sábado, 22 de dezembro de 2018

O Evangelho dominical - 25.12.2018


ANTE O MISTÉRIO DO MENINO

Os homens acabam por se habituar a quase tudo. Frequentemente, o hábito e a rotina vão esvaziando de vida a nossa existência. Peguy dizia que “há algo pior do que ter uma alma perversa, é ter uma alma habituada a quase tudo”. É por isso que não podemos nos surpreender que a celebração do Natal, envolta em superficialidade e consumismo louco, dificilmente diga algo novo ou alegre para tantos homens e mulheres de “alma acostumada”.
Estamos acostumados a ouvir que “Deus nasceu num estábulo de Belém”. Já não nos surpreende nem comove um Deus que se oferece como uma criança. Saint-Exupéry diz no prólogo de seu delicioso O Pequeno príncipe:Todas as pessoas crescidas foram crianças antes. Mas poucos se recordam disso”. Esquecemos o que é ser criança. E esquecemos que o primeiro olhar de Deus ao se aproximar do mundo foi o olhar de uma criança.
Mas essa é precisamente a grande novidade do Natal. Deus é e continua sendo Mistério. Mas agora sabemos que não é um ser tenebroso, inquietante e temível, mas alguém que nos é próximo, indefeso, afetuoso, a partir da ternura e da transparência de uma criança.
E esta é a mensagem do Natal. Precisamos sair ao encontro desse Deus, devemos mudar o coração, tornar-nos crianças, nascer de novo, recuperar a transparência do coração, abrir-nos com confiança à graça e ao perdão.
Apesar da nossa terrível superficialidade, do nosso ceticismo e desencanto, e acima de tudo, o nosso inconfessável egoísmo e mesquinhez de adultos, sempre há nos nossos corações um recanto íntimo onde ainda não deixamos de ser crianças.
Atrevamo-nos por um momento a olhar-nos com simplicidade e sem reservas. Façamos um pouco de silêncio ao nosso redor. Desliguemos a televisão. Esqueçamos a nossa pressa, os nervosismos, as compras e os compromissos.
Escutemos dentro de nós esse coração de criança que ainda não se fechou à possibilidade de uma vida mais sincera, bondosa e confiante em Deus. É possível que comecemos a ver a nossa vida de outra forma. “Não se vê bem senão com o coração. O essencial é invisível aos olhos” (Saint-Exupéry).
E, acima de tudo, é possível que escutemos um chamado para renascer para uma nova fé. Uma fé que não seja estagnada, mas rejuvenesça; que não nos encerre em nós mesmos, mas nos abra; que não separe mas una; que não tem medo, mas que confia; que não entristeça, mas que ilumine; que não tema mas que ame.
José Antônio Pagola
Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

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