quarta-feira, 12 de setembro de 2018

ANO B – VIGÉSIMO-QUARTO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 16.09.2018


Que Deus abra nossos ouvidos à sua Palavra, todos os dias!
Em pleno mês dedicado à Palavra de Deus, somos convidados a dizer, como o profeta Isaías: “O Senhor Javé abriu os meus ouvidos e eu não fiz resistência nem recuei.” Na longa e bela estrada do discipulado, precisamos pedir a cada manhã que o Senhor abra nossos ouvidos, que nos faça capazes de acolher sua Palavra e assumi-la como luz dos nossos passos, mesmo quando nos indica rumos e práticas deveras exigentes. É dessa escuta atenta, inteligente e despojada que brota o anúncio correto e a prática coerente. E então o ouvinte se torna testemunha e mensageiro.
Os discípulos atravessam com Jesus a região de Cesaréia de Filipe, lugar-símbolo da submissão de Herodes ao imperador romano e da capitulação do judaísmo frente à cultura grega. Nesta travessia, Jesus os provoca a fazerem uma avaliação da sua pessoa e sua missão. “Quem dizem os homens que eu sou?” Segundo os discípulos, as resposta coincidem no reconhecimento de Jesus como profeta: “Alguns dizem que tu és João Batista; outros, que és Elias; outros ainda, que és um dos profetas.” Mas Jesus não se satisfaz com respostas simplesmente ouvidas e relatadas, e pede o que os próprios discípulos pensam sobre ele, que lugar ocupa na vida deles. “E vós, quem dizeis que eu sou?”
A resposta a esta pergunta não pode ser teórica. Crer em Jesus significa aceitá-lo como definidor das nossas relações e como elemento fundamental na construção da nossa utopia de sociedade. E isso é muito mais que aceitar de forma resignada e inconsequente alguns conteúdos religiosos. Há pregadores que lamentam que hoje as pessoas creem em Jesus Cristo mas não aceitam a Igreja. Será que não é pior aceitar e defender a Igreja sem crer de forma consequente na pessoa e na prática de Jesus? São Tiago pergunta: “Que adianta alguém dizer que tem fé quando não a põe em prática?”
Parece que a pergunta de Jesus provocou nos discípulos um calafrio geral. Pedro arrisca uma resposta em nome de todos: “Tu és o Messias, o Cristo.” A resposta é formalmente correta, mas nela há algo de errado e perigoso, pois Jesus “proibiu severamente” que os discípulos falassem a respeito dele. Tenho a impressão de que a profissão de fé de Pedro está enredada nas malhas do triunfalismo e se assenta numa imagem de Deus ligada ao poder e à violência. É claro que esta resposta não dá conta da complexa identidade de Jesus, que é irmão, servo e profeta, cordeiro de Deus, filho do homem, etc.
Por isso, Jesus censura as fantasias de sucesso e de poder e, ao mesmo tempo, fala abertamente que o Filho do Homem deve sofrer muito, e experimentar a rejeição e a morte. Ele substitui o título de Messias por “Filho do Homem”, vinculando-se assim profundamente à humanidade e suas aspirações. Enquanto a ideia messiânica de Pedro contém necessariamente o triunfo e o nacionalismo, o caminho assumido por Jesus é universal, leva ao confronto com a ordem estabelecida e à rejeição. O sofrimento, que ele prevê, é o custo da luta da sua humanização, e não uma espécie de capricho de Deus.
Aceitar isso não é coisa fácil, nem para Pedro nem para nós, tanto que Pedro leva Jesus para o lado e começa a repreendê-lo, revelando sua radical incapacidade de aceitar o caminho de compaixão e serviço, a dificuldade de passar das declarações ortodoxas às práticas consequentes. “A fé, se não se traduz em obras, por si só está morta”, dirá mais tarde o discípulo Tiago. E as obras geradas no fecundo ventre da fé são conhecidas: compaixão, solidariedade, serviço, humildade. Numa palavra: as obras da fé são o amor vivido como afirmação e defesa da dignidade do próximo!
O evangelista diz que Jesus reagiu olhando para os discípulos e repreendendo Pedro. Para Jesus, Pedro estava agindo como tentador e divisor, com mentalidade limitada e sectária. E quem pensa e age assim é porta-voz do Satanás, rejeita a Palavra de Deus e se apega às tradições humanas (cf. Mc 7,1-13). Por isso, em pleno território da bajulação e da subserviência, Jesus esclarece: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar sua a sua vida vai perdê-la; mas quem perde sua vida por causa de mim e da Boa Notícia, vai salvá-la.”
Jesus, força de Deus na fragilidade humana, Palavra divina nas tramas da história, mestre do serviço num mundo de senhores. Sustenta nosso desejo de receber teu batismo, de enfrentar os rechaços e de seguir teus passos. Ajuda-nos a negar nossos interesses egoístas para não renegarmos a ti, fonte de vida sem limites. Convence-nos de que salvar nossa própria vida é um mau investimento, e que arriscá-la pelo teu Reino nos assegura para sempre aquilo que há de bom e que realmente necessitamos. Abre hoje nossos ouvidos à tua santa Palavra, e não nos permitas que nos coloquemos à tua frente. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Profecia de Isaías 50,5.9 * Salmo 114 (116A) * Carta de São Tiago 2,14-18 * Evangelho de São Marcos 8,27-35)

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