quarta-feira, 23 de outubro de 2019

ANO C | TEMPO COMUM | TRIGÉSIMO DOMINGO | 27.10.2019


Os direitos humanos são apenas para os humanos direitos?
No centro do evangelho de hoje está a questão da correta atitude de quem reza. Jesus nos pede que estejamos atentos ao modo como rezamos, e o faz confrontando a postura de dois personagens bem conhecidos: o fariseu, cioso de sua superioridade e perfeição, ostensiva e exteriormente piedoso; o publicano, cobrador de impostos, impuro e execrável aos olhos dos judeus nacionalistas, excluído da vida social e religiosa que gira em torno do templo. São caricaturas que podem nos ajudar a avaliar nossa postura.
Desejoso de ser visto e reconhecido, o fariseu reza de pé, e olha os demais de cima para baixo. Sua oração é uma espécie de autoelogio, e vem marcada pelo desprezo e pela condenação dos demais, por ele considerados inferiores e pecadores. É como se Deus fosse obrigado a agradecer o fariseu por ele ser bom e correto. O publicano não entra no templo e, sem coragem até de levantar os olhos, bate no peito reconhecendo sua condição ambivalente e pedindo que Deus se compadeça dele. E estas atitudes estão longe de ser um problema somente do judaísmo, nem apenas dos primeiros cristãos!
A ostentação e a pretensão de superioridade, sempre acompanhadas de uma agressiva discriminação, contaminaram também os cristãos e, infelizmente, resistem, como erva daninha difícil de erradicar, até nossos dias. E, o que é pior, quase sempre vêm revestidas com a atraente roupagem da piedade. Mas, desde o mito bíblico de Abel e Caim, sabemos que Deus que não trata todas as pessoas do mesmo modo. “Ele não é parcial em prejuízo do pobres, mas escuta, sim, as súplicas dos oprimidos; jamais despreza a súplica do órfão, nem da viúva, quando desabafa suas mágoas”, lembra o livro do Eclesiástico.
Por outro lado, precisamos lembrar que, por mais que nos custe admitir, a humanidade e o país estão divididos. Não é necessário viajar o mundo para perceber que, em termos gerais, os países do Norte vivem na abundância de bens e oportunidades, enquanto que os países do Sul são condenados a digerir a miséria à qual a secular expropriação os condenou. E existem também divisões entre os que se dizem “homens de bem” e os “outros”. Ultimamente, há quem repita, em alto e bom tom, que só pode reivindicar os direitos humanos quem for humano direito, ou até, segundo os mais exaltados, humano de direita.
Será que esta divisão nefasta e nada evangélica está presente também no interior das nossas igrejas? Infelizmente, parece que sim! Basta dar uma olhada atenta à primazia conferida às Igrejas europeias no confronto com as Igrejas do Terceiro Mundo. Temos também os conflitos que rondaram todo o magnífico e corajoso Sínodo para a Amazônia, sem esquecer aquela profunda e dolorida divisão entre as próprias comunidades cristãs: ortodoxos e romanos, católicos e protestantes, igrejas clássicas e igrejas pentecostais, e assim por diante. Fariseus versus publicanos!
A humanidade tem como vocação ser uma só família, e essa é também a vontade de Deus. A interdependência dos povos e nações é já um fato objetivo, mas precisa se tornar um valor subjetivo, garantido ética e institucionalmente. O desafio é transformar essa solidariedade objetiva e estrutural num valor buscado e assegurado para todos. A dignidade da pessoa humana independe da sua origem étnica, da pertença religiosa, da nacionalidade, da convicção política, da identidade sexual, da instrução. Estas diferenças não dividem, nem hierarquizam; apenas distinguem, complementam e enriquecem.
Ao ouvir a prece da pessoa humilde e discriminada, Deus resgata sua dignidade e a verdadeira igualdade entre todos os seres humanos. A este propósito, é impressionante o testemunho de Paulo. Ele combate com tenacidade a pretensão de superioridade dos judeus e dos novos cristãos de origem judaica frente aos cristãos vindos do paganismo. Quando diz, em forma de testamento, que combateu o bom combate, completou a corrida e guardou a fé, está se referindo à sua convicção de que Cristo é nossa paz, pois de dois povos fez um só povo, derrubando o muro da inimizade que os separava (cf. Ef 2,14).
Deus Pai e Mãe, tu fazes a prece do humilde atravessar as nuvens e escutas atenta e cordialmente o clamor dos oprimidos. Então, despoja-nos de todo orgulho arrogante e de toda competição infantil. Ajuda-nos a anunciar teu Evangelho integralmente e a fazer resplandecer, pelo anúncio e pelo testemunho, a boa notícia e a boa convivência que ele nos pede. Ajuda-nos a vislumbrar em Jesus teu rosto compassivo e misericordioso, e anunciá-lo a todos. E isso até que a humanidade seja de fato uma só família, na qual todos os membros são queridos e respeitados, para além de toda e qualquer diferença. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Livro do Eclsiástico 31,15-22 | Salmo 33 (34)
Segunda Carta de Paulo A Timóteo 4,6-8.16-18  | Evangelho de São Lucas 18,9-14

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