Onde está o nosso
tesouro, aí está também nosso coração!
Todos já
fizemos a experiência de correr riscos. Dando por descontado que viver é em si
mesmo um perigo, sabemos o risco que significa escolher uma vocação, iniciar um
curso superior, investir numa atividade nova, apostar todas as cartas num
determinado relacionamento afetivo... Quanto mais precioso nos parece o objeto,
maior é a disposição para o sacrifício e menores são ponderações e receios.
Para Jesus de Nazaré, a alegria contagiante de um ser humano que recupera a autonomia
e a cidadania representa um tesouro precioso e impagável, diante do qual tudo o
resto parece lixo.
Na
liturgia dos últimos domingos, Jesus vem nos falando do mistério do Reino de
Deus através de diversas parábolas. O sonho de Deus é semelhante a um semeador
que, mesmo sabendo que parte da semente se perderá, não deixa de semear. É
comparável também a um plantador que, apesar de ter usado boa semente, é
surpreendido pelo o capim que cresce junto com o trigo. E pode também ser
comparado à semente de mostarda: apesar de sua pequenez, está na origem de um
apreciável arbusto. Seu dinamismo é comparável enfim ao fermento que desaparece
na farinha e faz crescer a massa...
Neste
domingo, Jesus nos apresenta a imagem do trabalhador rural que encontra um
precioso tesouro no campo do seu patrão. Ao encontrar o tesouro, o homem é
tomado pela surpresa, pois não estava procurando nada. Então ele mantém o
tesouro escondido e, sem dizer nada a ninguém e cheio de alegria, se desfaz de
tudo o que tem e compra o campo que escondia o tesouro. Para um simples
empregado diarista, este é um negócio ousado e arriscado, que só se justifica
pelo valor que o tesouro tem ao seus olhos. Ele vende, arrisca ou perde tudo
para ficar com o único bem que vale a pena.
Um
segundo personagem que Jesus nos apresenta como modelo é um comerciante de
pérolas preciosas. Este sim está empenhado na procura de uma pérola de grande
valor e, quando a encontra, vende todos os seus bens e compra a tal pérola.
Este parece ser um negócio um pouco mais seguro, mas é comparável ao anterior
no que diz respeito à necessidade de vender tudo para realizá-lo. Em ambos os
casos, a experiência de encontrar algo precioso desestabiliza o equilíbrio dos
negócios, relativiza as propriedades e chama a arriscar. E tanto o peão como o
comerciante tomam a decisão certa.
Eis o
desafio para os discípulos e discípulas de Jesus: tendo descoberto a
preciosidade do Reino de Deus – o valor irredutível e impagável da liberdade e
da vida digna de cada pessoa em sua singularidade, o horizonte deslumbrante de
um mundo de irmãos e irmãs de fato – quem segue Jesus de Nazaré é impulsionado
a hipotecar ou subordinar tudo o mais – reputação, carreira, bem-estar individual
e até família e religião – em função desse bem maior. Deus não tem tempo para
tratar de pequenos negócios conosco. Seu projeto é vida abundante, para todos,
e isso urge. É tudo ou nada. E já!
Nosso
batismo pressupõe esta opção de risco. Parece que poucas pessoas têm clara
consciência disso, pois se não for assim, como explicar o descompromisso com
que muitas o celebram? Dá vontade de aumentar as exigências de preparação ou
até interditar o batismo a quem não acorda para o compromisso que ele implica,
ou transformar a igreja numa alfandega, repleta de taxas... Mas o próprio Jesus
ensina que o Reino de Deus é também semelhante a uma rede lançada ao mar, que
recolhe peixes bons e peixes de qualidade questionável... E nós precisamos
prestar atenção à sabedoria dos pescadores!
Um
pescador experiente sabe que não é sensato esperar que a rede recolha apenas
peixes bons e apropriados para o consumo e o comércio. E o trabalho árduo e
criterioso de separar peixes bons e peixes ruins não pode ser feito durante a pesca
e em alto mar, vem depois. Mas não tiremos conclusões apressadas e superficiais...
Estre trabalho de caráter judicial não é de nossa responsabilidade, nem mesmo
das nossas Igrejas! Mais que pescadores, somos peixes, e não estamos seguros da
nossa própria qualidade! Deixemos ao fim dos tempos e aos anjos de Deus essa
difícil tarefa de separar.
Deus Pai e Mãe, amante das criaturas e condutor da
história: teu projeto de comunhão solidária de todas as criaturas é o tesouro
mais precioso e a herança mais comprometedora que poderias nos entregar. Teu
filho é o verdadeiro doutor da lei, aquele que aprendeu e ensinou o mistério do
teu Reino: ele sabe vasculhar o baú da história e tirar dele coisas novas e
velhas, e nos convida a fazer o mesmo. Dá-nos, Senhor, Sabedoria para
distinguir o bem do mal e praticar a justiça, convictos de que tudo concorre
para o bem daqueles que amam a Deus e o próximo. Dá-nos, enfim, a alegre
ousadia de investir com imensa generosamente tudo o que somos e temos no teu
sonho de igualdade e libertação. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(1°
Livro dos Reis 3,5-12 * Salmo 118 (119) * Carta de Paulo aos Romanos 8,28-30 * Evangelho
de São Mateus 13,44-52)
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