A prioridade e
as renúncias para seguir Jesus (Lucas
14,25-33)
O evangelho da liturgia deste final de semana
apresenta Jesus colocando as condições fundamentais para quem quer segui-lo no
caminho da cruz. Diante da prioridade do seguimento, todo o resto se torna
relativo.
Jesus está a caminho de Jerusalém. Virando-se para
a multidão que o seguia, ele deixa claro que o caminho do seguimento é exigente
e demanda renúncias. É uma opção radical. Nesse sentido, a proposta do
discipulado não é para a multidão, a “massa”. A militância por vida plena é uma
decisão para pessoas livres de tudo o que escraviza. Jesus diria que as pessoas
que optam pelo reino são como o “fermento” que transforma a massa (Lucas
13,21). A decisão pelo reino não é de facilidades. Talvez seja por isso que
poucas pessoas decidam seguir pelo caminho proposto por Jesus.
1. Seguir Jesus exige renúncias
1.1 Renunciar a família (Lucas 14,26)
Uma das cláusulas que Jesus estabelece para as
pessoas que o querem seguir é desapegar-se dos laços afetivos com a família, da
segurança que a família proporciona. A prioridade é o seguimento. A família é
secundária. Conforme a comunidade de Lucas, Jesus usa o verbo “odiar” em
relação aos familiares (Lucas 14,26). É palavra forte. Aqui, no entanto, odiar
quer dizer colocar em segundo plano diante de algo prioritário. Para Jesus, as
relações familiares não podem impedir a adesão ao projeto do reino. Este é a
prioridade.
É Jesus mesmo quem nos dá o exemplo, ao dar
preferência à missão. Quando sua mãe e seus irmãos querem vê-lo, Jesus afirma
ter uma família mais importante. É a família de quem, como ele, vive o projeto
do Pai. “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a
praticam” (cf. Lucas 8,19-21).
1.2 Renunciar os interesses pessoais (Lucas 14,26)
Outra condição exigida por Jesus é colocar os
interesses pessoais, a própria vida, em segundo lugar diante da prioridade, que
é o projeto do reino e sua justiça.
Nosso mundo estimula o individualismo, os desejos
egoístas e o bem-estar individual. Jesus, no entanto, propõe como critério para
segui-lo no caminho da cruz a busca do bem-viver coletivo, o serviço na
gratuidade, a ajuda solidária na luta por uma sociedade justa. Em outras
palavras, decidir pelas relações do reino é imitar o próprio mestre.
1.3 Renunciar os bens (Lucas 14,33)
Seguir Jesus supõe também ser totalmente livre
diante dos bens. Exige estar desapegado de tudo, isto é, do orgulho e da
competição, das seguranças e das ambições, de todas as formas de riqueza.
Optar pelo reino é colocar os bens a serviço da
vida. E Jesus recorda mais de uma forma de como fazer com que os bens nos ajudem
a ser “ricos para Deus” (cf. Lucas 12,21). Os bens geram vida quando
partilhados (Lucas 12,33-34; 14,15-24; 18,18-23; 19,1-10) ou quando investidos
a serviço do reino, isto é, de projetos que têm em vista a igualdade, tal como
fizeram as mulheres que o seguiam desde a Galileia (Lucas 8,1-3).
Jesus quer ajudar-nos a não colocar os bens como o
mais importante, transformando-os em ídolos que escravizam. “Não podeis servir
a Deus e às riquezas” (Lucas 16,13). E servir a Deus, à vida, é ser
verdadeiramente livre.
2. Seguir Jesus requer novas atitudes
2.1 Tomar a cruz e seguir (Lucas 14,27)
Seguir as relações do reino e da sua justiça é
estar disposto a carregar a cruz. É tomar decisões que requerem desapego e
geram conflitos que levam ao desprendimento, a sofrimentos. É uma opção de vida
que supõe riscos e exige renúncias. Que renúncias?
Aqui, podemos lembrar as recusas do próprio Jesus.
Primeiro, deixou sua família em Nazaré, priorizando a missão conferida pelo
Espírito do Senhor no anúncio de uma boa notícia para os pobres (Lucas
4,16-31). Para priorizar o projeto do Pai, Jesus renunciou aos valores
oferecidos por este mundo injusto, simbolizado pela figura do diabo. Diante
dele, o nazareno rejeitou as riquezas, recusou o poder real e não aceitou a
oferta de prestígio (Lucas 4,1-13).
Isso significa que, para seguir Jesus na
radicalidade, é necessário ser uma pessoa livre, que não se deixa escravizar
pela propaganda consumista e pela oferta de bens, poder e fama como sentido de
vida.
2.2 Ser prudente e realista (Lucas 14,28-32)
Seguir o projeto do reino requer novas atitudes,
exige que sejamos pessoas recriadas. Então, Jesus conta duas parábolas que
ilustram o desafio para quem opta em segui-lo no caminho.
Na primeira (Lucas 14,28-30), ele mostra que o
seguimento não é fruto de uma opção que se faz de uma hora para outra, mas é
resultado de decisões bem pensadas, amadurecidas. Elas devem estar de acordo
com a realidade de cada pessoa que quer assumir o discipulado na radicalidade.
Somente assim pode haver fidelidade até o fim, evitando-se falsas ilusões, uma
vez que não basta boa vontade. Diferente é uma decisão momentânea. Esta é como
fogo de palha que logo se extingue e não persevera. Seguir Jesus é ser como o
construtor de uma torre. Ele planeja sua obra e avalia se tem recursos para
levar a obra até a sua conclusão.
Na segunda parábola (Lucas 14,31-32), Jesus
apresenta o exemplo de um rei prudente ao se defender de outro rei que vem
batalhar contra ele. A prudência leva a avaliar as condições que se tem para
assumir a missão. É necessário ter sabedoria e humildade para assumi-la com
coerência. É preciso também coragem e firmeza para suportar as consequências,
as cruzes que resultam da opção pela justiça do reino. As parábolas insistem na
clareza ao se fazer a opção em seguir Jesus na missão de viver as relações do
reino.
E nós hoje?
Certamente, as exigências de Jesus nos questionam
quando nossa ação evangelizadora está voltada mais para as “massas” e não tanto
para o “fermento”, isto é, o engajamento radical em favor da democracia, da
justiça e da partilha, da gratuidade e da superação de preconceitos.
É evidente que Jesus não recusa ninguém. Ele mesmo
acolheu com ternura um homem muito rico. Porém, não deixou de lhe mostrar que o
caminho da felicidade passa pela partilha (Lucas 18,18-23). Também foi comer na
casa de um ladrão confesso. Mas deixou claro que ele se tornaria discípulo do
reino na medida em que devolvesse o que roubara e partilhasse outro tanto com
os pobres (Lucas 19,1-10).
Com a narrativa da liturgia deste final de semana,
a comunidade de Lucas quer encorajar as pessoas que, ainda hoje, decidem
assumir fielmente o seguimento da proposta de Jesus. Quer animá-las a se
manterem firmes diante das calúnias e das difamações, das perseguições por
causa da justiça ou até da própria morte que vierem a sofrer por parte de
indivíduos e instituições que servem às riquezas deste mundo.
Este evangelho nos convida a perseverarmos na
fidelidade ao projeto do reino, custe o que custar, mesmo que a luta em favor
da inclusão de mulheres, pessoas negras e pobres gere o ódio da Casa Grande
contra nós. Importa que a vontade do Pai se torne realidade em nossas vidas
(cf. Lucas 22,42). E isso será possível na medida em que abrirmos nossos
corações ao mesmo Espírito que animou a missão de Jesus de Nazaré na intimidade
com o Pai (Lucas 4,18).
Qual é a nossa atitude diante dessas condições
exigentes que Jesus nos coloca? É de acolhida ou de indiferença? É de adesão ou
de repulsa?
Ildo Bohn Gass