O Espírito da Verdade consola
e emancipa o povo de Deus!
A
experiência de orfandade é semelhante à situação de uma pessoa que perdeu as
referências fundamentais e, que não consegue mais tocar suas raízes, não tem
mais colo nem horizonte. É como alguém que é processado e não conta com um
advogado que fale em seu nome. Orfandade significa falta de assistência, de
proteção, de defesa, de consolação, enfim, uma situação de vulnerabilidade.
Nestas circunstâncias, por mais clara que seja a inocência, a liberdade e
dignidade correm sérios riscos
É assim
que se sentiam os apóstolos naquela misteriosa noite de despedida de Jesus, narrada
pelo evangelista. Eles haviam partilhado pão e vinho e visto Jesus se inclinar
e lavar seus pés. Haviam ouvido da sua própria boca que um deles o trairia,
outro o negaria e todos se dispersariam. Sentiam que a imagem de Deus que
tinham construído se dissolvia diante do ensino e dos gestos de Jesus. Anteviam
o seu destino – prisão, condenação e execução – e sentiam-se inseguros e órfãos
da utopia do Reino.
É neste
contexto que Jesus promete-lhes um outro Advogado ou Defensor: alguém que
falaria por eles e em lugar deles nas acusações e nos tribunais. Este defensor
agiria como os pais, que, além de serem o fio que liga as novas gerações ao
passado e os indivíduos a uma família, assumem a defesa e a tutela dos filhos
menores e em situação de vulnerabilidade. Agiria como Jesus, que assumiu esta
dupla missão junto aos discípulos: ser o advogado de defesa e o irmão
primogênito que revela e torna presente o Pai.
Daí a
promessa consoladora e encorajadora de Jesus Cristo aos discípulos: “O pai dará
a vocês outro Defensor... Eu não vos deixarei órfãos...” O Espírito da
Verdade-Fidelidade nos ajuda a superar a orfandade e nos faz filhos de Deus e
herdeiros do Reino anunciado e iniciado por Jesus Cristo. Ele também faz perseverantes
no dinamismo do Amor a Jesus Cristo e ao próximo, especialmente aqueles que
padecem as maiores necessidades. O amor a Jesus Cristo se mostra na atitude
cuidar do seu rebanho, e nada pode ser posto acima do amor a Jesus Cristo e aos
pobres nos quais ele vive.
Entretanto,
este amor não é apenas uma questão ética, um simples e inflexível imperativo
categórico. O amor é um movimento livre e libertador, original e fecundo, que
brota do núcleo mais profundo dos discípulos de Jesus como sopro novo do Espírito
Santo. Neste dinamismo de saída de nós mesmos para entregarmo-nos e
descobrirmo-nos no Outro fazemos a experiência de estar em Deus, de habitar
nele em segurança, de ter um Pai real, amável, presente e próximo.
E não é
só isso. Na medida em que percorremos responsavelmente este êxodo de nós mesmos
em direção ao outro e ao futuro, experimentamos também o advento do próprio
Deus no nosso corpo, no coração do mundo. Mediante o amor solidário não é
apenas o ser humano que está em Deus, mas o próprio Deus vem habitar nesta sua
amante criatura e fazer dela sua morada definitiva. “Vocês compreenderão que eu
estou no Pai, vocês em mim e eu em vocês...”
Alguém
disse que a forma mais eficaz de acabar com o amor é torná-lo obrigatório. Mas
poderíamos acrescentar: a forma mais eficaz de esterilizá-lo é reduzi-lo a um
sentimento. O amor é uma relação num ambiente de aliança, uma atitude que
supera a veleidade dos sentimentos. É atitude, relação, ação que reconhece e
afirma o outro em sua dignidade. Se tivermos dúvida sobre o que significa amar,
olhemos para o que fez Jesus Cristo. Nele certamente encontraremos mais que
meros sentimentos. E aprendemos que o amamos na medida em que acolhemos e
praticamos seu mandamento de amor ao próximo.
Pedro
pede que estejamos sempre prontos a tornar públicas as razões da esperança que
nos faz viver, mas também sugere que o façamos com mansidão, respeito e
delicadeza. Estejamos pois dispostos a sofrer por causa da esperança e do amor
que nos faz próximos daqueles que estão longe. E que esta ação portadora do
sopro do Espírito de Deus impressione e seduza os homens e mulheres, e os leve
a prostrarem-se diante do Deus que realiza isso mediante seus servos e servas.
Deus querido e amável, Pai que defende e Mãe que
consola: Vem em nosso socorro e permanece conosco nas muitas travessias que nos
encantam e amedrontam. Ensina a Igreja a permanecer no teu amor, a flexibilizar
seu corpo enrijecido pelo hábito das leis e pelo medo da liberdade. Que o
Espírito de Lealdade e de Verdade nos mantenha no caminho do amor que teu Filho
percorreu e ensinou, nos ajude a entender sua Palavra com a mente, o coração e
as mãos, multiplique nossa alegria diante dos povos que acolhem essa Palavra, e
nos guie como discípulos e missionários ao coração do mundo. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Atos dos Apóstolos 8,5-17 * Salmo 65 (66) * Primeira
Carta de Pedro 3,15-18 * Evangelho de Joao 14,15-21)
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