Jesus espera de nós
mais que práticas piedosas e respeito às leis!
Depois do
batismo, Jesus não saiu de férias. O batismo marcou o amadurecimento da sua
consciência messiânica e o início da missão de libertar as pessoas e povos
oprimidos. Então, Jesus deixou a Judéia e voltou para a sua região periférica e,
em Caná, na Galileia, realizou aquele que, segundo o evangelista João, foi o
primeiro sinal da chegada do Reino de Deus: a transformação da carência em
abundância, da tristeza em festa, da água em vinho bom e abundante. Jesus
mostra que Deus se importa com as necessidades do seu povo e faz com ele uma
aliança definitiva, e o vinho expressa a alegria dos novos tempos que se
iniciam.
É mais que
tempo de perceber e de dizer com clareza e coragem que o modelo de vida
propagandeado pelo capitalismo ocidental fracassou, que o vinho acabou no meio
da festa, que as talhas de pedra estão frias, pesadas e vazias. Precisamos
buscar novos caminhos, inventar novas regras, sonhar novos mundos. É necessário
também superar a tentação de buscar a saída para trás, de ressuscitar
tradicionalismos e autoritarismos mortos e embalsamados. Até o novo governo do
Brasil parece definhar enquanto debuta. É tempo de abrir os ouvidos às vozes
que há tempo vêm denunciando: ‘Eles não têm mais vinho...’
A saída não é
fazer aquilo que o mercado está ditando ou aquilo que a cultura ocidental
ensina há séculos. Não basta obedecer às vozes que mandam ‘faça alguma coisa!’ ou
anunciam genericamente mudar “tudo isso daí”. Não basta manter a receita que
produziu a tragédia. Por mais atraentes que sejam, as propostas que pedem armas
e austeridade não trazem a marca do Reino! É preciso descobrir a orientação
correta e fazer a coisa certa. E aqui entra de novo aquela lucidez que só o
feminino resistente e ousado consegue preservar: ‘Façam o que Ele mandar!’ Eis
a indicação: acolher a Palavra e seguir o caminho aberto por Jesus.
E Ele começa
pedindo que mudemos o rumo e o conteúdo da nossa vida. As talhas velhas e
pesadas não têm mais o que fazer com a purificação, até porque Deus não está
interessado nestes ritos. Entre Deus e seus filhos e filhas não existe um muro
alto e sólido, construído com blocos de leis e prescrições, ou com aço, como
quer o ‘imperador do norte’. Deus ama, é essencialmente misericórdia, e nada
pode aproximar-nos dele a não ser a prática do amor e da misericórdia. E para
evitar sobrecargas inúteis, ele mesmo toma a iniciativa e nos assume como
parceiros numa aliança indestrutível. E pede que façamos algo.
Como a
Nicodemos, Jesus nos diz que precisamos nascer de novo, e isso supõe
desaprender. Como à mulher samaritana, ele nos pede adoração em espírito e
verdade, e isso significa derrubar os muros que separam povos e religiões. Como
ao jovem André, ele pede que partilhemos os pães e peixes, para que as
multidões tenham o alimento que necessitam e a dignidade inviolável. Aos
canonistas e legalistas ele pede que acolham os pecadores e só atirem pedras quando
e se eles mesmos não tiverem pecado. A todos ele ordena: ‘Amem-se uns aos
outros como eu amei vocês.’ Nisso não há sequer sombra de meritocracia ou de
“legítima defesa”.
Aderir a Jesus
Cristo é entrar num caminho de permanente transformação. É verdade que existem
pessoas – e até líderes religiosos – que, mesmo tendo provado a qualidade do
vinho novo, não se dão conta da sua origem, e simplesmente continuam a cínica festa
de uns poucos. Não percebem que a lei divide e exclui, que a aliança com os
poderes é estéril e caduca, que a repetição de práticas de piedade não é
suficiente, que mudar o rótulo e embelezar o pacote não muda o conteúdo da fé.
Pobres mestres-salas, que estranham a transformação da água em vinho mas
decidem que tudo deve continuar como antes.
Na Carta aos
Coríntios, Paulo nos convida a celebrar a novidade e a diversidade desde sempre
desejadas por Deus: diversidade de dons e serviços, de pessoas e funções, de
Igrejas e culturas... Essa diversidade faz parte dos tempos da abundância,
inaugurados por Jesus Cristo no casamento de Caná e expandidos pelo Espírito
Santo. As capacidades são diferentes, mas o Espírito é o mesmo. Os serviços são
diversos, mas o Senhor é o mesmo. As ações são múltiplas, mas o sujeito da
atividade é sempre o mesmo Deus. O que ninguém pode esquecer é que todos somos
chamados trabalhar para que a ninguém falte o vinho...
Jesus de Nazaré, conviva atento na festa de Caná, presença desejada em
todas as festas da vida! Ajuda-nos a perceber a diferença entre as práticas de
quem escuta tua Palavra e segue teus passos e a postura daqueles que continuam
apostando nas leis e sistemas que discriminam. Dá-nos sabedoria para reconhecer
os diferentes dons e iniciativas que procedem do mesmo espírito. E ajuda nossas
comunidades a aprenderem de Maria a fazer tudo aquilo que Jesus pede, e não
apenas o que as agrada ou convém. Assim seja! Amém!
Itacir
Brassiani msf
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