quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Batismo de Jesus


Jesus é aliança entre os povos e luz para as nações!
(Is 42,1-7; Sl 28/29; At 10,34-38; Lc 3,15-16.21-22)
Com a festa do batismo de Jesus terminamos o ciclo litúrgico do natal e começamos o tempo comum. Mas não podemos esquecer que, na passagem da festa da epifania ao batismo de Jesus, estamos dando um salto histórico de trinta anos. O tempo da assim chamada ‘vida oculta’ ou ‘privada’ de Jesus, período que antecede o tempo da missã, é o tempo em que o Filho de Deus radicaliza a encarnação, assume a vida humana comum até as últimas conseqüências. Estes trinta anos não são apenas uma preparação da sua missão libertadora, mas a própria libertação em processo. O batismo de Jesus – já homem formado! – no rio Jordão expressa o amadurecimento da sua autoconsciência messiânica e o reconhecimento pós-pascal da sua filiação divina. Como soubemos acolher Jesus no cálido despojamento da manjedoura, sejamos também seus companheiros/as nessa passagem absolutamente fundamental.
“E todo povo foi batizado...”
Bem ou mal, o batismo passou a fazer parte da tradição cultural dos nossos povos. Feito em casa ou celebrado na igreja, é um rito sócio-religioso quase obrigatório. O sentido original perde-se no tempo e na inconsciência, mas nele se esconde um valor antropológico nem sempre explicitado: mais que um rito de passagem, é um rito de pertença a um povo, a uma nação. E isso mesmo quando uma cultura marcada pela liquidez insiste no caráter transitório de todos os vínculos.
Não podemos esquecer que o catolicismo foi religião oficial no Brasil, e que, assim, o batismo cristão acabou adquirindo o caráter de carta de cidadania brasileira. E numa sociedade que desarticula os vínculos e fragmenta a vida dos mais pobres, o batismo representa a oportunidade de estabelecer algumas alianças de sobrevivência com vizinhos/as, compadres e comadres. E passou a ser um ato de fé na força da vida, sempre severina e precária.
Há tempo tomamos consciência dessa marca cultural e social que o batismo adquiriu em terras brasileiras. Mas a má vontade com a qual boa parte dos padres celebram muitos batizados, assim como a multiplicação de exigências e cursos de preparação, deixa a impressão de que o batismo ainda é tratado como um rito religioso e excludente. Entretanto, sem menosprezar ou negar este significado antropológico e cultural, precisamos avançar para o seu sentido cristão fundamental.
“Eu coloquei sobre ele o meu Espírito para que ele promova o direito entre as nações.”
João, o profeta que batiza o povo disposto a converter-se, anuncia que está para chegar alguém mais forte e mais importante que ele, alguém que batizará com o Espírito Santo e com fogo e reunirá uma comunidade de discípulos/as itinerantes (representado pelo uso permanente de sandálias). Entretanto, este profeta mais forte deixa-se batizar por João Batista, junto com todo povo, no rio Jordão. Quem é esse personagem? De onde ele vem e o que propõe?
O evangelista registra que ‘todo povo foi batizado’, e não oferece nenhuma descrição ou detalhe de um batismo especial de Jesus. E também não dá nenhuma informação sobre sua origem e a identidade. Lendo o início do evangelho de Lucas, ficamos sabendo da sua misteriosa origem. Ele havia nascido e crescido em lugares insignificantes e suspeitos e, depois do encontro com o Batista e do discernimento no deserto, iniciaria sua missão exatamente na periferia do sistema.
O texto evangélico proclamado hoje omite a genealogia (cf. Lc 3,23-37), que insere Jesus no próprio coração da humanidade pecadora e sonhadora. Como sabemos pelos relatos anteriores, ele tem uma origem social que para muitos é suspeita e duvidosa, traz no corpo as marcas do trabalho e da marginalidade e, no coração, a esperança de um Messias justiceiro dos pobres. Conhecedor que era das tradições messiânicas do povo ao qual pertence, sabe que algumas abrigam estratégias violentas.
“O povo estava esperando o Messias.”
Em apenas uma frase e dois versículos, Lucas dá por terminada a descrição do batismo de Jesus. O tempo no qual ocorre não é propriamente especial em relação ao batismo dos demais habitantes da região da Judéia que confessam seus pecados. Não há notícia de tempo ou de lugar especial: aquele tempo e aquele lugar reúne os pecadores, e Jesus entra na fila, anônimo e incógnito. Mas há algo que marca claramente a vida daquele povo: a expectativa de que Deus estava enviando seu Ungido.
