terça-feira, 31 de março de 2015

TRÍDUO PASCAL: VIGÍLIA DA RESSURREIÇÃO (ANO B – 04.04.2015)

A pedra rejeitada tornou-se princípio e fundamento.

Como quando falece uma pessoa querida, reunimo-nos hoje em vigília, marcados pela dor da perda, recapitulando a história da salvação, regando as frágeis sementes de esperança que restam. Acompanham-nos tantas testemunhas que nos antecederam nessa travessia. Mas a vigília sempre nos possibilita também assumir a herança espiritual de quem partiu, levantar o olhar, contemplar o horizonte e encontrar forças para continuar a caminhada. Aqui estamos, como Elis Regina, acariciando o pequeno fio de esperança: “Eu sei que uma dor assim pungente não há de ser inutilmente...”
É uma ilusão inocente ou maldosa imaginar que a vida muda num golpe de mágica. A ação criadora de Deus é sempre lenta, e avança numa luta sem tréguas contra o vazio, o caos e o abismo. Como os hebreus fugindo do Egito, quem luta se vê frequentemente encurralado, com o mar intransponível à frente e as tropas ameaçadoras atrás. Nossa experiência ainda hoje é de que existem pessoas lutadoras e iniciativas promissoras, mas são frágeis e estão muito dispersas, como o povo de Israel no cativeiro da Babilônia. Como identificar os sinais de páscoa em tal situação?
O vazio da sepultura não é prova da ressurreição, mas convida a perceber que as marcas dos pregos e o corpo torturado não são a última palavra de Deus sobre a história. Na tumba vazia, anjos e mulheres ensinam que o caos do lixo pode dar lugar a uma criação harmoniosa, que o mar ameaçador pode ser atravessado a pé enxuto, que os grupos dispersos podem ser reunidos, que os crucificados caminham à nossa frente e vislumbram novidades em gestação. Precisamos abrirmo-nos às novas possibilidades escondidas no segredo do átomo, no íntimo das pessoas e nos caminhos da história...
Aquelas mulheres madrugadoras, as poucas conhecidas e as muitas anônimas, nos ensinam que os sinais palpáveis da ressurreição só podem ser tocados na periferia – “ele vai para a Galiléia na frente de vocês. Lá vocês o verão” – ou na missão – “agora vocês devem ir e dizer aos discípulos dele e a Pedro...” É neste caminho de saída que as três mulheres reconhecem o Ressuscitado que vem ao encontro delas, pedindo que se alegrem. que não tenham medo. O lugar onde ele estava deixa de ser importante. O que importa agora é ir para onde ele está, para a Galiléia daqueles que ‘não contam’.
Como cristãos, completamos em nossos corpos os sofrimentos de Jesus Cristo, ostentamos as marcas de quem vive para servir. A ressurreição se multiplica como semente no testemunho e nas iniciativas de discípulos e discípulas, comunidades e Igrejas, grupos e movimentos. Como na ressurreição de Jesus, os sinais são pequenos, quase desprezíveis, mas igualmente reais e promissores. O batismo, recordado e celebrado comunitariamente na vigília pascal, expressa este dinamismo na vida de cada um de nós e da comunidade eclesial. Morreu o velho homem, nasceu uma nova criatura!
Já vivemos e sofremos o bastante para para saber que esta passagem não nem automática, nem evidente. Trata-se de um projeto de vida que, para ser realizado, exige disciplina e empenho sem tréguas. Porque não se trata apenas de lutar contra inimigos externos, mas de vigiar sobre nós mesmos e sobre a permanente tentação de ser sempre o primeiro, o superior, o mais digno, o merecedor. Mas esta não é uma luta inglória, pois Jesus de Nazaré, nosso irmão maior, já venceu a batalha, removeu muitas pedras, derramou sobre nós seu Espírito e nos tornou capazes de vencer com ele.
Os primeiros cristãos resgataram uma imagem preciosa para falar da ressurreição de Jesus: Ele é como uma pedra que os construtores jogaram no lixo e que Deus transformou em pedra de ângulo, pedra que sustenta todo o teto em forma de abóbada. Por isso, a páscoa pede que abramos os olhos e as portas às pessoas e grupos sociais que são descartados como desnecessários ou eliminados como incômodos. Se não os tivermos no coração das nossas preocupações e projetos eclesiais, nossa fé poderá ser como casa construída sobre a areia, e nossa utopia pode se deteriorar em simples ideologia.
Senhoras da madrugada, mulheres-coragem: humildemente pedimos ajuda para caminhar na noite que nos envolve, para ver com nossos próprios olhos que o mestre de vocês e nosso nos precede na periferia e no deserto. Segurem nossas mãos cansadas e acompanhem nossos passos inseguros. Emprestem-nos um pouco do perfume que vocês souberam conservar, a fim de não chegarmos de mãos vazias ao encontro com Aquele que vive para sempre. E então anunciaremos de mil modos que a carne amada e amante de Jesus vivifica todos os sonhos e esperanças que habitam nossa humanidade. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf
(Gênesis 1,1-2,2 * Salmo 103 * Êxodo 14,15-15,1 * Romanos 6,3-11 * Marcos 16,1-7)

Nenhum comentário: