Os direitos humanos são apenas para os humanos direitos?
No centro do evangelho de hoje está a questão
da correta atitude de quem reza. Jesus nos pede que estejamos atentos ao modo como
rezamos, e o faz confrontando a postura de dois personagens bem conhecidos: o
fariseu, cioso de sua superioridade e perfeição, ostensiva e exteriormente
piedoso; o publicano, cobrador de impostos, impuro e execrável aos olhos dos
judeus nacionalistas, excluído da vida social e religiosa que gira em torno do
templo. São caricaturas que podem nos ajudar a avaliar nossa postura.
Desejoso de ser visto e reconhecido, o
fariseu reza de pé, e olha os demais de cima para baixo. Sua oração é uma
espécie de autoelogio, e vem marcada pelo desprezo e pela condenação dos demais,
por ele considerados inferiores e pecadores. É como se Deus fosse obrigado a
agradecer o fariseu por ele ser bom e correto. O publicano não entra no templo
e, sem coragem até de levantar os olhos, bate no peito reconhecendo sua
condição ambivalente e pedindo que Deus se compadeça dele. E estas atitudes
estão longe de ser um problema somente do judaísmo, nem apenas dos primeiros
cristãos!
A ostentação e a pretensão de
superioridade, sempre acompanhadas de uma agressiva discriminação, contaminaram
também os cristãos e, infelizmente, resistem, como erva daninha difícil de
erradicar, até nossos dias. E, o que é pior, quase sempre vêm revestidas com a
atraente roupagem da piedade. Mas, desde o mito bíblico de Abel e Caim, sabemos
que Deus que não trata todas as pessoas do mesmo modo. “Ele não é parcial em
prejuízo do pobres, mas escuta, sim, as súplicas dos oprimidos; jamais despreza
a súplica do órfão, nem da viúva, quando desabafa suas mágoas”, lembra o livro
do Eclesiástico.
Por outro lado, precisamos lembrar que,
por mais que nos custe admitir, a humanidade e o país estão divididos. Não é
necessário viajar o mundo para perceber que, em termos gerais, os países do
Norte vivem na abundância de bens e oportunidades, enquanto que os países do
Sul são condenados a digerir a miséria à qual a secular expropriação os
condenou. E existem também divisões entre os que se dizem “homens de bem” e os
“outros”. Ultimamente, há quem repita, em alto e bom tom, que só pode
reivindicar os direitos humanos quem for humano direito, ou até, segundo os
mais exaltados, humano de direita.
Será que esta divisão nefasta e nada
evangélica está presente também no interior das nossas igrejas? Infelizmente,
parece que sim! Basta dar uma olhada atenta à primazia conferida às Igrejas
europeias no confronto com as Igrejas do Terceiro Mundo. Temos também os
conflitos que rondaram todo o magnífico e corajoso Sínodo para a Amazônia, sem
esquecer aquela profunda e dolorida divisão entre as próprias comunidades
cristãs: ortodoxos e romanos, católicos e protestantes, igrejas clássicas e
igrejas pentecostais, e assim por diante. Fariseus versus publicanos!
A humanidade tem como vocação ser uma só
família, e essa é também a vontade de Deus. A interdependência dos povos e
nações é já um fato objetivo, mas precisa se tornar um valor subjetivo,
garantido ética e institucionalmente. O desafio é transformar essa
solidariedade objetiva e estrutural num valor buscado e assegurado para todos.
A dignidade da pessoa humana independe da sua origem étnica, da pertença
religiosa, da nacionalidade, da convicção política, da identidade sexual, da
instrução. Estas diferenças não dividem, nem hierarquizam; apenas distinguem,
complementam e enriquecem.
Ao ouvir a prece da pessoa humilde e
discriminada, Deus resgata sua dignidade e a verdadeira igualdade entre todos
os seres humanos. A este propósito, é impressionante o testemunho de Paulo. Ele
combate com tenacidade a pretensão de superioridade dos judeus e dos novos
cristãos de origem judaica frente aos cristãos vindos do paganismo. Quando diz,
em forma de testamento, que combateu o bom combate, completou a corrida e
guardou a fé, está se referindo à sua convicção de que Cristo é nossa paz, pois
de dois povos fez um só povo, derrubando o muro da inimizade que os separava (cf.
Ef 2,14).
Deus Pai e Mãe, tu fazes a prece do humilde atravessar as nuvens e
escutas atenta e cordialmente o clamor dos oprimidos. Então, despoja-nos de
todo orgulho arrogante e de toda competição infantil. Ajuda-nos a anunciar teu
Evangelho integralmente e a fazer resplandecer, pelo anúncio e pelo testemunho,
a boa notícia e a boa convivência que ele nos pede. Ajuda-nos a vislumbrar em
Jesus teu rosto compassivo e misericordioso, e anunciá-lo a todos. E isso até
que a humanidade seja de fato uma só família, na qual todos os membros são
queridos e respeitados, para além de toda e qualquer diferença. Assim seja!
Amém!
Itacir Brassiani msf
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