sábado, 20 de dezembro de 2014

Bolsonaro, um escracho!

Bolsonaro: ícone do brutal machismo brasileiro
As brasileiras e os brasileiros, que ainda não perderam a lucidez e o senso ético, recentemente ficaram chocados e indignados com um pronunciamento do deputado federal fluminense Jair Bolsonaro, o qual da tribuna da Câmara ofendeu uma colega deputada, insinuando o desejo de estuprá-la, embora “ela não merecesse”. Com isso o deputado, já conhecido pelo seu destempero, pela sua apologia a ditaduras e a ditadores, pela sua falta de ética, pelo seu espírito fascista e nazista, ofendeu todas as mulheres brasileiras e fez apologia ao crime de estupro.
O comportamento antiético, imoral e nazista do deputado Bolsonaro causou, como disse antes, indignação entre aquelas pessoas sérias e éticas, embora não se possa esperar outra coisa de alguém como ele. Porém, é preciso dizer com toda sinceridade que o seu comportamento, típico de bandido, reflete nada mais e nada menos que o machismo que caracteriza a maioria absoluta dos homens do nosso país.
Os dados a respeito da violência contra a mulher no Brasil, e que estão à nossa disposição em muitos sites oficiais e sérios, são alarmantes. Cerca de 77% das mulheres maltratadas afirmam terem sido violentadas ou agredidas semanalmente ou até diariamente. A violência, geralmente, é praticada por homens a elas ligados: parceiros, maridos, parentes e até filhos. Boa parte delas são assassinadas. Entre 1980 e 2010 foram assassinadas 92 mil mulheres no Brasil, de modo que se pode falar, sem medo de errar, de um verdadeiro feminicídio.
O machismo do brasileiro se manifesta também de outras formas. Na atitude arrogante de querer “tirar satisfação”, de “não levar desaforo para casa”, de humilhar os outros, principalmente aqueles que dependem de nós, de não aceitar a perda ou a derrota, como aconteceu recentemente com o senador Aécio Neves, que não queria admitir a sua derrota para uma mulher.
Trata-se, pois, de um elemento cultural. De norte a sul e de leste a oeste de nosso país os homens, de um modo geral, são machistas. É claro que, quando consultados, a quase totalidades deles têm um discurso liberal e se opõem à violência contra a mulher. Mas, na prática, a teoria é outra. A maioria absoluta deles enxergam a mulher apenas como objeto deles. A mulher é objeto de cama e mesa e uma serviçal que deve realizar todas as tarefas e todos os caprichos deles.
Existem, inclusive, homens cujo discurso político parece revolucionário, mas na hora de se relacionar com a mulher extravasam todo o seu machismo e a sua agressividade. Para tais “revolucionários” a mulher deve ficar em casa realizando tarefas domésticas, lavando roupas e pratos, limpando casa, preparando para eles as refeições e cuidando dos filhos. Ao chegarem em casa, querem encontrar tudo pronto e à disposição deles. Sentam-se majestosamente no sofá de casa para tomar uma “cervejinha”, ver televisão, enquanto a mulher prepara tudo para eles. São incapazes, por exemplo, de ajudar nas tarefas domésticas, como preparar as refeições, trocar uma fralda, lavar os pratos ou arrumar uma mesa.

Há, ainda, a violência contra a mulher, praticada em nome de Deus e da religião. Muitos, ingenuamente ou idiotamente, pensam que a violência religiosa contra a mulher só existe nos países islâmicos. Isso é pura ignorância. O Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI), que tem sede em São Leopoldo (RS), realizou recentemente uma pesquisa, já publicada em forma de livro, sobre o assunto. E, por incrível que pareça, a pesquisa constatou um número altíssimo de violências praticadas contra a mulher com motivação meramente religiosa.
Homens de diferentes Igrejas cristãs, fazendo uma leitura literal e fundamentalista de certos textos da Bíblia, consideram normal a agressão à mulher que não quer ser “submissa”. Para eles a Bíblia ensina que a mulher deve sujeitar-se ao homem e aquelas que não se submetem deve ser punidas. É claro que, como disse antes, trata-se de uma leitura enviesada e fundamentalista da Bíblia. Quem estuda seriamente os textos sagrados do judaísmo e do cristianismo sabe que isso não é verdade. Porém, o fato é real e, considerando que quase 90% dos brasileiros declaram-se adeptos do cristianismo, pode-se deduzir que boa parte dos agressores, senão a totalidade, é formada por homens cristãos. O que é grave e muito sério para uma religião que tem como essência o amor ao próximo.
Lamentavelmente boa parte das próprias mulheres introjetou esse machismo e chega a achar normal a agressão praticada por homens. Pode parecer algo paradoxal. Mas é o que vemos diariamente nos comportamento de muitas delas, aceitando passivamente a ação dos homens e submetendo-se resignadamente aos que eles praticam. Vejo, por exemplo, pouca ação e reação das mulheres diante do que a grande mídia e a propaganda fazem com elas. Embora sejam maioria no país, as mulheres não votam em mulheres. O próprio Bolsonaro deve ter sido eleito graças ao voto de muitas mulheres. Após o seu pronunciamento infame, feito da tribuna da Câmara, ele foi defendido publicamente por uma jornalista, já conhecida de todos nós por seus comentários racistas, homofóbicos, machistas e preconceituosos. Eu mesmo tenho tido dificuldades em minhas aulas universitárias para convencer as acadêmicas acerca do machismo do brasileiro e da exploração à qual a mulher é submetida diariamente nos programas televisivos e nas propagandas. Elas acham isso normal!
Ora, se o problema é cultural, só pode ser resolvido através de ações que mudem o comportamento cultural. E a ação que resume todas as outras é a educação. Mas, neste campo, os desafios são muitos, pois as instituições que podem e devem fazer isso estão todas em crise. A família não consegue mais dar orientações sérias aos filhos, e, com a presença de pais machistas, isso é quase impossível. Os políticos, na sua grande parte conservadores e machistas, se omitem e silenciam. Foi revoltante acompanhar os nossos parlamentares por ocasião do pronunciamento de Bolsonaro. Excetuando-se as parlamentares mulheres e alguns outros deputados e senadores, a omissão e o silêncio foi total. E, diz o adágio popular, “quem cala, consente”.
Na grande mídia, golpista por natureza, o silêncio foi amplo e total. Essa mídia que vive atrás de escândalos, que vive obcecada por corrupção, não trouxe para a pauta a corrupção escandalosa de Bolsonaro. Houve maior discussão apenas na mídia pública e nas mídias alternativas. Nas escolas se repercute a cultura machista, de modo que os meninos praticamente não recebem nenhuma orientação sobre isso. Nas Igrejas certamente o clima deve ser o mesmo, pois, salvas algumas poucas exceções, elas são machistas por vocação e, em pleno século XXI, ainda excluem as mulheres das instâncias de poder e de decisão.
Porém, diante de tão grave escândalo, diante da atitude descabida, antiética e imoral do deputado Bolsonaro, é hora de acordarmos, pois ele representa o que há de mais infame, sujo e nojento nas sociedades e nas culturas brasileiras. É hora de nos indignarmos e partirmos para ações concretas que contribuam para uma educação séria e que ajudem a eliminar comportamentos desvairados, desrespeitosos e desumanos como esse que presenciamos recentemente. Não podemos permanecer indiferentes e alheios a atos dessa natureza. Precisamos nos indignar, protestar e realizar pequenas ações que quebrem a arrogância e a intolerância, a agressão, o machismo e a violência contra as mulheres e contra todas as pessoas indefesas de nossa sociedade. Não podemos mais esperar. Se insistirmos em esperar será tarde demais e num breve espaço de tempo essa violência estará atingindo as nossas famílias e as nossas pessoas. Aliás, Bolsonaro, ao agir de forma tão truculenta, já agrediu a todas as mulheres brasileiras. Consequentemente, agrediu a todos nós.
É preciso, como dizia Paulo Freire a mais de quarenta anos atrás, desmistificar a realidade, ou seja, enxergar o que está acontecendo e agir, não ficando de braços cruzados. É preciso contribuir para a educação das pessoas. “Uma das grandes tarefas da educação libertadora é convidar as massas a tornarem-se utópicas, isto é, denunciantes” (Paulo Freire). E denunciar não é apenas apontar o que está acontecendo, mas construir um novo idealismo, ou seja, propor um novo modo de ser e de agir para a humanidade, uma nova forma de presença “que me convida a fazer a história que é minha, que é a história dos homens” (Paulo Freire).

