quarta-feira, 19 de setembro de 2018

ANO B – VIGÉSIMO-QUINTO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 23.09.2018


O que estamos discutindo nos caminhos e palanques?
Sintonizados com a proposta da Igreja do Brasil, continuamos celebrando o mês da Bíblia. É com os pés no chão brasileiro que acolhemos e escutamos o Evangelho de hoje. Um pouco antes da cena evangélica que nos é oferecida à reflexão, alguns discípulos haviam visto Jesus totalmente transfigurado e tinham ouvido uma voz pedindo que escutassem o que ele estava lhes dizendo. Por sua vez, a multidão acorria a Jesus, impressionada pela cura de um menino mudo. É neste contexto que Jesus, voltando para a Galileia, não quer que ninguém saiba para onde vai, “porque estava ensinando seus discípulos”.
A difícil arte de formar discípulos e discípulas ocupa Jesus inteiramente. Eles haviam fracassado na tentativa de curar um menino mudo. Faltava-lhes a abertura e a confiança em Deus, cultivadas especialmente na oração. Os evangelhos testemunham que os discípulos só sabiam confiar em si mesmos, e corriam atrás de ações poderosas e lugares de honra. Por mais que Jesus insistisse, eles não conseguiam admitir e reconhecer um Messias marcado pela humana vulnerabilidade, que não buscasse acima de tudo o sucesso e que, inclusive, poderia padecer a morte na mão dos poderosos.
Por isso, Jesus repete o ensinamento que ouvimos no domingo passado: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, quando estiver morto, depois de três dias ele ressuscitará.” Parece, porém, que o resultado não foi muito animador. “Os discípulos não compreendiam o que Jesus estava dizendo.” E o pior, “tinham medo de fazer perguntas”. É o medo de enfrentar a verdade, de descobrir as exigências do caminho que leva à vida plena. Ser como criança, partilhar a condição dos desprezados e marginalizados parece-lhes algo monstruoso e provoca-lhes medo.
O mais impressionante é que, além de não compreender os repetidos anúncios da rejeição e da humilhação e de demonstrar medo de perguntar, os discípulos se envolvem com outras questões complicadas. Jesus está atento às conversas de estrada, e quando chegam em casa, em Cafarnaum, pergunta-lhes: “Sobre o que vocês estavam discutindo no caminho?” Ninguém se atreve a dizer que discutiam sobre qual deles seria o maior. Ser o primeiro e o maior é a única questão que interessa àquele grupo de discípulos e discípulas que segue Jesus aos trancos e barrancos.
E é infelizmente isso que ainda hoje guia a maioria das nossas escolas e até seminários. Será que não é isso também o que muitos pais e mães sonham para seus filhos e filhas? E não é a busca de uma vida bem-sucedida, o sonho de ser um padre pop-star ou de ser agraciado com a mitra episcopal que anima muitos dos nossos vocacionados e religiosos? Para muita gente, a fé, o trabalho, o estudo, a disciplina e os relacionamentos valem apenas enquanto contribuem para este objetivo. E o próprio nome de Deus acaba sendo subordinado a este fim e se torna um ídolo ou um amuleto.
O apóstolo Tiago percebe que na sua comunidade existe “ciúme amargo e espírito de rivalidade”, uma pretensa sabedoria, rasteira e animalesca. Ele sabe que isso nada tem a ver com a sabedoria cristã, que é pacífica, humilde, misericordiosa, alheia a discriminações hipocrisias. Por isso, atento às competições que ferem a comunidade cristã nas suas entranhas, pergunta: “De onde surgem os conflitos e competições que existem entre vocês? Vocês cobiçam, e não possuem; então matam. Vocês têm inveja e não conseguem nada; então lutam e fazem guerra.” Parece uma fotografia da nossa eleição presidencial!
Não é essa a perspectiva proposta e trilhada por Jesus Cristo. É importante que levemos a sério as lições daquele que chamamos de mestre e senhor. No clima aconchegante da casa em Cafarnaum ou no ambiente sereno das nossas igrejas, Jesus desmascara as aspirações de poder, coloca um fim às nossas discussões sobre quem é o maior. Insistindo que o seu caminho passa pela rejeição e recorrendo ao símbolo das crianças, Jesus aponta claramente para outra direção.  “Se alguém quer ser o primeiro, deverá ser o último, e ser aquele que serve a todos.” Para quem só tem olhos para a celebridade e para o sucesso, e usa o nome de Deus para seus interesseis eleitorais, isso parece absolutamente chocante...
Jesus de Nazaré, filho do homem, tu compartilhas conosco a origem e o destino. Devemos dizer com sinceridade que tua Palavra e tuas opções também desconcertam a nós, envolvidos que estamos em disputas fratricidas e desejos inconfessáveis. Mas aqui estamos de novo, diante de ti, porque tua Palavra é a única que merece credibilidade, e a vida gratuita e solidariamente doada é a única que vale a pena. Não leves em conta as conversas desajuizadas e pouco evangélicas que vicejam nos galpões e palanques, e até em alguns grupos eclesiais. Ajuda-nos a entender a lição da criança! Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Livro da Sabedoria 2,12-20* Salmo 53 (54) * Carta de São Tiago 3,16-4,3 * Evangelho de São Marcos 9,30-37)

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