quarta-feira, 29 de maio de 2019

ANO C | TEMPO PASCAL | SOLENIDADE DA ASCENÇÃO DE JESUS | 02.06.2019

Seguimos um humilhado, e somos testemunhas da sua exaltação.
São muitas e diversas as tentações que ameaçam limitar ou eliminar a força revolucionária do Evangelho de Jesus Cristo, e uma delas é considerar a encarnação e a humilhação do Filho de Deus como algo transitório, como uma etapa pouco importante da sua vida, como uma espécie de parêntesis superado pela ressurreição e pela ascensão ao céu. A ascensão seria sua fuga definitiva das contradições do mundo, onde teria vindo apenas para nos falar das coisas de Deus. A glorificação e o poder seriam o prêmio pelos sofrimentos suportados e teriam apagado os sinais de uma vida de filho da humanidade, de homem pobre e sonhador.
Desde cedo, os primeiros cristãos fizeram questão de evitar essa tentação sublinhando que a humanidade do Filho de Deus, inclusive sua rejeição e assassinato na cruz, não foram uma espécie de acidente de percurso ou um descuido de Deus, mas a realização das Escrituras. Em Jesus realizou-se plenamente o essencial daquilo que as leis, os profetas e os salmos intuíram e anunciaram. Mas isso não nos autoriza concluir que Deus Pai teria desejado o sofrimento e a morte do próprio Filho. O que a igreja apostólica sublinha é que as Escrituras apontam para a encarnação e a humanização de Deus.
Sabemos que o dinamismo da encarnação não conhece paradas nem limites. A glória de Deus brilha no ser humano livre, humilde e servidor. Aquilo que começou no seio anônimo de Maria e se manifestou aos pastores na estrebaria, continuou na carpintaria de Nazaré, prolongou-se nas cidades e aldeias da Galileia e culminou no calvário, fora dos muros da cidade. Quando os cristãos resumem as Escrituras com a expressão ‘o Messias sofrerá’, estão afirmando que o Enviado de Deus se caracteriza mais pela vulnerabilidade compartilhada com os seres humanos que pelo poder e pela glória acima ou à margem da história.
Este movimento de abaixamento e esvaziamento de Deus é libertador e emancipador, uma vez que é guiado e sustentado pelo amor, e continua nos cristãos pelo Espírito que nos é concedido. Assumindo solidariamente a humanidade humilhada, Jesus Cristo assina o decreto de reconhecimento público e universal da dignidade de todos os seres humanos e, ao mesmo tempo, concede-lhes seu Divino Sopro, o respiro que lhes faz povo e lhes permite reinventar sempre de novo a sociedade em parâmetros de justiça e de comunhão. Este movimento de esvaziamento expressa a verdadeira glória e a admirável grandeza de Deus e do ser humano.
Não é correto imaginar a ressurreição de Jesus Cristo como a passagem de uma fase transitória e limitada para uma etapa definitiva e potente, como a premiação que se segue a uma submissão obediente e desonrosa.  E é um perigoso desvio teológico imaginar a ascensão de Jesus ao céu como uma superação da sua condição humana e servidora.  A ascensão deve ser compreendida no quadro da sua crucifixão, da demonstração cabal da sua identificação solidária com o ser humano oprimido. Proclamar a ascensão de Jesus ao céu significa mudar e aprofundar o nosso modo de ver o mistério do seu esvaziamento.
Ressurreição, ascensão, glorificação e acolhida à direita de Deus são imagens e conceitos que, de forma complementar, procuram dar conta deste complexo dinamismo e afirmar que Deus se manifesta exatamente no amor que assume a carne humana, serve e dá a vida. É este Filho de Deus humanado e esvaziado que está acima de todos os poderes e forças, de todos os senhores e autoridades. Tudo o mais está sob seus pés! Só o amor solidário merece crédito, submissão e reverência! É disso que somos constituídos testemunhas: de um Deus que assume a posição de Cordeiro e Servo, que mostra sua grandeza fazendo-se pequeno.
Jesus Cristo é a cabeça do corpo composto pelos homens e mulheres que acreditam nele. Como cabeça, Ele não é refém da Igreja e, menos ainda, da hierarquia. A comunidade eclesial é convocada a assumir a forma de vida de Cristo, sua cabeça. E isso significa não buscar outra glória que não seja aquela de servir, outra honra que não seja esta de partilhar o destino dos deserdados da terra. Assim, podemos dizer que a ascensão de Jesus é a maturidade missionária daqueles que o seguem. “Recebereis o poder do Espírito Santo que virá sobre vós, para serdes minhas testemunhas.”  Que ninguém fique extático, olhando para o céu!
Jesus de Nazaré, Cordeiro ferido e Servo exaltado! Não nos deixe cair na tristeza, na inércia e na resignação. Faze-nos abertos ao teu Espírito, vibrantes no louvor, generosos no amor. Guia-nos na realização da nossa missão de testemunhar o amor que se faz carne, que nos aproxima e nos faz servidores de todos. Faze que sejamos profetas da alegria, discípulos agradecidos por descobrir que tua ascensão é teu mergulho definitivo no coração do mundo, honrados por continuar tua missão de tirar o pecado do mundo. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani  msf
Atos dos Apóstolos 1,1-11 | Salmo 46 (47)
Carta de São Paulo aos Efésios 1,17-23 | Evangelho de São Lucas 24,46-53

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