José Lisboa Moreira de Oliveira

Palavras de salvaçao (16)

“Ao anúncio do anjo, a Virgem acolheu o vosso Verbo inefável, e como habitação da divindade, foi inundada pela luz do Espírito Santo. Pai, que a seu exemplo, abracemos humildademente a vossa vontade!” Para não abandonar sua aposta na aliança com os poderosos, o rei Acaz finge piedade e diz que não pede um sinal do socorro de Deus para não tentá-lo. Na verdade, o que ele não quer é mudar suas convicções e interesses. É sempre a mesma tentação que ronda os que governam, inclusive os da esquerda: confiar mais na aliança com os poderes e partidos tradicionais que nos vínculos com o povo. Será que a dúvida inicial de Maria não viria também dessa mentalidade? Mas ela muda e acaba confiando mais da sombra incontrolável do Espírito Santo que na segurança da Lei, do Templo e do Império. Ela cresce na convicção de que Deus está com ela, que o povo encontra graça aos olhos de Deus e, dele, recebe a capacidade para gerar realidades novas. Descobre que, na sua ação regeneradora e libertadora, Deus prescinde da licença do patriarcalismo. Deus vem às periferias, à perdida vila de Nazaré, como visitara também a casa de Zacarias e retirara o manto da humilhação que escondia Isabel. Se vivesse, Acaz poderia acolher e entender o sinal de Deus: uma estéril no sexto mês de gravidez e uma virgem concebendo um filho sem a submissão a um macho e senhor. Aprendamos nós, pois é em vista de nós que os evangelhos foram escritos. Como Maria e a multidão de testemunhas que a precedem, cercam e sucedem, apresentemo-nos de mãos e corações abertos: “Eis aqui a Servidora do Senhor. Que em mim se realize sua Vontade, e sua Palavra se faça realidade!” Que a Sombra do Espírito nos envolva, e sua Luz faça brilhar nossos olhos. E que nosso caminho seja reto, e se não o for, que as curvas sejam para chegar mais perto dos humildes, e os buracos sejam para retardar nosso passo e caminharmos ao ritmo dos pequenos. E, assim, chegaremos juntos, muitos, à gruta de Belém, mesmo sem presentes nas mãos. Levemos, generosos, nosso olhar... (Itacir Brassiani msf)

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Palavras de salvaçao (15)

“Aquele que há de vir chegará sem demora, e não haverá mais temor”, recorda a antífona de entrada da missa de hoje, citando a carta aos Hebreus (10,37). E esta chegada, tão esperada quanto necessária, se inscreve entre os acontecimentos considerados impossíveis. O Natal celebra exatamente isso: coisas que sempre pareceram impossíveis e irreais se tornam fatos, aparecem como realidades palpáveis. Como então deixar de plantar as sementes das nossas mais altas e loucas utopias?! Hoje a liturgia nos recorda a mulher de Manué, cujo nome sequer é mencionado, pois é mulher estéril e desprezada. Ela recebe do mensageiro de Deus a notícia de que seria mãe. E, de fato, dá à luz nosso conhecido Sansão, homem consagrado a Deus e agente do Espírito para libertar seu povo do domínio dos filisteus. E o evangelho, por sua vez, nos apresenta o Zacarias e Isabel, um casal humilde e justo diante de Deus,mas também idoso e sem filhos. Neste caso, é Zacarias quem recebe a visita e a notícia do anjo, fica perturbado a ponto de perder a voz. Mas o mensageiro o conforta: “Não tenhas medo, Zacarias, porque Deus ouviu tua súplica. Tua esposa, Isabel, vai ter um filho, e tu lhe darás o nome de João. Tu ficarás alegre e feliz, e muita gente se alegrará com o nascimento do menino” (Lc 1,13-14). Zacarias deixa de lado a promessa de alegria geral e se concentra numa questão mais que razoável: “Como terei certeza disso? Sou velho e minha mulher é de idade avançada...” Mas o que parecia impossível foi se tornando visível no ventre anteriormente estéril e agora surpreendentemente crescido de Isabel, que, mesmo retirando-se na discrição, não cansa de repetir, apontando para a própria barriga: “Eis o que o Senhor fez por mim, nos dias em que se dignou tirar-me da humilhação pública...” Naquele momento, tudo ainda era esperança, mesmo que já antecipada em pequenos sinais, como cantará Zacarias no dia do nascimento de João: “Do alto, o sol nascente virá nos visitar, para guiar os nossos passos no caminho da paz...” Mas, mesmo repetindo este anúncio na antífona da comunhão, para nós isso tudo não é passado e nem mesmo apenas futuro: é experiência que fecunda e ilumina nosso tempo que se chama Hoje... (Itacir Brassiani msf)

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

QUARTO DOMINGO DO ADVENTO (ANO B – 21.12.2014)

Deus se encanta com nossa graça e nos engaja na sua obra.
Eis que entramos na derradeira semana da caminhada para o Natal. A expectativa é mais intensa, as atividades se acumulam, as preocupações nos agitam. O que ainda está faltando? Enviar os cartões natalinos aos amigos? Comprar presentes para os afilhados,  sobrinhos, pais, irmãs, vovôs ou netos? Renovar o estoque de carnes e doces? Comprar roupa nova para a noite feliz? Preparar o pinheiro e o presépio na sala?... A Visita esperada pode já estar batendo à porta, e os preparativos não podem impedir a acolhida, o diálogo e o comprometimento pessoal com Aquele que está sempre chegando.
Com o episódio de Davi e de Natã, não esqueçamos que a pressa é vizinha da superficialidade, e que ambas são um perigo para a fé lúcida e operante. O Advento é um convite à escuta despojada e ao diálogo aberto: escuta de Deus que fala, inclusive à margem dos livros e canais de TV, no silêncio do recolhimento e na contemplação profunda dos sinais dos tempos; diálogo tecido com os fios do intercâmbio, dos encontros com os diferentes, das ações solidárias, das preces engajadas. E é aqui, na espiritualidade do Advento,  que emerge com limpidez a figura de Maria.
À margem dos grandes acontecimentos, na periferia dos lugares importantes, no anonimato suspeito de Nazaré, Maria é capaz de discernir a Palavra de Deus na tenda da sua casa. E a fala de Deus começa apreciando e elogiando a beleza daquela que seria sua desejada morada, da arca que abrigaria o sacramento da sua Aliança definitiva. “Alegre-se, cheia de graça! O senhor está com você!” No coração do diálogo, uma proposta, um pedido tão exigente quanto irrecusável: “Você vai ficar grávida, terá um filho e dará a ele o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado filho do Altíssimo.”
Maria está pronta a engajar-se de corpo e alma no desejo de Deus, e discute apenas o modo como isso poderá ser feito. Sua preocupação não é contruir um templo para que Deus habite no mundo, ou decorar uma bela árvore de natal... Ela aceita ser a morada de Deus e coloca-se a serviço dele. Ela sabe que os Novos Céus e a Nova Terra costumam emergir onde e quando menos se espera: desertos florescem; estradas tortuosas se fazem caminhos planos; estéreis engravidam; virgens dão à luz; pobres recebem boas notícias... Deus não esquece de ser misericordioso, e cumpre aquilo que promete.
Mas o poder de Deus se mostra em mediações pobres! Ele cumpre suas promessas através das pessoas que nele confiam e a ele se entregam. É isso que nos mostra Maria, a vida das comunidades dos primeiros discípulos, e milhões de homens e mulheres pelos séculos a fora. Deus faz sua parte e cumpre o que promete, mas espera que façamos a grande parte que nos toca. Não nos preocupemos em construir templos, palácios e presépios... Deus prefere morar em nós, mesmo que sejamos pouco mais que pobres estábulos. Ele vem como criança para despertar em nós a ternura a solidariedade.
A preparação do Natal é uma tarefa que nos envolve da cabeça aos pés, da pele ao coração. Mas as luzes só têm sentido se forem expressão de um coração iluminado. Os presépios adquirem beleza na humana hospitalidade que acolhe indistintamente. Os presentes têm sabor na medida em que fazem de nós mesmos um dom, uma presença gratuita e solidária, e não levam a esquecer Aquele que é a Presença de Deus na carne humana. O Natal é uma festa familiar, mas não pode se restringir ao aconchego de quatro paredes, ao cálido clima doméstico, fechado ao mundo, indiferente aos outros.
Com Paulo, demos glória Àquele que pode nos confirmar na fidelidade ao Evangelho anunciado na carne de Jesus Cristo. Aquilo que estava escondido em doutrinas e ritos complicados, separados da vida ou opostos a ela, se tornou claro no mistério da encarnação e se tornou acessível a todos os povos e religiões. Deus é parceiro da humanidade, faz nela sua morada e scuscita e sustenta iniciativas de humanização. Ele não se importa com a pureza moral ou social, mas com as dores e necessidades dos seus filhos. A ele prestamos serviço e culto, cuidando dos nossos semelhantes.
Deus pai e mãe, tu que fecundas nossa generosidade e fazes surgir água da rocha mais dura: suscita em nós a alegre disponibilidade de Maria, a fim de que preparemos em nós mesmos, nossas famílias, comunidades e Igrejas, um lugar para teu Filho e um espaço para teu povo. Livra-nos da doce tentação de construir templos e presépios, como se gostasses disso. Desperta em nós a atitude de José, para que sejamos capazes de acolher o bem que é feito mesmo à margem dos nossos planos. E que teu amor e tua fidelidade se renovem nas mil alianças históricas que esperam por nosso sim. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(1Sam 7,1-5.8-16 * Salmo 88 (89) * Carta aos Romanos 16,25-27 * Lucas 1,26-38)

Palavras de salvaçao (14)

“Envia tua Palavra, palavra de salvação, que vem trazer a esperança, aos pobres libertação!” O povo hebreu, como tantos outros do Oriente antigo, não consegue pensar o futuro e sua dignidade coletiva senão no quadro da monarquia. É por isso que suas esperanças messiânicas adquirem contornos de restauração ou duração do governo do rei. Nesse ideal monárquico, as tradições davídicas, que sublinham a missão libertadora do rei, jogam um papel importante. “Com justiça ele governe o vosso povo, com equidade ele julgue os vossos pobres. Libertará o indigente que suplica e o pobre ao qual ninguém quer ajudar. Terá pena do indigente e do infeliz e a vida dos humildes salvará” (Sl 71). O profeta Jeremias fala nesse horizonte, quando convida a contemplar o futuro e suscita a esperança de um descendete de Davi sábio, justo e reto, cujo nome será “Javé, nossa justiça” (cf. Jr 23,5-8). Mas, nos albores do cristianismo, Mateus nos apresenta José como o homem justo e seu Filho como o justificador (cf. Mt 1,18-24). José é justo porque toma distância dos sonhos noturnos e tenebrosos de domínio, poder e riqueza e mergulha nos sonhos matinais e luminosos de acolhida da novidade, da ação emancipadora de Deus. Os sonhos de poder recomendam o abandono e o desprezo de quem não age segundo nossos parâmetros. Os sonhos que nos conectam com Deus sugerem não ter medo de desposar quem não age segundo nossa vontade e as regras estabelecidas. Tudo porque o nosso é um “Deus-conosco”, um Irmão que vem para levantar o pesado manto do pecado que nos envolve e aprisiona. Portanto, acordemos, façamos aquilo que nos ordena a Palavra, recebamos em nossa casa os companheiros que não rezam pelo nosso catecismo. “Concedei aos que gememos sob diversas formas de escravidão a graça de ser libertados pelo novo natal do vosso Filho, que tão ansiosamente esperamos.”(Itacir Brassiani msf)

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Palavras de salvaçao (13)

Eis que chegamos à novena que antecede o Natal de Jesus. “Alegrem-se os céus e exulte a terra, porque o Senhor nosso Deus virá e terá compaixão dos pequeninos” (Is 49,13). Jacó, o patriarca que enganou Esaú, seu irmão de sangue, para ficar com o privilégio da primogenitura, eleva o olhar e visualiza o futuro: imagina seu povo, historicamente minoritário, frágil e oprimido, firmemente estabelecido na liberdade, livre de ameaças, solidário e soberano. E o faz recorrendo a imagens próprias da monarquia. A comunidade de Mateus, por sua vez, tendo presente a vida e a morte de Jesus já transcorridas, convida os cristãos a olhar para trás. Por trás do martelante refrão “fulano gerou sicrano” está a firme convicção de que, em Jesus de Nazaré, Deus assume a condição humana até as últimas consequências. Deus não desce ao mundo de pára-quedas; ele está presente no DNA que sustenta e dinamiza a vida humana, e nada rejeita da sua condição histórica. Mais ainda: assume sem receio entre seus antepassados homens de vida ambivalente; assume inclusive como pertencentes à sua família, sem dar a mínima para os calafrios dos puristas e moralistas, mulheres excluídas e marginalizadas como a estrangeira Tamar, a prostituta Raab, a pagã Rute a mulher que o rei Davi roubou do soldado Urias. Em Jesus de Nazaré, filho de Maria e de José, Deus assume as peripécias humanas presentes na construção dos diversos povos, nos sofridos exílios e nos indestrutíveis sonhos de liberdade e solidariedade. Mas, mesmo enraizando-se na humanidade profunda, Deus não se submete aos nossos desejos e manias de poder, e rompe com o patriarcalismo ao dispensar a concorrência do macho e patrão no nascimento de Jesus. A genealogia, centrada na figura do pai e chefe, acaba virando pó diante da nota que diz: “Jacó gerou José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado o Cristo” (Mt 1,16). Onde foi parar o papel gerador central do patriarca? Esta é uma das faces mais impressionantes da Boa Notícia do Natal: Deus derruba os poderosos dos seus tronos e celebra a dignidade dos humilhados... acolhamos, pois, com alegria, o anúncio do profeta Ageu: “Eis que vem o desejado de todas as nações: ele encherá de glória a casa do Senhor” (2,8). (Itacir Brassiani msf)

