quinta-feira, 14 de junho de 2012

11° Domingo do Tempo Comum


O dinamismo do reino de Deus desmente o realismo cínico.
(Ez 17,22-24; Sl 91/92; 2Cor 5,6-10; Mc 4,26-34)

O Tempo Comum não tem nada de comum e tem muito de comunidade. É o tempo da encarnação do Evangelho no cotidiano da vida pessoal, eclesial e social. Tempo de acolher e contemplar o mistério do Reino de Deus que vai lentamente adquirindo contornos e produzindo frutos. Tempo de cultivar pacientemente a esperança que, como o artista do circo, caminha sobre a corda bamba. Renovemos a convicção de que somos enviados para caminhar na esperança. E façamo-lo acolhendo e espalhando muitas sementes, mesmo que pareçam hoje insignificantes. Cremos que a pessoa justa cresce como palmeira em terra fértil: mesmo na velhice, se mantém verde e produz frutos. Deus não é aliado dos injustos, e uma vida comprometida sempre esbanja vitalidade (cf. Sl 91/92).
“O Reino de Deus é como um grão de mostarda.”
O realismo cínico é hoje apresentado como a maior das virtudes e se torna uma tentação, inclusive para aqueles/as que dizem acreditar num crucificado que ressuscitou. As afirmações que pretendem nos acordar para esse falso realismo se multiplicam, mas são variações de um mesmo tema. E a primeira delas quer nos convencer que o mundo sempre foi assim, e que não seremos nós os/as protagonistas de uma hipotética mudança. Um outro mundo não é possível, e ponto final!
Como todo esforço de mudança parte da idéia de que algo diferente é possível, estes realistas aconselham cinicamente: cada um que cuide de sua própria vida, não deixe escapar nenhuma oportunidade de superar os outros na competição da vida e procure sempre tirar o máximo de vantagem. Quando estamos no inferno, dizem, é preciso fazer aliança com o diabo e seguir adiante. Sábio/a seria quem faz aliança com este mundo e cobra seus dividendos...
No estreito realismo dos cínicos, daqueles/as que nada querem mudar para tirar o máximo de proveito, projetos de conversão pessoal ao Evangelho de Jesus Cristo, de comunhão e participação na Igreja, de afirmação dos direitos da pessoa humana concreta, de solidariedade com os excluídos e coisas do gênero não passam de efêmera gota de água no oceano, de uma quase invisível semente de mostarda perdida no meio de uma floresta inóspita.
“Estamos sempre cheios de confiança...”
Como cristãos, porém, fazemos parte de uma estranha caravana que percorre os caminhos da história guiada por convicções tecnicamente improváveis: um punhado de escravos é capaz de vencer o poderoso exército do Faraó, conquistar uma terra livre e elaborar os princípios de uma sociedade solidária; mulheres estéreis,  idosas e virgens engravidam e geram novidades; crucificados ressuscitam e pedras rejeitadas se tornam elementos fundamentais de uma nova construção...
Partindo de sua própria experiência e escrevendo sobre a esperança da ressurreição, São Paulo diz que vivemos nesse momento da história como se estivéssemos fora de casa, como peregrinos que buscam outra morada, outra cidade. Mas Paulo insiste que neste êxodo permanente estamos cheios de confiança, mesmo que, como cantava Elis Regina, “a esperança dança na corda bamba, de sombrinha, e em cada passo dessa linha pode se machucar.”
A postura cristã se distancia tanto do delírio de quem que arde de paixão por um mundo fictício e ilusório depois da morte como do conformismo medroso de quem apara as arestas do Evangelho e o acomoda a um mundo sem coração. Nossa confiança se inspira na sabedoria dos/as semeadores/as que sabem que a semente não é a colheita, mas a lança generosamente na terra, certos de que dará fruto, nem que seja temporão.
“Mas, depois de semeada, cresce e se torna maior que todas as outras hortaliças...”
Sempre acreditei – e continuo acreditando! – que é muito importante ter um projeto pessoal de vida, um projeto familiar ou comunitário bem claro, um projeto orientador da caminhada do movimento ou da comunidade eclesial, fiel ao Evangelho e em vista da conversão pessoal e da transformação do mundo. Mas também estou consciente de que é falta de realismo contar apenas como nossas forças, confiar apenas nas nossas estratégias, esquecer a gratuidade e fechar-se às surpresas da vida.
