sexta-feira, 2 de maio de 2014

Lembranças do Pe. Ceolin

Uma carta do jovem Pe. Rodolpho Ceolin msf

Hoje recordamos dez meses da páscoa definitiva do estimadíssimo coirmão Pe. Ceolin. Na década de 1960, em plena efervescência conciliar, recaiu sobre os ombros dele a indicação como primeiro Superior Provincial brasileiro da Província Brasil Meridional. Ele tinha então apenas 36 anos de idade. Como essa indicação ressou na sua jovem alma missionária nós podemos perceber na carta que ele escreveu ao Superior Geral, no dia 6 de julho de 1966, antes que a indicação se confirmasse em nomeação. Vale a pena ler!

Revenrendíssimo Padre Superior Geral,
Saudações respeitosas em Jesus, Maria e José.
Estará nos próximos dias Vossa Paternidade comemorando o Seu onomástico. Por esta razão, venho respeitosamente à Sua presença para felicitá-lo em nome de toda a nossa Comunidade. Que nossa prece possa merecer para Vossa Paternidade os auxílios do alto para bem dirigir nossa Congregação nestes tempos difíceis, de muitas transformações, em que divergem as mentalidades e a confusão toma conta de muitos.
Aproveito a ocasião para desabafar junto ao Seu coração de pai as angústias maiores do momento, das quais poderá Vossa Paternidade fazer uso perante Seu Conselho.
Revendíssimo Padre Superior Geral, o relatório do último Capítulo Provincial que foi remetido à Cúria Generalícia traz o meu nome como primeiro candidato ao governo da nossa Província, seguido dos nomes dos Reverendíssimos Padres Clemente Etgeton e João Diebold.  Encontro-me perturbado e confuso, quase sem saber o que dizer a respeito e que atitude tomar.
Reconheço, de um lado, que os Padres Capitulares estiveram mui equivocados a meu respeito, ainda bem que nem todos. Votaram num mau religioso, por demais imperfeito. Disso Vossa Paternidade tem conhecimento através da visita canônica passada. Na reitoria do Escolasticado, deixo a disciplina correr frouxa. Houve confrades que caridosamente disseram que, por este motivo, eu não sirvo para Reitor. Não me sinto com autoridade moral suficiente para insistir junto aos demais confrades por um cumprimento mais zeloso da Vida Religiosa, porque eu mesmo sou pior que os demais.
Por outro lado, a Igreja empenha-se na renovação dos Institutos religiosos e dos seus membros. Para tal empresa são necessários, antes de tudo, homens de Deus. Isso eu não o sou. Isto eu afirmo com tristeza e raiva de mim mesmo e de outros. Minha consciência acusa-me de mau religioso, um escândalo para os demais confrades. Em vista disso, vivo uma vida triste, sentindo-me um sacerdote infeliz, quase fracassado. Muitos se enganam a meu respeito, vendo só as aparências e a periferia do meu ser. Se tenho bom humor e sou brincalhão, isso não traduz felicidade interna. Não raro, o humor não passa de uma compensação pela insatisfação interior e descontentamento comigo mesmo.
Em face desta realidade que me confunde, julgo que de nenhuma maneira deveria aceitar o cargo de Superior Provincial, caso resolvesse o Conselho Geral pronunciar-se por minha pessoa. Reverendíssimo Padre Geral, minha consciência me diz que para ocupar um cargo de tamanha responsabilidade eu deveria ser bem mais perfeito. Quase deveria opor-me e não aceitar. Se não chego a dizer que a Congregação e a Província procure outro melhor, é devido a certas circunstâncias de que fui informado de fonte segura e fidedigna.
Esta é a segunda carta que lhe escrevo. Na primeira, ao terminar minhas considerações, dizia: “Perante Deus e minha consciência, confesso que não posso e não devo aceitar o encargo para o qual me apontam.” Consultei dois confrades a respeito. Um me disse que ser Provincial é mais fácil que ser Reitor do Escolasticado... O outro informou-me que haverá membros de destaque da Província que sairão para outra Província, caso o Pe. Clemente for nomeado.
Diante disso, não sei o que dizer. Deixo a Vossa Paternidade e Seu Conselho a liberdade de resolver o que achares melhor. Eu diria, e digo sem querer fugir às responsabilidades e ao sacrifício, que nas presentes circunstâncias, o terceiro candidato seria a melhor opção. O Pe. Diebold é mais experiente que eu, possui mais virtudes também, é benquisto por todos. Antes de os brasileiros assumirem a Província, creio que o Pe. Diebold seria o homem de ligação. Ele está bem ligado aos padres de além-mar e da mesma forma com os nacionais.
Mui Reverendo Pe. Geral, acredito ter apresentado o que sinto e as preocupações que me confundem, sem malícia e sem segundas-intenções. Espero ter contribuído para que o Conselho Geral saiba como fazer para escolher os homens que deverão governar nossa Província nos próximos três anos.
Certo da compreensão da Vossa Paternidade para comigo, peço-lhe antes de tudo que rogue a Deus por mim. Em Jesus, Maria e José, de Vossa Paternidade, com fiel e religiosa submissão,

Pe. Rodolpho Ceolin msf

Um comentário:

Clemente Treccani (p. Tino) disse...

Maravilhoso pe. Rodolpho. Como ajudou nós CRIC, nos tempos de 1984 pra frente a se inculturar no Brasil. Para mim, ele foi um grande referencial e nessa sua carta me identifico muito. Obrigado.
Pe. Tino (Clemente) Treccani - cric