Recordando os seis meses da partida do Pe. Ceolin, tenho a alegria de partilhar um belissimo testemunho escrito pela grande amiga Inez Maciel (Entre-Ijuis).
De flores, pães, pássaros e cacos de vidro...
Num momento dolorido em que o Pe. Itacir postou uma das tantas anotações
do querido e saudoso Pe. Ceolin inventei de dizer: “Ita, você tem que
editar um livro, sei lá, com todas essas passagens para que quem o conheceu;
faça uma boa memória de alguém tão especial, pra que aqueles/as que perderam de
conviver com ele, saibam de quem estamos falando...” Bendita hora! O Itacir
lançou-me o desafio: “Você não quer passar para o papel o que vivenciou?!”
Senti-me desafiada, não pelo belo prazer de escrever, mas pelo respeito em
conservar a história desse anjo.
Conheci o Pe. Ceolin no Instituto
Missioneiro de Teologia (IMT). Eu era uma simples funcionária, ele
professor! O certo é que quando ele entrava na biblioteca, onde eu trabalhava,
o ambiente se enchia de graça. Era como que uma luz, uma força, naquele lugar
solitário, cheio de mofo, cheio de livros... Com meu ar apimentado, dizia: “Sua
bênção seu Padre!” E ele graciosamente tomava minha mão e respondia: “Sê benta,
minha filha!” Sempre com aquela carinha de rir...
Eu nunca gostei de trabalhar com papel. Eu gosto é de gente! Mas foi
preciso... Queixando-me disso pra ele, certa vez ele disse: “Minha filha, você
é uma privilegiada: morar no meio de tanta gente silenciosa... Tu podes
conhecer o mundo, viajar por muitos lugares, saber coisas que ninguém sabe...” De
fato! Daquele dia em diante não reclamei mais dos livros e comecei a ler um
pouco, viajar, sonhar, conhecer pessoas e lugares, descobrir coisas que ninguém
sabia... Meu trabalho se tornou mais feliz!
Tive a graça também de tê-lo do meu lado, várias vezes em que coordenei
o retiro de Mulheres do Movimento de
Cursilhos de Cristandade (MCC). Coisa querida!... Um dia convidei-lhe para
falar sobre a Graça. Coisa graciosa!
Lá no Seminário da Sagrada Família,
em Santo Ângelo sempre tem bandos de pássaros fazendo uma algazarra toda, dia e
noite.... Num dado momento ele disse: Graça é esse bando de passarinhos que
cantam aqui nesse lugar tão distante do barulho. E nos desafiou a escutar o
canto dos pássaros... “Façam silêncio! Escutem!...” Por incrível que possa
parecer, nenhum pássaro cantou... Silenciaram... Hoje, relembrando, eu me
arrepio, porque ele não perdeu o rebolado e disse: “Pois é!... Eles
também fizeram silêncio para receber a graça....” Achei que as mulheres cairiam
na risada, mas nós choramos copiosamente...
Noutro retiro de mulheres, na hora da missa, a liturgista esqueceu as
hóstias... Ele olhou pra ela e disse: “Mulher não temos pão! Vá até a cozinha e
traga algum...” Envergonhada, ela foi buscar o pão. Enquanto isso ele fez uma profunda
catequese em cima da “comunhão” , do significado do ter e não ter pão, sobre o
significado da partilha!
Mamãe estava acamada há mais de um ano e nove meses, e a gente se revezava
no cuidado... Na sexta-feira, a partir do meio-dia, eu deveria estar na
coordenação do retiro do MCC... Ela admirava muito meu trabalho. Na terça-feira,
dois dias antes de nos deixar, ela me perguntou: “Filha, que dia mesmo você vai
pro seminário?” E eu respondi: “Na sexta ao meio-dia...” Perguntei: “Por quê,
Mamãe?” Ela disse: “Não, por nada, só queria saber....” Ela faleceu na
quinta-feira... Enterramos Mamãe às cinco horas da tarde. Na sexta ao meio-dia
lá estava eu, um pouco receosa, porque meu marido me dissera: “Tu não deverias
ir... Ou vão achar que você não está nem aí pra sua mãe, ou vão te chamar de aparecida...” Pois bem! Na sua mensagem,
em determinado momento, à noite, o Pe. Ceolin convidou para uma oração e disse:
“Bem vinda, Inêz! Deixe que os mortos enterrem seus mortos... Sua Mãe deve
estar muito orgulhosa de você... Ela te deu tempo de vir servir essas irmãs...”
