quarta-feira, 22 de abril de 2020

ANO A | TEMPO PASCAL | TERCEIRO DOMINGO | 26.04.2020


Jesus marca encontro conosco nas encruzilhadas da vida!
O significado do acontecimento pascal não se entrega à nossa compreensão de uma só vez. A realidade viva e esperançosa que o evento da páscoa de Jesus nos abre precisa de um longo tempo para germinar, crescer, florescer e frutificar. Por isso, com sua peculiar sabedoria, a tradição cristã prolonga o evento pascal nas sete semanas que se seguem à páscoa. Este período nos convida a descobrir e acolher o dinamismo da ressurreição em suas múltiplas facetas, escondida nas tramas da vida e na luminosidade discreta das liturgias.
Os evangelhos fazem questão de não esconder as dificuldades a incrível lentidão com que os discípulos e discípulas vão se abrindo à ressurreição de Jesus Cristo. O episódio dos discípulos que voltam desolados à aldeia de Emaús é paradigmática. Lucas diz que eles caminhavam desolados, e pareciam uma dupla de cegos. Eles não conseguiam tirar da memória a imagem da prisão, do julgamento, da tortura e da morte de Jesus na cruz. Para eles, o fracasso fora completo e arrasador, e não havia como conciliar a esperança suscitada pelo ensino e pelo anúncio de Jesus com um homem pregado na cruz em meio a outros proscritos.
O evangelista registra que “o próprio Jesus se aproxima e começa a conversar com eles”. E começa perguntando pelo conteúdo da conversa e pelo motivo da tristeza. Jesus não chega impondo o tema ou desviando do assunto. Com a sabedoria de mestre, conduz os discípulos ao núcleo da própria frustração, ao coração da própria dor, ao aspecto central dos acontecimentos. E o faz caminhando com eles, num caminho de volta ao passado, no qual dormiam as esperanças. Sem este primeiro momento, o anúncio e o testemunho da ressurreição poderia cair no vazio ou resvalar para o cinismo.
Caminhando e dialogando com os discípulos, Jesus provoca neles a abertura a uma imagem de Deus despida das marcas do poder e do saber. Obcecados por certa imagem de Deus e machucados pelo desengano de suas esperanças, eles não conseguem compreender nada. Mas a perseverança de Jesus acaba abrindo algumas pequenas brechas na terra seca dos seus pensamentos e sentimentos. Eles se dão conta de que já é tarde e a noite se aproxima. Percebem claramente que um caminho sem esperanças não leva a lugar nenhum. E sentem necessidade de um companheiro com quem possam dividir o pão da dor.
A sede de companhia, somada ao desejo de repartir o pouco que lhes resta, faz a diferença e abre as portas. Acolhendo o anônimo companheiro de caminhada e partilhando com ele a vida e o pão, os discípulos passam da cegueira à visão, da frustração à alegria, da escuridão à luz. A hospitalidade e a partilha dão a eles a possibilidade de fazer uma releitura do percurso vivido, compreender melhor o que sentem e descobrir o significado profundo dos acontecimentos que vivem. Só então eles dão atenção àquilo que sentiam quando escutavam a Palavra. “Não estava o nosso coração ardendo quando ele nos falava pelo caminho?”
A seu modo, Pedro demonstra que os apóstolos também aprenderam esta lição. Com uma coragem inexplicável, ele se dirige aos habitantes de Jerusalém e aos peregrinos, convida-os a compreender o sentido do que estava acontecendo naquela manhã em que o fogo do Espírito abria portas e caminhos, concedia sabedoria e inteligência, chamava e enviava: aquele Jesus de Nazaré que fora humilhado até o extremo havia sido exaltado ao máximo. “Não era possível que a morte o dominasse... Deus o ressuscitou dos mortos e lhe deu a glória...” E nos acompanha neste tempo em que somos todos migrantes em distanciamento social.
A fé cristã se fundamenta no testemunho, na experiência pessoal ou dos outros. Cremos porque há uma corrente de homens e mulheres que deram prosseguimento ao caminho e ao projeto vivido por Jesus Cristo. Nesta “nuvem de testemunhas” Cristo se mostra vivo e ressuscitado. Os sacramentos partem dessa realidade e a ela nos conduzem. Se esta corrente de testemunhas não continuar, os frutos da ressurreição não chegam à mesa de ninguém. Por isso, cada geração de cristãos precisa recriar o testemunho do Ressuscitado, discernindo as exigências e oportunidades próprias do seu tempo.
Deus da vida: nossos pais e antepassados na fé nos ensinaram a te chamar de pai, mas mostras que tens um coração de mãe. Tu nos acompanhas nas curvas sombrias dos nossos fracassos individuais e coletivos, nos confortas no aconchego do teu colo, seguras nossa mão e guias nossos passos incertos, abres nossos olhos para encarar a realidade, encorajas à fidelidade criativa e responsável. Vem em nosso auxílio na aventura de transformar a fé na ressurreição do teu filho em projeto de uma vida comprometida com os pobres, doada sem reservas e sem condições. Assim seja, nestes tempos de pandemia e distanciamento social! Amém!
Itacir Brassiani msf
Atos dos Apóstolos 2,14.22-33 | Salmo 15 (16)
Primeira Carta de Pedro 1,17-21 | Evangelho de São Lucas 24,13-35

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