“Atrevo-me a pensar que é esta realidade descomunal, e
não apenas a sua expressão literária, o que este ano (1982) mereceu a atenção
da Academia Sueca de Letras.
Uma realidade que não é a do papel, mas que vive
conosco e determina cada instante de nossas incontáveis mortes cotidianas, e
que sustenta um manancial de criação insaciável pleno de infelicidade e de
beleza, do qual este colombiano errante e nostálgico não é mais que uma cifra
assianalada pela sorte.
Poetas e mendigos, músicos e profetas, guerreiros e
malandros, todos criaturas daquela realidade desaforada, tivemos que pedir
muito pouco à imaginação, porque o desafio maior para nós foi a insuficiência
dos recursos convencionais para tornar acreditável nossa vida. Este é, amigos,
o nó da nossa solidão.

Não, a violência e a dor desmesuradas de nossa
história são o resultado de injustiças seculares e amarguras sem conta, e não
de uma confabulação urdida a três mil léguas da nossa casa.
Mas muitos dirigentes e pensadores europeus
acreditaram nisso, com o infantilismo dos avós que esqueceram das loucuras
frutíferas de sua juventude, como se não fosse possível outro destino além de
viver à mercê dos grandes donos do mundo.
Este é, amigos, o tamanho da nossa solidão.”
(Trecho do discurso de Gabriel García
Marquez, ao receber o prêmio Nobel da literatura, em 1982)
(Eduardo Galeano, O século do vento, L&PM, 2010,
p. 350-351)
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