quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

ANO C | TEMPO COMUM | TERCEIRO DOMINGO | 27.01.2019


Que o Evangelho de Jesus ressoe em meio a tantas más notícias!
Na pessoa de Jesus Cristo, Espírito e Palavra coincidem com exatidão, sem falta e sem sobra. Pregação e ação, promessa e presença se identificam. Depois do batismo, conduzido pelo Espírito, Jesus vai ao deserto para enfrentar e vencer as tentações, deixa o deserto e se se insere nas tradições e lutas do seu povo. Ele inicia sua vida pública nos povoados e sinagogas da Galileia. “Ele ensinava nas sinagogas e todos o elogiavam.” Sua ação é como de um mestre e reformador eloquente e experimentado. Mas ele não pretende simplesmente negar as instituições da sua religião e começar tudo de novo.
Jesus frequenta a sinagoga junto com seu povo, e isso é um hábito, e não algo que faz esporadicamente. O evangelista Lucas diz que este era um costume de Jesus. Isso revela uma atitude de discípulo. Como qualquer pessoa que se põe nos caminhos de Deus, Jesus necessita de um horizonte e de uma referência para sua vida e sua missão. Sedento de utopias humanas e faminto das promessas de Deus, ele busca orientação na Palavra de Deus. Num sábado, procura diligentemente e encontra a passagem na qual o profeta Isaías tenta suscitar a esperança num povo radicalmente desesperançado.
Como Esdras fez no passado, Jesus lê a palavra que Deus suscitara mediante o profeta “para todos os homens e mulheres e todos os que tinham uso da razão”. Mas a lê também para si mesmo, buscando nela uma orientação para melhor entender sua missão. “Anunciar a Boa Notícia aos pobres; para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; libertar os oprimidos, e para proclamar um ano da graça do Senhor.” O Espírito e a Palavra enviam seus ungidos a uma missão historicamente engajada e relevante, sempre em favor dos últimos. Estes não são indiferentes ou estranhos ao povo de Deus.
Não resisto à tentação de comparar o discurso inaugural de Jesus com o discurso de campanha e de posse daquele que, com o nome de Messias, assumiu a presidência da república do Brasil. Imaginem Jesus anunciando que veio para que todos possam ter sua arma, para impedir que os indígenas tenham sequer um centímetro de terra demarcada, para matar os 50 mil que a ditadura não matou, para promover uma guerra sanadora, para que os últimos continuem no fim da fila... O que me parece inacreditável é que esse senhor diz agir guiado por sua fé, e é incensado por multidões que professam publicamente sua fé em Jesus Cristo!
Jesus desenvolveu sua missão evangelizadora num tempo em que a gratuidade não estava em alta. Os invasores romanos exigiam tributos, mesmo às custas da miséria do povo, e os sacerdotes do templo cobravam a reparação ritual até das faltas mais irrelevantes. Para o judaísmo, pobres, presos, cegos e oprimidos eram pecadores e, por isso, devedores, “vagabundos”. Para os líderes religiosos, os pecados e impurezas do povo deveriam ser pagos sem descontos. A pregação do perdão pelo arrependimento era coisa muito recente e suspeita, sustentada pelo profeta que batizava nas margens do rio e poucos outros...
Jesus vai à Sinagoga para resgatar uma esperança popular enraizada na própria escritura e para questionar a pregação oficial. Ele entende que sua missão é anunciar que chegou o tempo do jubileu, do cancelamento de todas as dívidas, da remissão de todos os pecados: enfim, um tempo de misericórdia, e não de sacrifícios. Para Jesus, Deus não é nem delegado de polícia, nem agente do Serviço de Proteção ao Crédito, um capitão do exército. Seu anúncio é um Evangelho é, literalmente, uma boa notícia. Por isso, não pode ser reduzido a uma pesada e sofisticada doutrina moral, imposta a um povo já cansado e abatido.
A ‘homilia’ que Jesus fez sobre a profecia que acabara de ler foi breve e concreta. “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura, que vocês acabam de ouvir.” A comunidade, que estava como que suspensa diante da proclamação da Palavra e tinha os olhos fixos no jovem pregador, foi por ele chamada ao presente concreto. Como ouvinte habitual da Palavra de Deus, Jesus percebe que o tempo está maduro e que Deus se dirige a ele. O filho amado é também o profeta e reformador esperado. Quando a profecia não se realiza no engajamento nas lutas e movimentos de libertação, é apenas meia-palavra.
Jesus de Nazaré, ouvinte da Palavra do pai e Palavra que se faz carne para que toda carne se torne Palavra: ensina-nos a levar sério o teu Evangelho. Com Paulo, teu apaixonado missionário, descobrimos que teu corpo é formado de muitos e diversos membros, unificados por teu Espírito. Ajuda-nos a reconhecer nos pobres membros que precisam ouvir boas notícias; nos oprimidos, membros que necessitam da tua liberdade; nas pessoas dependentes e endividadas, gente que tem o direito à gratuidade. Assim seja! Amém!
            Itacir Brassiani msf
                     Livro de Neemias | Salmo 18B (19B)
1ª. Carta de Paulo aos Coríntios 12,12-30| Evangelho de São Lucas 1,1-4.4,14-21

Nenhum comentário: