terça-feira, 4 de setembro de 2018

ANO B – VIGÉSIMO-TERCEIRO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 09.09.2018


A discriminação é incompatível com o Evangelho de Jesus!
Continuando o mês da Bíblia, hoje somos interpelados a abrir nossos ouvidos a um Deus que continua falando, despertando e conduzindo à verdadeira Sabedoria. Não se trata de dar atenção a simples textos, por mais belos e profundos que sejam. O essencial é manter uma relação dialogal com Deus. Mais que adoração e louvor, ele espera de nós escuta e resposta. Que o Senhor abra nossos ouvidos e solte nossa língua, como faz no evangelho de hoje. Não sejamos como os discípulos que, tendo olhos e ouvidos perfeitos, não conseguem ver nem ouvir a novidade inaugurada por Jesus Cristo (cf. Mc 8,18).
A Palavra de Deus nos revela os elementos irrenunciáveis à fé que recebemos da comunidade apostólica. E um deles é o casamento indissolúvel entre fé e vida. A salvação é a transformação de uma situação de carência em abundância e vitalidade. Quando uma religião se perverte em pura doutrina ou moral inflexível, se torna uma faca amolada perigosa, que ameaça e fere. Quando uma Igreja esconde ou nega suas próprias contradições, corre o risco de se tornar intolerante, e quando se refugia em intimismos e formalismos, atraiçoa sua vocação humanizadora e acaba transformando a indiferença em virtude.
A presença de Deus na história e na nossa vida é dinamismo de mudança, e a Palavra de Deus testemunha que ele ouve clamores, conhece sofrimentos, abre nossos olhos e os ouvidos, desce para fazer subir, congrega os dispersos, acolhe os desprezados, ressuscita os mortos... O cristianismo não é formol que conserva corpos mortos, mas sementeira na qual germina a vida. Também hoje Jesus quer tocar com sua mão a língua daqueles que falam com dificuldade e curar o ouvido de quem não consegue ouvir os outros. E começa curando nossa dificuldade de escutar e entender sua Palavra.
Marcos nos apresenta Jesus percorrendo caminhos que, para algumas pessoas, parecem estranhos. A região de Tiro, Sidônia e da Decápole era habitada por pagãos, dente desprezada. Com a presença de Jesus, brilham novas possibilidades de vida para a filha de uma mulher nascida na Fenícia e para um surdo-mudo anônimo. Não teria Jesus o que fazer entre os seus conterrâneos? Por que desperdiçar tempo e palavras com gente sem importância? Em sua peregrinação no santuário das dores e esperanças humanas, Jesus sempre dá prioridade absoluta aos últimos da escala social, aos pobres e desprezados.
Não falta gente que desejaria excluir da bíblia textos como a carta de São Tiago, que pede que, em nossas igrejas, não façamos distinção de pessoas em favor dos ricos e nobres. “Não foi Deus que escolheu os que são pobres aos olhos do mundo para torná-los ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu àqueles que o amam?” Este é um princípio fundamental e uma bela experiência dos primeiros cristãos: a fé em Jesus glorificado não admite distinção de pessoas em benefício dos mais fortes ou considerados nobres. Os critérios do Evangelho são outros, e nos interpelam fortemente.
Acolhendo um pagão doente e necessitado e tocando seus ouvidos e sua língua, Jesus despreza as prescrições religiosas e sanitárias do seu tempo. Ele rompe a distância, toca o doente, o contágio é revertido e o surdo-mudo é curado. Mas Jesus faz questão de não agir sob os refletores e câmaras. Faz o contrário de muitos que hoje, “em nome de Jesus”, transformam a fé em espetáculo e inventam curas ao vivo e a cores, escarnecendo dos doentes, manipulando a fé do povo necessitado e extorquindo deles os poucos recursos que lhes restam. Por isso, a multidão ficou entusiasmada diante da compaixão de Jesus.
Estamos como aquele homem que falava com dificuldade. Nossos ouvidos parecem surdos às Palavras que escapam da nossa lógica e questionam nossos interesses. Nossa língua parece presa, especialmente quando se trata de defender os direitos humanos e recriar o Evangelho da liberdade e da solidariedade. Um nacionalismo anacrônico e nada evangélico, ao lado de uma mentalidade escravagista, ativados especialmente na semana da pátria e nas eleições, nos induz a imaginar perigosamente que ser humano significa ser superior e melhor que outros. Precisamos que Jesus Cristo toque nossos ouvidos, coloque sua saliva em nossa língua, converta a nossa mente e libere a nossa comunicação e nossa ação.
Jesus, tu és compassivo em tudo o que fazes e verdadeiro em tudo o que dizes. Não podemos calar esta Boa Notícia, mesmo quando seu anúncio traz riscos, pois ela é nossa Sabedoria. Abre nossos ouvidos à tua santa Palavra, para que não desistamos de crer e de esperar o belo e santo dia em que os estropiados dançarão alegremente, a língua dos mudos se soltará numa solene melodia coral e o duro chão das instituições será regado e amolecido pela água benfazeja da tua Sabedoria. Que teu corpo e sangue nos alimentem e ajudem a transformar em lavoura e jardim a terra hoje ocupada pelos chacais. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Profecia de Isaías 35,4-7 * Salmo 145 (146) * Carta de São Tiago 2,1-5 * Evangelho de São Marcos 7,31-37)

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