quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Uma destruição massiva: a geopolítica da fome (22)


A ONU incluiu o direito à alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É na perspectiva da luta por esse direito, um dos mais violados, que publico aqui uma série de breves textos sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São informações e reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente livro Destruction massive. Géopolitique de la faim, de Jean Ziegler, relator especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008.
O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora Seuil (Paris).

Iraque: A ONU ajudou a provocar a fome assassina.
A FAO e o PAM não podem ser responsabilizados por todas dificuldades e dilemas que enfrentam, mas há pelo menos um caso no qual a própria ONU provocou a morte de centenas de milhares de seres humanos pela fome. Esse crime foi cometido dentro do plano conhecido como Oil for Food, imposto pela ONU durante mais de 11 anos (1991-2003) ao povo iraquiano, entre as duas guerras do Golfo Pérsico.

Em 1991, diante da invasão do Kwait por parte do Iraque, a ONU impôs contra este um bloqueio econômico, mas criou o programa Oil for Food (petróleo por alimento): o Iraque poderia vender semestralmente uma certa quantidade de petróleo no mercado mundial; o valor da venda era depositada numa conta bancária em Nova Yorque, e poderia ser usado pelo governo do Iraque na compra de alimentos e outros produtos de primeira necessidade.

O coordenador do programa residia em Bagdá e contava com um batalhão de 800 funcionários da ONU, mais 1.200 colaboradores locais. Um comitê de sanções, subordinado ao Conselho de Segurança da ONU e sediado em Nova Yorque, avaliava os pedidos de liberação de compras apresentados pelo governo iraquiano. Mas este comitê passou a recusar de forma sistemática e progressiva a maioria dos pedidos de liberação de compra, sob o pretexto de que o governo iraquiano repassava os remédios e alimentos adquiridos ao seu próprio exército.

Eis algumas consequências dessa estratégia mortal aplicada contra este país de 26 milhões de habitantes: apenas 60% dos pedidos de compra de remédios foram liberados; nenhum aparelho de hemodiálise pôde ser importado; as aquisições de ampolas de alimentação intravenosa para mães e crianças subalimentadas não foram autorizadas; foram igualmente recusados os pedidos de compra de material para purificação da água; a não-liberação da importação de peças para geladeiras tornou impossível a consevação de remédios nos hospitais; milhares de toneladas de frutas e de arroz foram bloqueadas nas fronteiras do Iraque e apodereceram... Até a importação de ambulâncias foi vetada, sob a alegação de que o sistema de comunicação poderia ser usado pelo exército...

“Nos hospitais do Iraque os doentes começaram a morrer por causa da falta de medicamentos, de instrumentos cirúrgicos e de material de esterilização. Segundo as estimativas mais comedidas, 550.000 crianças iraquianas morreram por causa da subalimentação entre 1996 e 2000. Assim, gradualmente, a partir de 1996, o programa Oil for Food foi desviado de sua missão e foi usado como arma de punição coletiva contra a população, por meio da privação de alimentos e medicamentos” (p. 240).

Hasmy Agam, coordenador da missão da Malásia junto à ONU, disse: “Que ironia! A própria política que deveria livrar o Iraque das armas de destruição massiva se tornou uma arma de destruição massiva!” E o embaixador brasileiro Celso Amorim declarou: “Mesmo que nem todos os sofrimentos atuais do povo iraquiano possam ser imputados ao bloqueio econômico, os iraquianos sofreriam menos sem as medidas imporstas pelo Conselho de Segurança (da ONU)”. Importantes juristas internacionais qualificaram esta ação do comitê como um genocídio.

A principal responsável pela transformação do programa Oil for Food em arma de punição coletiva contra o povo iraquiano foi Madeleine Albright, Secretária de Estado dos EUA. Perguntada por um jornalista se a morte de 500.000 crianças iraquianas não era um preço muito alto pelo embargo ecnômico, ela respondeu sem rodeios: “Nós pensamos que esse preço valeu a pena.” A senhora Albright sabia muito bem que antes da imposição do embargo ao Iraque a mortalidade infantil era de 5,6% e, em 1999, havia subido para 13,1% (principalmente por causa da falta de medidamentos e da fome).

Durante os 11 anos de embargo econômico imposto pela ONU, milhares de crianças iraquianas foram condenadas à morte pela fome. “O principal responsável pela destruição mediante a fome de centenas de milhares de iraquianos foi o comitê de sanções do Conselho de Segurança da ONU” (p. 244). Ela é o principal responsável porque, quando foi informada da catástrofe humanitária pelo seu secretário geral adjunto,  a ONU se submeteu às pressões das potências ocidentais e cruzou os braços. (cf. p. 238-247)

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