Jesus, um caminho para
o abraço entre a paz e a justiça.
As casas,
mercados, ruas e praças estão repletas de luzes. Os espaços religiosos,
comerciais e de lazer estão tomados por melodias harmoniosas. Os shoppings estão abarrotados de mercadorias
e são invadidos por multidões movidas por um insaciável desejo de consumo.
Entretanto, uma sensação de noite escura provoca um temor que insiste em não
desaparecer. E um sentimento de vazio insaciável sobrevive às mesas fartas e à
abundância de bebidas. Objetivamente, jugos diversos oprimem o povo, cargas
insuportáveis são jogadas nas suas costas. E um desejo insistente e profundo
desejo de paz e bem queima nossa alma.
Naquele tempo, quando
Quirino governava a região, César Augusto decretou em Roma uma medida que mexeu
com a vida do povo de Israel, como se já não estivesse difícil demais. Usando
as palavras de Isaías, a canga da opressão política, econômica e religiosa
vergava o pescoço dos pobres; a prepotência dos fiscais se superava a cada dia
na forma e na intensidade; as tropas de soldados, com suas botas ruidosas e
suas fardas ensanguentadas, desfilavam para assustar o povo da roça e da
cidade. O povo vivia como os pastores, obrigados a trabalhos noturnos e
acossados permanentemente pelo medo de tudo e de todos.
Em nosso tempo, sentimo-nos
encurralados pelos discursos agressivos e ameaçadores das elites saudosas do
escravagismo, apaixonadas pela tortura, casadas com a violência e promotoras de
um mercado total, sem limites e sem coração. Estas elites, mancomunadas com
setores dos poderes legislativo, executivo e judiciário e com a imprensa mercantilista,
conseguiram tornar vencedor um projeto de segregação social, de limitação de
direitos, de ódio aos indígenas e imigrantes, de intolerância com o pensamento
divergente, de segurança jurídica para os capitalistas às custas da insegurança
dos trabalhadores. Também hoje a noite é escura...
A escuridão
tenebrosa dessa noite assusta e abate, a mentira repetida ininterruptamente
toma feições e cores de verdade, a intolerância e a violência rondam nosso
pensamento e nos tentam como saídas viáveis e desejáveis. Mas a memória do
nascimento de Jesus em Belém, da sua pregação na Galileia, da sua ação livre,
destemida e libertadora no caminho a Jerusalém, da ousada firmeza diante dos
podres poderes – da Boa Notícia de Deus! – abre nossos olhos, enxuga nossas lágrimas,
põe fogo nas cangas que nos oprimem e nas botas e fardas manchadas de sangue,
põe-nos de pé. Damo-nos as mãos e cantamos, desafiando a noite.
A alegria
suscitada pela encarnação de Deus não é uma entre as outras alegrias que
experimentamos, não se equipara à que sentimos quando adquirimos um bem
desejado, recebemos a visita esperada, realizamos a viagem planejada ou
conseguimos a vitória nas urnas. É uma alegria intensa, profunda e imensa,
quase inexplicável. Ela vem da certeza de que na fragilidade de um Deus que se
faz criança a justiça que necessitamos e a paz que aspiramos se entrelaçam e
completam; que a luz do Evangelho ilumina e elimina as trevas e abre caminhos,
evidenciando a irmandade universal; que este mundo imundo não é eterno...
A celebração
do Natal suscita essa alegria porque, em Jesus, a graça de Deus se manifesta e
confirma a dignidade e o valor das pessoas excluídas da lista dos meritórios
homens de bem (ou homens dos bens?). O Natal suscita esperança porque revela
que a força da mudança mora em nós, em nossa capacidade de viver com piedade,
equilíbrio e justiça. Aproximando-se da
humanidade, Deus se faz conselheiro admirável. Assumindo nossa fragilidade, ele
se mostra forte e nos fortalece. Enfrentando incansavelmente os opressores, ele
se mostra príncipe da paz. Armando sua tenda na escuridão, ele se faz nossa
luz.
Os pastores
são os primeiros a receber a notícia, a ver e a tocar esse mistério inefável, a
experimentar a alegria que exorciza o medo. Mas não são os únicos! Essa alegria,
suscitada pela esperança cuja realização embrionária nos espera na periferia do
mundo, é para todo o povo, para todos os que “jazem nas sombras da morte”. As
praças iluminadas e os shoppings
sedutores não conseguem produzi-la, nem o cinismo dos vitoriosos conseguirá
suprimi-la. Nossas igrejas preocupadas unicamente com o culto, a devoção e a
lei estrão em condições de entendê-la e celebrá-la? Ela brota do abraço entre a
paz e a justiça!
Deus amável,
abraço da misericórdia e da justiça, comunhão incondicional e sem limites, encontro
reconciliador entre a divindade e a humanidade! No mistério dessa noite fazes
resplandecer a verdadeira luz, e nela entendemos que não queres habitar as
alturas inacessíveis e nos queres como tua morada. Que tua encarnação nos faça
menos medrosos e mais alegres, menos resignados e mais lutadores, menos
indivíduos e mais comunidade, mais proféticos que piedosos, espaço e sementeira
de justiça e paz. Amém! Assim seja!
Itacir Brassiani msf
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