Na inadiável tarefa de tornarmo-nos semelhantes a Jesus Cristo e fazer com que o nosso mundo seja pelo menos uma pálida imagem da família de Deus, é absolutamente indispensável cultivar e manter a abertura e a acolhida ao outro e ao que está por vir.  Precisamos manter uma luta sem tréguas contra todas as tendências de fechamento medroso e de controle arrogante e dominador dos processos históricos e pessoas vivas. O medo e o controle asfixiam e matam as sementes.
“A terra produz o fruto por si mesma”, nos ensina Jesus, num dos contos populares que recolheu na zona rural da Palestina e nos oferece hoje. “A semente vai brotando e crescendo, mas o homem não sabe como isso acontece.” É possível que um processo de mudança se mostre verdadeiramente profundo quando nos leva à consciência dos próprios condicionamentos e limites, abrindo-nos a contribuições outras, iluminando-nos e fecundando-nos pela experiência da gratuidade.
“Caminhamos pela fé e não pela visão...”
Mas numa cultura que afirma e propaga a majestade do indivíduo, o sonho de relações de respeito e de colaboração, de uma comunidade de irmãos e irmãs igualmente dignos, não parece um louco delírio? Diante do peso e da frieza invernal das instituições eclesiásticas, as CEB’s não são apenas flores indefesas? Frente ao poder exorbitante dos G-8, G-20 e outras organizações do gênero, os movimentos sociais não são apenas frágeis Davis frente aos arrogantes Golias?
Efetivamente, o poder seduz com sua aparente beleza. e ofusca com seu impuro brilho. E nós acabamos pensando que sem poder não há salvação, esquecemos que o caminho que acesso à verdadeira liberdade nos foi aberto por um indefeso carpinteiro galileu. Precisamos nos libertar da ilusão da grandeza e colocar no centro da nossa fé a memória da coragem dos escravos frente ao faraó, a memória da vida de Jesus de Nazaré, o mistério escondido na semente de mostarda.
“Eu acredito que o mundo será melhor quando o menor que padece acreditar no menor.” O Reino de Deus não brilhará apenas quando chegar o hipotético dia em que não haverá mais compradores de justiça, a liberdade não será uma ilusão, a verdade será a fonte das notícias e poderemos crer nas pessoas outra vez. O Reino de Deus não é um particípio passado mas um gerúndio e um futuro: ele “vai sendo” nas milhares de ações de compaixão solidária e de afirmação da dignidade do outro.
“A terra produz o fruto por si mesma...”
Alcançamos a desejada e difícil maturidade na fé quando conseguimos conjugar adequadamente paciência e urgência históricas. Os processos humanos e sociais também têm e seu ritmo de maturação. Conhecê-los sem controlá-los, e remover as forças que podem representar obstáculos é a arte das artes. As frutas costumam perder sabor quando aceleramos seu processo de maturação natural. Conhecer o tempo de Deus é uma arte tão difícil quanto necessária.
Mas eu me pergunto também se hoje o risco não está no outro extremo, se a tentação mais forte não é deixar passar o tempo propício da maturação e da colheita, se não estamos fechando os olhos e os ouvidos a Deus, que pede com urgência que sejamos pessoas mais solidárias, Igrejas mais comunitárias e sociedade mais igualitária. “Quando as espigas estão maduras o homem corta com a foice, porque o tempo da colheita chegou.” Se não faz isso, tudo corre o risco de se perder.
Jesus de Nazaré, semeador da Palavra que liberta e nos faz libertadores/as, ajuda-nos a compreender que a fé é um dinamismo que nos abre à escuta de Deus, que cria espaços de silêncio no qual sua Palavra é acolhida e hospedada. Frente às dores e esperanças que habitam o mundo, dá-nos o senso profundo da peciência e da urgência que exercitaste. Faz com que essa escuta abra em nós espaços de relação com os outros, fundamente a convivência de igual para igual, ajude-nos a sair das próprias certezas e nos comprometa numa dinâmica de comunhão e de solidariedade no interior da qual nasce, cresce e e frutifica o sonho do bem comum da humanidade.Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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