados para a salvação!
Deus, Pai e Mãe da vida: celebrando a memória de teu filho e nosso irmão Jesus de Nazaré, te agradecemos pelo dom da fé. É graças à fé que cremos e caminhamos, mesmo sem ter tocado as feridas de Jesus. E te pedimos que este tempo de passagem nos faça renascer para uma esperança viva e vivificadora, para uma herança que não murcha. Faz com que sejamos membros da família de Jesus Cristo a partícipes da sua missão de tirar o pecado do mundo, testemunhar o evangelho do serviço e fazer da humanidade uma só família, como o fizeram os santos João XXIII e João Paulo II. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf
(Atos dos Apóstolos 2,42-47 * Salmo 117 (118) * Primeira Carta de Pedro 1,3-9 * João 20,19-31)