Reflexoes do Pe. Ceolin

Passos para elaborar as experiências negativas

A vida precisa ser repescada, repensada, reassumida, reconstruída... E o primeiro passo é conscientizar-se da realidade, isto é, dos sentimentos, das reações vividas diante dos fatos reais da vida. Esquecer e reprimir não é a solução! A conscientização, neste caso, não deve acontecer pela via intelecto, mas pela via associativa, através dos insights.
O segundo passo é aceitar essa realidade, aceitar os fatos acontecidos comigo; aceitá-los emocionalmente. Aceitar os sentimentos vividos na ocasião em que os fatos aconteceram. De nada adianta ficar brigando com a vida, com o passado, consigo mesmo!... “Na vida psicológica nada se supera se não for aceito...” (Jung)
O terceiro passo é assumir a realidade conscientizada e aceita, situando-se cada vez mais no hoje, no aqui e agora, usando mais a vontade reflexiva e menos a vontade emotiva. De nada adianta dizer “Isso é da infância”. É preciso dizer “Hoje, agora, eu tenho que me assumir... Como adulto, vou me olhar diferentemente: serei objetivo, realista, compreensivo. Não mais preciso chorar, ficar doente, casmurro OU agressivo para conseguir comida e afeto, ou para ser visto...” Não basta largar tudo nas mãos de Deus. Eu preciso ajudar-me, aceitar-me e assumir-me para que eu seja liberto e curado!
Em seguida, é preciso perdoar a si e aos demais. O auto e o hétero perdão absolvem (desatam, desamarram) e transformam o coração de pedra. Ódios, mágoas e rejeições vão aos poucos se extinguindo. Sempre e cada vez mais, o relacionamento em todos os níveis se tornará mais fácil, alegre, espontâneo, natural e equilibrado. “Sabemos que passamos da morte para a vida porque amamos (tendo perdoado a si e aos outros) os nossos irmãos”, escreve João, na sua primeira carta.
Finalmente, é preciso criar sentido para a própria vida. Trata-se de encontrar sentido para a vida fora de si mesmo. O mundo, a comunidade, o outro contam comigo. Eu existo para os outros! “Vós sois o sal da terra! Vós sois a luz do mundo! Ninguém põe a vela debaixo da cama...” Ninguém é luz apenas para si mesmo... Para quem é cristão e discípulo de Jesus, o sentido maior da vida se encontra no Evangelho, nos valores do Reino de Deus, no projeto de Deus. Para quem abraçou a Vida Consagrada, este sentido se encontra nos objetivos da Vida Religiosa e da Congregação.
Sem um sentido maior para a vida, tornar-me-ei neurótico, eternamente curvado sobre mim mesmo, girarei em torno do meu próprio eu, asfixiado pelo cordão umbilical. “Creio na liberdade dentro de mim, quando assumo minha vida, minha história,  o passado e o presente; quando assumo minha vocação, fazendo de mim mesmo um dom consciente, livre, alegre, generoso e gratuito, para que todos tenham vida. Assim, a felicidade me habitará e eu conseguirei relacionar-me a contento comigo, com o semelhante e igual, com Deus e com o universo.”
A facilidade é inimiga do homem. O que faz o homem é a persistência. O caminho da vida é estreito, pedregoso, íngrime... Tornar-se alguém requer coragem, determinação, persistência, muita fé, amor à toda prova! Venceremos! “O lugar que todos devem visitar é seu próprio interior. Entra em ti mesmo. Ali encontrarás a verdade!” (Santo Agotinho)
Pe. Rodolpho Ceolin msf

Reflexão sem data, ordenada ao auto-conhecimento e à auto-ajuda.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Palavras de salvaçao (12)

“Eis que o Senhor virá e com ele todos os seus santos, e haverá uma grande luz naquele dia...” (Zc 14,5-7). Estamos terminando hoje a primeira etapa do Advento. Amanhã iniciaremos a segunda etapa: a novena – os últimos nove dias! – de preparação ao Natal. E quem hoje toma a palavra e se dirige a nós é o profeta Sofonias (3,1-13), um personagem que não costuma aparecer com frequência nas nossas liturgias. Ele começa advertindo-nos, recordando nossa desumanidade e rebeldia, pois, com muita frequência, mostramo-nos surdos ao apelo de Deus, não confiamos nele e não aceitamos sua correção. Mas o profeta também anuncia que Deus purificará nossos lábios para que lhe prestemos homenagem na concórdia e na cooperação intercultural. Seremos apenas um punhado de homens e mulheres, humildes e pobres, sem fanfarrões e arrogantes, mas um resto fecundo e promissor, em cujos lábios não haverá mentira ou palavra enganadora. Que seja assim, e logo, Senhor!... Não queremos ser como o segundo filho da parábola de Jesus (cf. Mt 21,28-32), aquele que adere e promete com os lábios mas nega com suas atitudes. Jesus renega este tipo de gente, e afirma que as prostitutas e os pecadores públicos do seu tempo, acolhendo o caminho aberto por João Batista, são melhores e mais honrados que este tipo de gente... Que o nosso “sim” seja sim, apenas mas sempre! Não importa se, na estrebaria que hospeda Maria, José e o Menino, somos apenas um pequeno resto; importa que estejamos realmente preparados, que nosso coração seja sincero e generoso, que o encontro seja luminoso, que nossa humanidade seja recuperada. “O Senhor, justo juiz, dará a coroa da justiça aos que esperam com amor a sua vinda” (2Tm 4,8).(Itacir Brassiani msf)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Palavras de salvaçao (11)

