quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

ANO A | TEMPO DE NATAL | SOLENIDADE DO BATISMO DE JESUS – 12.01.2020


O amor solidário é o pleno cumprimento da justiça de Deus!
O hábito católico de batizar as crianças logo que nascem pode induzir-nos a esquecer que o batismo pregado e realizado por João Batista não gozava de estima junto às autoridades do judaísmo. Esta prática não lhes parecia ortodoxa, tinha conotações de insubordinação e de inovação inaceitáveis, claramente contrárias aos interesses e à doutrina do templo. Por isso, desfrutemos da festa do batismo de Jesus como uma boa oportunidade para compreender mais clara e profundamente o sentido deste sacramento cristão.
Os doutores da lei ensinavam que os incontáveis pecados do povo ignorante suscitava a ira de Deus, que havia fechado o céu e bloqueado sua comunicação com a humanidade. O povo foi se acostumando com os anúncios ameaçadores e a violência simbolizada pelo grito nas praças, pela quebra da cana rachada e pela extinção da frágil luz das velas. A lei e os costumes judaicos diziam que só o templo e seus agentes autorizados poderiam lavar culpas e perdoar pecados. Fora do templo e suas taxas não poderia haver salvação!
João Batista ousa contrariar estas prescrições e práticas: proclama que Deus não cobra nada para perdoar; anuncia que a água abundante do rio Jordão lava as culpas que pesam sobre as costas dos mais pobres; pede que se aproximem todos aqueles que desejam endireitar as estradas da própria vida e da sociedade, os que desejam sinceramente reestabelecer a justiça. Como os magos mostraram no natal, João recorda, muitos anos depois, que os caminhos da graça de Deus n­ão passam necessariamente por Jerusalém e pelo templo.
Uma multidão de gente cansada e abatida, vergada sob o peso de uma pesada canga de leis e condenações, acorre a João à beira do rio Jordão. Gente humilde e humilhada, pobre e empobrecida, ignorante e ignorada, anônima e rotulada como pecadora. Gente com fome de tudo: de pão, de justiça, de graça, de acolhida, de cidadania. Muitos habitantes de Jerusalém, da Judéia e da região do rio Jordão, cansados de penar e sedentos de um Deus diferente, saem à procura do Profeta de hábitos simples e palavras exigentes.
Já adulto e prestes a assumir sua missão pública, Jesus deixa a Galileia e vai à procura de João Batista em meio a essa gente: anônimo, na mesma fila, com os mesmos sentimentos. Como tantos outros conterrâneos e contemporâneos, Jesus também deseja endireitar caminhos, nivelar colinas, mudar as coisas. Ele quer deslocar o centro para a periferia e a periferia para o centro. Jesus sabia que do templo não poderia vir nada de novo e nada de bom. Seu batismo é participação solidaria nas tentativas, buscas e sonhos do seu povo.
João pressente nessa atitude de Jesus algo novo e em desacordo com as práticas tradicionais. Percebe que está em curso uma inversão revolucionária. “É eu que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?” Mas percebe também que a justiça não pode ser realizada parcialmente. A encarnação de Deus deve atingir a humanidade em sua dimensão mais profunda, e Jesus entra na fila dos pecadores e se identifica com eles. Com seu batismo, Jesus Cristo manifesta ao mundo a compaixão de Deus, assumindo o lugar dos últimos.
É por isso que a voz do Pai diz que este filho é quem lhe agrada e dá prazer, é a realização plena do seu ser e sua vontade. Deus é compaix­ão e complacência! E isso porque Jesus passa pelo mundo fazendo o bem, mostrando que Deus não discrimina pessoas ou religiões, e o faz assumindo o caminho do serviço, o papel de Servo. Ele revela a paternidade de Deus recriando os vínculos de fraternidade, começando pelas vítimas. Bem diferente do porta-voz do rei, que anunciava suas más notícias quebrando canas e apagando velas.
Durante o batismo, em meio ao povo machucado e sedento, Jesus faz uma experiência espiritual que deixará marcas profundas e dará a direção à toda sua vida e missão: percebe o Espírito de Deus descendo e repousando sobre ele, constituindo-o como filho, servo e libertador. Doravante, não reconhecerá mais a distinção entre judeus e pagãos, entre “homens de bem” e os que não interessem a ninguém e são por todos desprezados. Alguns anos mais tarde, Pedro resumirá esta percepção: “Deus não faz distinção entre as pessoas. Ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença.”
Deus querido, Pai e Mãe dos homens e mulheres que aceitam o desafio de renascer da água e do Espírito, do sonho e da Palavra: te agradecemos porque nos acolhes como filhas e filhos amados neste povo que amas. Conserva-nos no caminho do teu Filho, e faz de todos os batizados um fator de aliança entre os fracos, instrumento de justiça para quem é desprezado. E não nos deixes cair na tentação de uma justiça parcial ou superficial, disposta a aceitar subornos para fazer-se cega. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Profecia de Isaías 42,1-7 | Salmo 28 (29)
Atos dos Apóstolos 10,34-38 | Evangelho de São Mateus 3,13-17

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