terça-feira, 7 de abril de 2020

ANO A | SEMANA SANTA | PAIXÃO DO SENHOR | 10.04.2020


Jesus veio ao mundo para viver e dar testemunho da verdade.
Há duas semanas vivemos uma situação que antecipa e amplia o que vivemos na sexta-feira santa. Tudo parado e diferente, inclusive a liturgia. E nisso vai se revelando o que há de mais profundo no ser humano, para o bem e para o mal. O mistério do mal atinge sua força mais terrível, a humanização de Deus atinge seu ponto mais luminoso, a entrega do ser humano a Deus se expressa em seu grau máximo. E o serviço a Deus brilha na entrega despojada e solidária ao cuidado do ser humano despojado de poder e de honra.
Quem faz dos próprios interesses um ídolo intocável, cedo ou tarde acaba identificando como diabólicas e ameaçadoras todas as pessoas, grupos, movimentos e entidades que pensam diferente e propõem uma vida alternativa. Além disso, concebe estratégias para eliminá-los sem se tornar impuro, dentro da lei. Quantas leis – escritas nos códigos ou na tradição dos povos – não passam de artifícios para disfarçar o domínio e a violência dos mais fortes sobre os mais fracos, de tentativas de impedir que estes vivam plenamente?
Conhecemos as tramas, traições e intrigas que levaram à prisão e morte de Jesus. São opções e atitudes que revelam o mistério do mal e sua força nas pessoas e instituições. Um mal nada abstrato, pois se expressa nos costumes, nas leis, nos sistemas econômicos, nos medos, nas ambições. Um mal que assume feições de cinismo, como quando as autoridades, tendo já decidido matar Jesus, não entram no palácio do governador para não se tornarem impuras. As ditaduras de todos os quadrantes criam leis iníquas no desesperado intento de que elas lavem suas mãos tintas de sangue e tornem leves a consciência que lhes pesa.
É o mistério inexplicável da iniquidade que faz com que as trevas da noite nos envolva às três horas da tarde. Uma iniquidade que começa não se sabe bem onde, e se expressa na afirmação de nós mesmos à custa dos outros, no desprezo de quem é diferente, no fechamento a toda e qualquer mudança, na indiferença para com as vítimas, enfim: na defesa da ordem que protege os dominadores. Descrevendo este dinamismo maldito que nos envolve, o salmista diz: “Eis que na culpa fui gerado, no pecado minha mãe me concebeu.”
Diante dos seus acusadores e algozes, Jesus não parece disposto a se debater nem se defender. Ele tem consciência de que nasceu para tornar palpável e digno de crédito o amor fiel de Deus pelas pessoas negadas em sua dignidade. Ele veio ao mundo para dar testemunho da verdade, que é a compaixão. Pilatos lava as mãos, mas manda torturá-lo, transforma-o numa paródia de líder e o apresenta ao povo. “Não necessitamos de novos Pilatos, que buscam ilusoriamente justificar a indiferença e a omissão diante da dor do próximo. Necessitamos de corações semelhantes ao coração de Jesus, se curvou sensivelmente à dor de toda a humanidade e dela cuidou” (Texto-Base da C. Fraternidade, § 169).
Fixemos nosso olhar em Jesus de Nazaré, este personagem que realizou em grau pleno a vocação de todo ser humano. Em Jesus descobrimos que a pessoa humana atinge sua plenitude quando não recua diante do chamado a dar a vida, quando não abre mão da solidariedade com as pessoas negadas em sua verdade e em sua dignidade. O ser humano maduro não é o ‘amigo de César’, quem ordena ou cede por medo. Maduro e pleno é quem, como Jesus, é capaz de se compadecer e cuidar de quem é mais frágil! Um rio amazonas de águas não é suficiente para purificar as mãos infectadas pelo vírus da indiferença e da hipocrisia.
A pergunta “a quem procurais?” feita por Jesus a Judas Iscariotes é dirigida por Jesus também a nós. O que esperamos ou buscamos na celebração da paixão de Jesus? Consolação nos sofrimentos inexplicáveis? Confirmação dos nossos interesses e projetos? Proteção contra o medo que, de repente, toma conta da humanidade? Só nos é licito buscar forças para perseverar no seguimento de Jesus, o amigo da humanidade. Só podem beijar o corpo torturado de Jesus aqueles que estão dispostos a renascer como uma nova família, não mais presa a interesses mesquinhos, mas desperta, compassiva e cuidadora da vida.
Deus Pai e Mãe, prostrados e agradecidos diante do supremo gesto de amor do teu Filho, te pedimos: ajuda-nos a permitir que Cristo viva em nós e a morrermos para a indiferença que se globalizou e mata tantos seres humanos.  Ensina-nos a assumir as consequências de sermos discípulos deste verdadeiro homem, e dá-nos a generosa coragem de transformar a Igreja, a sociedade e a história com o fermento da compaixão, única possibilidade de salvação do homem e do mundo. E faze que, aos pés da cruz e com ouvidos abertos ao Evangelho, nossas comunidades cantem seu hino de humildade, amor e paz. Assim seja! Amem!
Itacir Brassiani msf
Profecia de Isaías 52,13-53,12 | Salmo 30 (31)
Carta de Paulo aos Hebreus 4,14-16; 5,7-9| Evangelho de São João 18,1-19,42

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