Hoje estarei deixando Belo Horizonte para dez dias de férias junto da minha família. Mas antes de viajar, e depois e me alimentar com a ração diária da Palavra de Deus, quero partilhar os ecos que ela deixou em mim. E começo com a antífona de entrada da celebração, eco do profeta Jeremias: “Ó nações, escutai a Palavra do Senhor; levai a boa nova até os confins da terra!” Hoje o personagem em cena é o pouco conhecido Balaão, homem dado a proferir maldições contra os inimigos do povo, mas capaz de entender até a língua da sua mula... Ele é apresentado como o “homem que tem os olhos abertos, que vê o que o Poderoso lhe faz ver, que cai e seus olhos se abrem”. No meio da exigente e demorada travessia do deserto, Balaão sobe uma colina e contempla extasiado o acampamento do seu povo em retirada. E canta: “Como são belas as tuas moradas, ó Israel! Elas se estendem como vales, como jardins ao longo de um rio, como aloés que o Senhor plantou, como cedros juntos das águas...” Que santa imaginação essa que faz com que um acampamento de gente quebrada e sofrida tenha ares e cores de jardins, de plantações promissoras!... E eu me transporto imaginariamente aos nossos conhecidos acampamentos de sem-terra e suas tendas pretas e vislumbro nestes barracos e nos humanos rostos marcados pelo trabalho e pela luta um homem e uma mulher nova, uma sociedade solidária em gestação, um Brasil diverso em construção. Com Balaão, nestes acampamentos, e noutros semelhantes, vejo, mesmo de longe, estrelas anunciando novos dias e novos líderes sendo forjados. Sim, para continuar sonhando, e para manter os pés no caminho, como Balaão é preciso ter os olhos abertos, e ver mesmo caindo. Não foi assim nosso guia e irmão, Jesus de Nazaré? Eu sei em quem acreditei!... “Vinde, Senhor, visitai-nos com a vossa paz, para que nos alegremos de todo o coração na vossa presença!” (Itacir Brassiani msf)

sábado, 13 de dezembro de 2014

Palavras de salvaçao (10)

Hoje o calendário católico faz memória de mais uma mulher grande e corajosa do início don cristianismo, uma das poucas celebrada entre uma multidão esquecida: Santa Lúcia. Minha paróquia de origem, em Anchieta (SC) a tem como padroeira, e por isso hoje minha cidade está em festa. Mas a Palavra de Deus deste sábado coloca em evidência um homem: o profeta João, aquele que é lembrado como um homem extravagente, que comia gafanhotos e mel e se vestia com pele de camelo... Os cristãos o aproximam de outro profeta, Elias, que o livro do Eclesiástico pinta como homem glorioso por seus prodígios. Ele é lembrado como um “homem de fogo”, por sua palavra e sua ação profética. “Sua palavra queimava como tocha” e, finalmente, teria subido ao céu num carro de fogo (cf. Eclo 49,1-11). João, o Batista, tem algo disso. Mas Jesus sublinha que o Batista reeditou Elias especialmente na missão de reconduzir os corações dos pais aos filhos, e não no sua decisão um pouco doida de passar os pagãos ao fio da espada ou aplacar a ira divina. Mas essa missão de precursor e de construtor de estradas de solidariedade e de reconciliação, inclusive mediante a denúncia dos desmandos dos poderosos e a apresentação de duras exigências éticas, atraindo sobre João a violência que o levou à morte precoce. Nisso também ele foi precursor do Messias que esperamos. E nisso também Lúcia, em sua nobreza, doçura e firmeza o seguiu, nos primeiros séculos do cristianismo. Como esperar o Messias e preparar seus caminhos em tempos de violência e indiferença? (Itacir Brassiani msf)