Uma presença que se insinua em muitas
ausências
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O mistério
de uma pessoa não cabe nestes poucos dados…
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Nestes longos onze meses privados da tua presença
física, querido Pe. Ceolin, crescemos na consciência de que não soubemos
apreciar adequadamente o que tinhas a nos dar, e não consegimos nem imaginar
quanta falta tua partida nos faria. Percebemos que não te levamos
suficientemente a sério, que mais brincávamos contigo que te escutávamos. Hoje
percebemos, com uma pitada de ressentimento e de dor, a falta do teu olhar nos
encontros, o silêncio da tua palavra nas nossas rodas de conversa, o lugar vago
na cadeira que ocupavas nos nossos encontros, a ausência da tua experiência nas
nossas buscas e encruzilhadas, a falta da tua incrível memória nas nossas
projeções, a falta do teu abraço nas nossas chegadas e partidas...
Apagou-se teu olhar, Rodolpho, aquele olhar do tipo que basta por si
mesmo. Não precisavas dizer ou fazer nada. Ser visto por ti era o bastante para
sentir-se acolhido, confirmado, valorizado, seguro. É verdade que às vezes te
encontrávamos agitado e até nervoso, e parecía-nos que nos negavas teu olhar...
Mas, mesmo naqueles momentos, comparecer diante de ti era o suficiente para
desfazer a sensação de abandono e de nulidade. Nos teus olhos nos sentíamos
amados, experimentávamos a serena alegria de podermos ser nós mesmos, sem
nenhum constrangimento. Que teu olhar se volte ainda e sempre a nós...
Silenciou tua palavra, aquela palavra fácil e eloquente em público, mas que
brotava como que arrancada do silêncio nos diálogos pessoais e íntimos, no
acompanhamento espiritual e no aconselhamento. Uma palavra sempre ponderada e
equilibrada, lentamente amadurecida. Palavra que estimulava, desafiava,
confortava. No púlpito, era uma palavra que chamava a um sadio e concreto
realismo, à mudança profunda e corajosa, à esperança que não engana, à memória
responsável e agradecida. E quando escrevias, tua palavra não rabiscava idéias:
era sempre auto-implicativa e traduzia experiências e esperanças. Por favor,
não te cales!
Tua cadeira permanece desocupada, ali diante dos nossos olhos,
nos grupos de trabalho e de reflexão, nos encontros e cursos da Província. Eras
presença certa, desejada e apreciada pela maioria de nós, nos cursos,
encontros, assembléias e discussões. Tua presença impunha respeito e seriedade
às atividades, mesmo quando davas vazão a um humor cáustico ou a uma inesperada
descrença, que nos parecia difícil coadunar com tua biografia. Há onze meses e
tantos encontros tua cadeira permanece muda e vazia, e não encontramos ninguém
que possa ocupá-la em teu lugar. Se fosse a cadeira do juiz ou do professor não
faltariam candidatos... Ocupa de novo o lugar que te pertence no meio de nós!
Tua experiência também nos faz muita falta... Aquela experiência
temperada no fogo das crises e nas noites escuras da fé. Esta experiência faz
muita falta nestes tempos líquidos, quando aquilo que nos parecia sólido se
desfaz em mil fragmentos e as promessas feitas “para sempre” estão sempre por
um triz... Era belo, gostoso e animador te escutar quando falavas das crises
superadas e dos questionamentos que te atormentavam, mesmo quando, por vezes,
nos parecias denasiadamente voltado ao passado. Em ti, a experiência não era
uma receita a ser seguida rigidamente, mas um saber que se oferecia
generosamente.
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Um click
não consegue eternizar
o mistério da pessoa humana…
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E quanta falta nos faz oteu abraço, real ou
imaginário, tanto nas chegadas como nas saídas... Sem ele, nossas viagens e
travessias ficam com um sabor de fuga, de errância, de deserção. Nos teus
braços alquebrados e no teu corpo que envelheceu sem jamais se enrijecer nos
sentíamos acolhidos, envolvidos, revigorados, enviados. Somente agora, quando
teu corpo jaz no cemitério do Seminário que tanto amavas, percebemos o quanto
necessitávamos daquele abraço tão teu, abraço de pai generoso,
de irmão e igual, de amigo fiel, de mestre sábio e prudente... Mas agora ele
está para sempre perdido. Ou será que não?!
Sim, porque continuas conosco, saudoso irmão e
precioso amigo, nas mil e uma lembranças que nos visitam cada dia,
no edificante testemunho que recordamos com saudade e gratidão: teu
indisfarçável apreço pela tua terra e tua origem; tua capacidade infinita de
compreender nossos limites e erros; tua serenidade diante dos altos e baixos da
vida; tua impressionante capacidade de autocrítica, de pedir desculpas, de
recomeçar; tua incansável dedicação ao auto-cultivo; tua dedicação incondicional
e generosa ao povo; tua proverbial liberdade frente às leis e instituições; teu
apreço maduro e equilibrado pela Província e pela Congregação; tua grande
estima e devoção a Nossa Senhora da Salette e à Sagrada Família de Nazaré...
Itacir Brassiani msf
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