Ninguém vê nada de especial durante o batismo de Jesus, nem mesmo João Batista. Mas, depois do batismo, estando Jesus recolhido em oração, o céu se abre e o Espírito Santo desce sobre ele em forma de pomba. E no céu aberto ressoa uma voz: “Tu és meu filho amado; em ti encontro o meu agrado.” E nada mais. Nenhuma reação. Nenhuma aclamação ou comentário. Tudo transcorre como um fato absolutamente normal. Tanto que logo Jesus segue sozinho para o deserto.
“Tu és meu filho amado; em ti encontro meu agrado!”
Mas o que o batismo teria significado para aquele jovem galileu? O batismo no rio Jordão representava o cancelamento dos débitos do povo frente ao judaísmo. Quem era batizado na água se desobrigava frente às estruturas do sistema judaico, representado pelos sacerdotes e encarnado no templo. Era um grito de liberdade. O batismo expressava também o desejo de endireitar as estradas e de preparar os caminhos para o encontro com Deus, e a expectativa de que algo novo estava por acontecer.
Neste contexto, Jesus percebe que o céu está aberto, que Deus não dá as costas ao seu povo. Na imagem da pomba, ele intui que é tempo de retorno dos exilados (cf. Is 60,8; Os 11,11), de renovação da aliança (cf. Gn 8,6-12), de recriar relações de afeto e amor (cf. Ct 2,14; 5,2). E entende que ele – um homem que vem da pequena Nazaré e da suspeita Galiléia – é o filho querido que muito agrada a Deus. Descobre que é o filho ungido que se opõe aos poderosos da terra (cf. Sl 2), servo fiel que carrega os pecados do mundo (cf. Is 42,1-7), broto promissor numa terra ressequida (cf. Is 11,1-2).
“E o Espírito Santo desceu sobre Jesus em forma corpórea, como pomba.”
O batismo mostra que Jesus cresce na consciência de que uma nova criação está em gestação. Trata-se de um processo de alargamento da consciência que antecede o batismo e prossegue depois dele. Ao participar de um rito que proclamava o cancelamento dos pecados e débitos cobrados pelo templo, que tornava o povo livre frente aos seus valores e leis discriminadoras, Jesus se descobre uma pessoa livre, um ‘fora de lei’. Não há mais judeu ou grego, homem ou mulher, escravo ou livre.
E é por aqui que começa a nova criação, pois o pecado não é a ação contra ou fora da lei, mas o cumprimento das leis que hierarquizam e discriminam pessoas e povos. Os doutores da lei e os sacerdotes pecavam porque cumpriam os detalhes da lei e esqueciam a compaixão humana. A nova sociedade e a nova criação começam exatamente com a renúncia a esta velha ordem corruptora e opressora. Jesus enfrentará de novo essa velha ordem nas tentações.
O Espírito que desce ‘em forma corpórea, como pomba’ entra em cena para recordar o Espírito que pairava sobre as águas e que presidiu a primeira criação. Ele se faz presente em Jesus e, posteriormente, nos/as discípulos/as, para fazer a passagem da minoridade que limita e da escravidão que amedronta para a maioridade e a liberdade de filhos/as, nos/as quais o próprio Deus se reconhece e tem prazer. Ele  suscita testemunhas e sustenta a prática do bem e da justiça, tanto em Jesus como nos discípulos/as.
“Eu chamei você para a justiça, tomei-o pela mão e lhe dei forma...”
Às vezes temos a impressão de que o seguimento de Jesus Cristo é um caminho difícil e um fardo pesado, que para viver bem deveríamos renunciar ao Evangelho e colocar-nos a serviço dos nossos belos e infalíveis interesses. Mas qual é o preço que o mundo está pagando por assumir e propagar o ‘evangelho’ da competição predatória? A fome que agride multidões nos países africanos e as armas que assassinam crianças inocentes nos Estados Unidos?
Jesus de Nazaré, filho amado do Pai, irmão querido da humanidade, servo da paz e da justiça! No dia em que recordamos tua entrada na fila dos pecadores para receber o batismo de João, pedimos por tua Igreja: que ela não seja leal senão a ti e não procure agradar senão ao teu e nosso Pai. Que a Igreja, comunhão articulada de batizados/as, seja um ensaio geral da nova ordem, na qual as desigualdades sejam eliminadas e a dignidade de cada criatura seja afirmada sem mas nem porém. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

Nenhum comentário: