quarta-feira, 10 de julho de 2019

ANO C | TEMPO COMUM | DÉCIMO-QUINTO DOMINGO | 14.07.2019


As vítimas acima de todos, a solidariedade acima de tudo!
O Verbo de Deus não cessa de fazer-se carne, mas nós estamos sempre às voltas com a tentação de menosprezar este substantivo em nome de dissimulantes adjetivos ou interesses subjetivos. Agrada-nos esquecer que Deus ama a terra e a humana carne, e preferimos levantar questões sobre a vida eterna. O essencial da vida cristã, não é complicado e não se esconde em difíceis fórmulas ou teoremas. Precisamos livrar-nos da mania dos especialistas: levantar sempre novas perguntas, acrescentar novos pontos na discussão já esgotada, formular conceitos que nos mantêm soberanamente inativos e indiferentes.
Fato é que muitas das perguntas que fazemos não passam de estratégias para desviar da questão central. Isso acontecia também no tempo de Jesus. Ele acabara de enviar os discípulos e discípulas – muitos de origem samaritana – em missão. Os discípulos missionários voltavam com o coração cheio de alegria e de novidades para partilhar. Haviam anunciado a proximidade do Reino de Deus, curado doentes, reconstruído a paz; haviam se hospedado nas casas de pessoas desprezadas e sentado à mesa com elas. Para as pessoas muito espiritualistas, tudo isso parecia ser coisa demasiadamente corporal, material e terrena.
Então, entre decepcionado e escandalizado, um doutor da lei procura testar a ortodoxia de Jesus e recolocá-lo nos trilhos daquilo que entendia ser a verdadeira religião. Com a pergunta pela vida eterna, o teólogo do judaísmo quer afastar Jesus das preocupações com a vida cotidiana do seu povo. Considerando também a passagem de Lucas 18,18-30, parece que quem levanta perguntas sobre a vida eterna são especialmente as pessoas que não querem se comprometer com os irmãos e irmãs. Como se a religião fosse uma espécie de droga para nos afastar das dificuldades da vida presente.
Sabendo da erudição teológica, da estreiteza de horizontes e da má intenção do doutor da Lei, Jesus não responde à sua pergunta. Simplesmente pede ele mesmo a responda, o que faz com absoluta precisão: as Escrituras mandam amar a Deus com todo o coração, com toda alma e com toda a força, e ao próximo como a si mesmo. O que Jesus faz é chamar a atenção para a dimensão prática desta doutrina: “Faze isso e viverás.” O segredo da vida está na prática e não na prédica! Jesus não diz que este é o caminho para assegurar uma vida suplementar e superior depois ou à margem desta vida, mas simplesmente um caminho de vida.
Com a primeira pergunta, o doutor da lei queria testar a ortodoxia de Jesus. Com a segunda, pretende se justificar. A questão do amor a Deus é abstrata, manipulável e pouco mensurável, enquanto que amor ao próximo é mais concreto. Mas as autoridades religiosas discutiam incansavelmente sobre a quem se aplica o apelativo ‘próximo’. A doutrina oficial praticamente identificava o próximo com as pessoas que pertenciam ao judaísmo, com os membros do próprio grupo. Por trás da tentativa de justificar a estreiteza do seu mundo, o doutor da lei escondia a implícita intenção de recriminar a prática inclusiva de Jesus.
Jesus evita sabiamente a discussão teórica sobre quem é o próximo. Ele prefere propor uma situação concreta. Há um homem (não se diz se é judeu o pagão!) agredido, caído na estrada, necessitado de socorro. Um sacerdote e um levita passam pelo local, enxergam a pessoa assaltada e ferida, mas não tomam conhecimento de suas necessidades, afastam-se e seguem o caminho exclusivo da atenção às práticas religiosas e aos códigos legais. Afinal, aquele sujeito caído na estrada poderia ser alguém que deixara a cidade santa Jerusalém e abandonara a comunidade de fé.
Aparece então um homem que vivia na Samaria e que, movido pela compaixão, se aproxima da pessoa ferida e, sem perguntar se é ou não é seu próximo, cuida dos ferimentos, carrega-a no próprio animal e convoca outros a completar seu cuidado. Uma pessoa que não vinha do templo e que carregava na própria carne a ferida do desprezo e da exclusão foi capaz de perceber a necessidade e se aproximar de uma outra pessoa menosprezada e ignorada. O critério que orientou sua ação não foi a pertença religiosa mas a necessidade humana.  O anônimo e desprezado samaritano realizou o mandamento, fez-se próximo!
Jesus, divino samaritano e cabeça de um corpo formado de discípulos e discípulas. Somos a Igreja, teu corpo vivo na história, e não queremos ter outro caminho que não seja o teu. Ajuda-nos a seguir teus passos e as batidas do teu coração, caminhando compassivamente ao encontro das pessoas consideradas indignas ou inúteis pelos sistemas que se guiam pelo poder e pelo lucro. Que nossos passos jamais se afastem daqueles que só podem contar conosco, pois este é o segredo de uma vida plena de sentido e de luz. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
             Livro do Deuteronômio 30,10-14 | Salmo 8(19)       
Carta de Paulo aos Colossenses 1,15-20 | Evangelho de São Lucas 10,25-37

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