Quem pode com isso?
Como Jesus, o Pe. Ceolin às vezes também se zangava... Um dia contatei
com ele para dar uma mensagem no retiro. Não gosto de lembrar... Havia
acontecido uma coisa feia no nosso grupo... E ele respondeu: “Não vou! Chame o
Padre lá do rincão dos coquinhos!...”
Chorei muito naquele dia. Eu não tinha culpa de nada. E aprendi que os deuses e
os anjos também se zangam. No primeiro encontro que tivemos, lá estava ele
sorridente – seu sorriso era enigmático: a alegria se misturava com um certo
sarcasmo – e com o mesmo coração, no caminho, conosco. Então descobri que
os deuses e os anjos não guardam rancor!
Tive oportunidade de conviver com essa figura. Tão divina e tão humana.
Um sábio! Numa celebração eucarística – ele já estava doentinho – passou mal...
A gente percebia que ele não estava bem. Terminada a consagração, ele me olhou
e, como sempre disse: “Mulher, chegou a tua hora. Termine a missa pra mim...”
Ele estava era roxo, a boca sem cor... Me assustei com ele e com a “missão” que
me dava... Fiz tudo direitinho. No final, uma mulher veio e me falou: “Bah,
agora eu sei que nós mulheres também podemos chegar perto do ‘sagrado’...”
Contei pra ele depois. Na sua seguinte oportunidade ele comentou o episódio e
perguntou: “O que é o ‘sagrado’?...
Mulher gosta de tudo bonitinho, direitinho. Um dia ele estava lá na
frente do grupo falando sobre os sacramentos e, de repente, vi no meio das
flores uma rosa. Olhei para as coordenadoras e perguntei: “O que faz aquela
rosa espetada no meio da planta? Quem é que colocou ela lá? Está destoando de
tudo....” Mas eu não poderia ir lá e retirá-la naquele momento... Quando o Pe.
Ceolin fez a introdução ao sacramento do matrimônio, pegou “a rosa espetada” e
disse: “Muitas de vocês já receberam uma rosa de um filho, do namorado, do
marido... O Que significa esse gesto?” Todas responderam num eco só: “Significa
o amor!” Ele tornou a perguntar, com a rosa na mão: “Mas essa rosa é o amor?”
Ficamos caladas... “Pois é”, disse ele. “Assim é o sacramento: sinal do amor...” Pois não é que a rosa
espetada se tornou um sacramentinho...
Ele havia colocado aquela rosa lá...

A Gladis Monteiro e eu coordenávamos outro retiro de mulheres. Lembra
disso Gládis?... O Ceolin fora convidado para falar sobre o encontro com
Cristo. Ele falava exatamente de Jesus e a mulher no poço... Para mim, uma das
mais belas passagens dos evangelhos... De repente, no meio da conversa, ele
sumiu pra trás do altar... Quem conhece o Seminário sabe... Nós nos olhamos, já
prontas pra ir atrás dele, quando ele volta e coloca no chão um pocinho de
artesanato, muito lindo... E continua falando: “Quem bebe desta água...” Não é
mesmo surpreendente? Divinamente humano? Apaixonante?
Um dia, falando
de suas crises que havia enfrentado, disse: "Eu quero ter o direito de ser
quem sou! Não recuso o limite, as dificuldades, a crise... São realidades
humanas que nos tocam e nos ajudam..."
E por fim quero ainda dizer que tenho essas anotações e muitas outras no
meu caderninho... Talvez ele não falado exatamente assim. Mas é assim que tenho
anotado e copiei o que ele dizia...
Tem pessoas que não deviam morrer. Mas como isso não é possível, pelo
menos que essas “parábolas” fiquem registradas eternamente. Porque não é justo
que se perca tanta sapiência. Quantos
anjos e santos/as no meio de nós... Assim, simples! Anonimamente....
Inêz Terezinha Maciel
Um comentário:
Adorei esse seu texto, Inês Maciel, falando desse poço de sabedoria que era o padre Ceolin! Emocionante! até as lágrimas... Seria ótimo se vc conseguisse colocar isso tudo num livro... ou pedir a alguém (pode ser o Ita) para razer isso. Muita gente se beneficiaria, com certeza!
Beijos, querida!
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