segunda-feira, 11 de março de 2013

Reflexões sobre a Igreja (4)


“Ninguém pode prender um sonho!”

No se evangelho Lucas nos diz que, depois do batismo e do retiro no deserto, Jesus volta à sua comunidade e afirma que sua missão é anunciar boas notícias aos pobres, libertação aos presos e oprimidos, visão clara aos cegos, enfim, proclamar o tempo da graça de Deus. E anuncia também que nele e nas suas ações se atualiza aquilo que só era promessa e utopia. Esta é uma boa inspiração para refletir sobre a questão da Igreja universal e da Igreja Particular.
Somos marcados pela história recente do cristianismo. O cristianismo do ocidente emergiu como religião predominante e o catolicismo como a maior entre as diversas tradições cristãs. A experiência de nossas comunidades rurais, onde a quase totalidade das pessoas é católica, reforçou mais ainda esta percepção. Ao mesmo tempo, a Igreja universal e sua sede romana foram muito sublinhadas na doutrina e na pastoral católicas. Com isso, fomos aos poucos esquecendo o caráter de minoria e de encarnação, traços fundamentais da Igreja.
A Igreja sempre foi e será um pequeno rebanho. A experiência original das primeiras gerações de cristãos foi a de ser um pequeno rebanho inserido numa multidão. As comparações com a semente de mostarda, com o fermento e com o sal apontam para essa consciência. Alguns intelectuais pagãos inclusive desafiavam os cristãos perguntando: se Deus está mesmo interessado na salvação de toda a humanidade, por que demorou tanto para constituir a Igreja e por que ela continua tão pequena?
A experiência eclesial de ser um grupo minoritário num mundo imenso e às vezes hostil não se restringe aos primeiros séculos. Se observarmos atentamente e considerarmos o mundo todo (e não apenas a Europa) os cristãos sempre atingiram uma parte muito pequena da humanidade. Mesmo hoje, depois de 2000 anos e muitos santos e mártires, os cristãos mal chegam a 20% da humanidade!
A Igreja é chamada a ser uma minoria significativa e ativa capaz de fazer diferença no mundo. Isso faz parte do mistério da encarnação de Jesus Cristo, que assumiu uma identidade, um lugar e um tempo determinado e limitado. Como Jesus de Nazaré, a Igreja assume uma fisionomia particular e localizada, mesmo que isso pareça uma limitação e um esvaziamento. E o Novo Testamento nos mostra que os cristãos denominavam "Igreja" as pequenas comunidades de discípulos e discípulas que se reuniam nas casas e cultivavam a memória de Jesus Cristo. Sem a encarnação numa comunidade concreta, a Igreja perde sua força de luz e fermento.
A Igreja sempre foi e será universal. Desde sempre, os minúsculos grupos de cristãos se sentiram chamados a ser um sacramento ou sinal de comunhão e solidariedade para toda a humanidade e se abriram às experiências de outras comunidades. Tiveram sempre a convicção de que a experiência de ser adotado por Deus como filhos e filhas e de doar a vida pelo próximo era um bem a ser partilhado com toda a humanidade. A Igreja entendeu que a função é ser sal, fermento e luz para todos, mas sem a ambição de atingir a extensão da humanidade.
A Igreja precisa ser universal, ou seja, afirmar que a boa notícia que ela anuncia não exclui nenhum povo, nenhuma cultura, nenhum aspecto da realidade humana ou social. E suas comunidades particulares estão abertas a todas as demais comunidades cristãs numa relação viva de dar e receber. As cúrias romana e diocesanas são canais e instrumentos que devem estar a serviço desta comunhão em pé de igualdade.
Para que a Igreja seja universal não é preciso que ela cubra geograficamente todo o mundo ou acolha todos os seres humanos no seu seio. Basta que ela seja capaz de reconhecer que a ação de toda pessoa que resgata e promove a vida, mesmo que ela não saiba, está servindo a Deus (cf. Mt 25,31-46). O cristianismo atinge o mundo pela prática do amor solidário, mesmo que anônimo.
Itacir Brassiani msf

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