O que estamos
discutindo nos caminhos e palanques?
Sintonizados com a proposta da Igreja do Brasil, continuamos celebrando
o mês da Bíblia. É com os pés no chão brasileiro que acolhemos e escutamos o
Evangelho de hoje. Um pouco antes da cena evangélica que nos é oferecida à
reflexão, alguns discípulos haviam visto Jesus totalmente transfigurado e
tinham ouvido uma voz pedindo que escutassem o que ele estava lhes dizendo. Por
sua vez, a multidão acorria a Jesus, impressionada pela cura de um menino mudo.
É neste contexto que Jesus, voltando para a Galileia, não quer que ninguém
saiba para onde vai, “porque estava ensinando seus discípulos”.
A difícil arte de formar discípulos e discípulas ocupa Jesus
inteiramente. Eles haviam fracassado na tentativa de curar um menino mudo.
Faltava-lhes a abertura e a confiança em Deus, cultivadas especialmente na
oração. Os evangelhos testemunham que os discípulos só sabiam confiar em si
mesmos, e corriam atrás de ações poderosas e lugares de honra. Por mais que
Jesus insistisse, eles não conseguiam admitir e reconhecer um Messias marcado
pela humana vulnerabilidade, que não buscasse acima de tudo o sucesso e que,
inclusive, poderia padecer a morte na mão dos poderosos.
Por isso, Jesus repete o ensinamento que ouvimos no domingo passado: “O Filho
do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, quando
estiver morto, depois de três dias ele ressuscitará.” Parece, porém, que o
resultado não foi muito animador. “Os discípulos não compreendiam o que Jesus
estava dizendo.” E o pior, “tinham medo de fazer perguntas”. É o medo de
enfrentar a verdade, de descobrir as exigências do caminho que leva à vida
plena. Ser como criança, partilhar a condição dos desprezados e marginalizados
parece-lhes algo monstruoso e provoca-lhes medo.
O mais impressionante é que, além de não compreender os repetidos
anúncios da rejeição e da humilhação e de demonstrar medo de perguntar, os
discípulos se envolvem com outras questões complicadas. Jesus está atento às
conversas de estrada, e quando chegam em casa, em Cafarnaum, pergunta-lhes:
“Sobre o que vocês estavam discutindo no caminho?” Ninguém se atreve a dizer
que discutiam sobre qual deles seria o maior. Ser o primeiro e o maior é a
única questão que interessa àquele grupo de discípulos e discípulas que segue
Jesus aos trancos e barrancos.
E é infelizmente isso que ainda hoje guia a maioria das nossas escolas e
até seminários. Será que não é isso também o que muitos pais e mães sonham para
seus filhos e filhas? E não é a busca de uma vida bem-sucedida, o sonho de ser
um padre pop-star ou de ser agraciado
com a mitra episcopal que anima muitos dos nossos vocacionados e religiosos?
Para muita gente, a fé, o trabalho, o estudo, a disciplina e os relacionamentos
valem apenas enquanto contribuem para este objetivo. E o próprio nome de Deus
acaba sendo subordinado a este fim e se torna um ídolo ou um amuleto.
O apóstolo Tiago percebe que na sua comunidade existe “ciúme amargo e
espírito de rivalidade”, uma pretensa sabedoria, rasteira e animalesca. Ele
sabe que isso nada tem a ver com a sabedoria cristã, que é pacífica, humilde,
misericordiosa, alheia a discriminações hipocrisias. Por isso, atento às
competições que ferem a comunidade cristã nas suas entranhas, pergunta: “De
onde surgem os conflitos e competições que existem entre vocês? Vocês cobiçam,
e não possuem; então matam. Vocês têm inveja e não conseguem nada; então lutam
e fazem guerra.” Parece uma fotografia da nossa eleição presidencial!
Não é essa a perspectiva proposta e trilhada por Jesus Cristo. É
importante que levemos a sério as lições daquele que chamamos de mestre e senhor. No clima aconchegante da casa em Cafarnaum ou no ambiente
sereno das nossas igrejas, Jesus desmascara as aspirações de poder, coloca um fim
às nossas discussões sobre quem é o maior. Insistindo que o seu caminho passa
pela rejeição e recorrendo ao símbolo das crianças, Jesus aponta claramente
para outra direção. “Se alguém quer ser
o primeiro, deverá ser o último, e ser aquele que serve a todos.” Para quem só tem olhos
para a celebridade e para o sucesso, e usa o nome de Deus para seus interesseis
eleitorais, isso parece absolutamente chocante...
Jesus de Nazaré, filho
do homem, tu compartilhas conosco a origem e o destino. Devemos dizer com sinceridade
que tua Palavra e tuas opções também desconcertam a nós, envolvidos que estamos
em disputas fratricidas e desejos inconfessáveis. Mas aqui estamos de novo,
diante de ti, porque tua Palavra é a única que merece credibilidade, e a vida
gratuita e solidariamente doada é a única que vale a pena. Não leves em conta
as conversas desajuizadas e pouco evangélicas que vicejam nos galpões e palanques,
e até em alguns grupos eclesiais. Ajuda-nos a entender a lição da criança!
Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani
msf
(Livro
da Sabedoria 2,12-20* Salmo 53 (54) * Carta de São Tiago 3,16-4,3 * Evangelho de São Marcos 9,30-37)
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