quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

ANO C | TEMPO DO NATAL | FESTA DA MANIFESTAÇÃO DO SENHOR | 06.01.2019


A violência e o medo não são exclusividade de Herodes!
Dentro do tempo litúrgico do Natal, sempre inspirador, hoje somos convidados a participar da manifestação de Jesus Cristo como caminho de salvação aberto a todos os povos. Em Jesus, todos as pessoas, grupos, povos e religiões são reconhecidos como legítimos herdeiros do Reino de Deus. Assim, Jesus Cristo n­ão é propriedade dos católicos, nem dos cristãos. O cristão verdadeiro é católico, aberto, universal, avesso a rotulações do tipo “é comunista, de esquerda”, “não passa de um refugiado”, é “evangélico, pentecostal”, “é pagão”. O encontro verdadeiro e profundo com Deus encarnado nos leva a mudar conceitos e rumos!
Paulo nos fala de um mistério até então desconhecido e finalmente a ele revelado: que todos os povos e religiões participam da mesma herança do Reino de Deus e são membros do corpo de Cristo em igual dignidade com os judeus. Com isso, Paulo derruba todos os muros que hierarquizam e separam, mas também atrai a desconfiança e a ira de muitos compatriotas. Em nome de Deus, o apóstolo das nações nega toda espécie de privilégio ou superioridade baseada em princípios religiosos. Na raiz da nossa fé está esta alegre descoberta da igualdade, sem privilégios. Mas como é difícil assimilar este aspecto da nossa fé!
O evangelho de hoje nos apresenta homens de outros pagos e diferentes crenças, que chegam a Jerusalém vindos do oriente, guiados por uma estrela. Eles batem às portas dos chefes políticos e dos líderes religiosos, comodamente instalados na capital, pedindo ajuda para decifrar os sinais e descobrir o caminho. Os escribas mostram que sabem, mas são incapazes de se mover. Herodes parece desejar saber das coisas, mas é assaltado pelo medo de perder o poder. Os magos aprendem e ensinam que Aquele que merece honra e reverência não costuma instalar-se nos palácios e templos, nem morar e demorar nas capitais...
Herodes aconselha aqueles peregrinos vindos do oriente a irem a Belém em busca de informações, mas eles caminham levando presentes, e não cadernos de anotações... A estrela-sinal cumpre seu papel transitório, mas, para esses buscadores de Deus, o sinal de que a humanidade tem um novo líder é o “menino deitado na manjedoura”. Os magos reconhecem a realeza de Jesus Menino e lhe oferecem ouro. Proclamam sua divindade oferecendo-lhe incenso. Prenunciam já sua humana morte oferecendo-lhe mirra. Mas eles não voltam pelo mesmo caminho, e o mesmo fato que faz a alegria deles provoca o medo de Herodes...
Este é o núcleo da fé que professamos: um Deus que se sente bem assumindo a carne humana e que, por amor solidário, não recusa a cruz. Como é possível que tenhamos nos afastado tão perigosamente disso? Como entender que as igrejas tenham transformado a estrebaria em palácio, os sábios estrangeiros em reis que barram migrantes, os pastores em imperadores sedentos de mais poder e domínio? Como é possível que tenhamos descafeinado a fé cristã, reduzindo-a a uma espécie de analgésico para acalmar as dores de consciência, ou, pior ainda, em mecanismo de sustentação de poderes despóticos?
Como é que certos setores do cristianismo, que multiplicam glórias e louvores públicos ao nome de Jesus, incriminam, ainda com mais força e publicidade, quem não comunga da sua estreita ideologia, quem não compartilha seus mesquinhos interesses e quem não professa sua surrada cartilha? Que misteriosa e tenebrosa cegueira tomou conta deles e os faz desejar a morte dos inimigos e perseguir índios, negros, migrantes e pobres? Que tipo de tolice tomou conta da mente e da fé dessa gente e a tornou incapaz de admitir a mentira dos mitos que engolem como a mais pura e íntegra verdade?
Observando a espécie de operação de guerra que se montou na capital federal para o início do mandato do presidente eleito, interrogo-me preocupado: será que o medo que tirava o sono de Herodes deixou Jerusalém, atravessou os mares e se instalou em Brasília? Será que o espírito assombrado e tenebroso do coronel Ustra, invocado e admirado pelo hoje presidente, está tomando o lugar da estrela de Belém e trazendo medo aos amantes da tortura? Outros são os caminhos da paz, outra é a segurança que o povo brasileiro necessita: respeito aos direitos e à dignidade, conquistados com lutas de anos e com sangue!
Dirigimo-nos a ti, Deus dos humilhados, Deus envolto em faixas, destino e refúgio de todos os que peregrinam nas estradas de um mundo desigual. Dá-nos palavras e sinais que guiem nossos passos inseguros no rumo certo. Não permite que nos detenhamos nos palácios que, geralmente, escondem tramas e prisões. Ajuda-nos a reconhecer tua presença na Belém de todos os homens e mulheres, e a ver a fé dos outros como caminhos que conduzem ao encontro contigo no coração das tuas amadas criaturas. Assim seja! Amém!
                                                                                                    Itacir Brassiani msf
Profecia de Isaías 60,1-6 | Salmo 71 (72)
Carta de São Paulo aos Efésios 3,2-6| Evangelho de São Mateus 12,1-12

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