As vítimas acima de todos, a solidariedade acima de tudo!
O Verbo de Deus não cessa de fazer-se carne,
mas nós estamos sempre às voltas com a tentação de menosprezar este substantivo
em nome de dissimulantes adjetivos ou interesses subjetivos. Agrada-nos
esquecer que Deus ama a terra e a humana carne, e preferimos levantar questões
sobre a vida eterna. O essencial da vida cristã, não é complicado e não se
esconde em difíceis fórmulas ou teoremas. Precisamos livrar-nos da mania dos
especialistas: levantar sempre novas perguntas, acrescentar novos pontos na
discussão já esgotada, formular conceitos que nos mantêm soberanamente inativos
e indiferentes.
Fato é que muitas das perguntas que fazemos
não passam de estratégias para desviar da questão central. Isso acontecia
também no tempo de Jesus. Ele acabara de enviar os discípulos e discípulas –
muitos de origem samaritana – em missão. Os discípulos missionários voltavam
com o coração cheio de alegria e de novidades para partilhar. Haviam anunciado
a proximidade do Reino de Deus, curado doentes, reconstruído a paz; haviam se
hospedado nas casas de pessoas desprezadas e sentado à mesa com elas. Para as
pessoas muito espiritualistas, tudo isso parecia ser coisa demasiadamente
corporal, material e terrena.
Então, entre decepcionado e escandalizado, um
doutor da lei procura testar a ortodoxia de Jesus e recolocá-lo nos trilhos daquilo
que entendia ser a verdadeira religião. Com a pergunta pela vida eterna, o
teólogo do judaísmo quer afastar Jesus das preocupações com a vida cotidiana do
seu povo. Considerando também a passagem de Lucas 18,18-30, parece que quem
levanta perguntas sobre a vida eterna são especialmente as pessoas que não
querem se comprometer com os irmãos e irmãs. Como se a religião fosse uma espécie
de droga para nos afastar das dificuldades da vida presente.
Sabendo da erudição teológica, da estreiteza
de horizontes e da má intenção do doutor da Lei, Jesus não responde à sua
pergunta. Simplesmente pede ele mesmo a responda, o que faz com absoluta
precisão: as Escrituras mandam amar a Deus com todo o coração, com toda alma e
com toda a força, e ao próximo como a si mesmo. O que Jesus faz é chamar a
atenção para a dimensão prática desta doutrina: “Faze isso e viverás.” O segredo da vida está na prática e não na
prédica! Jesus não diz que este é o caminho para assegurar uma vida suplementar
e superior depois ou à margem desta vida, mas simplesmente um caminho de vida.
Com a primeira pergunta, o doutor da lei
queria testar a ortodoxia de Jesus. Com a segunda, pretende se justificar. A
questão do amor a Deus é abstrata, manipulável e pouco mensurável, enquanto que
amor ao próximo é mais concreto. Mas as autoridades religiosas discutiam
incansavelmente sobre a quem se aplica o apelativo ‘próximo’. A doutrina
oficial praticamente identificava o próximo com as pessoas que pertenciam ao
judaísmo, com os membros do próprio grupo. Por trás da tentativa de justificar
a estreiteza do seu mundo, o doutor da lei escondia a implícita intenção de
recriminar a prática inclusiva de Jesus.
Jesus evita sabiamente a discussão teórica
sobre quem é o próximo. Ele prefere propor uma situação concreta. Há um homem
(não se diz se é judeu o pagão!) agredido, caído na estrada, necessitado de
socorro. Um sacerdote e um levita passam pelo local, enxergam a pessoa
assaltada e ferida, mas não tomam conhecimento de suas necessidades, afastam-se
e seguem o caminho exclusivo da atenção às práticas religiosas e aos códigos
legais. Afinal, aquele sujeito caído na estrada poderia ser alguém que deixara
a cidade santa Jerusalém e abandonara a comunidade de fé.
Aparece então um homem que vivia na Samaria e
que, movido pela compaixão, se aproxima da pessoa ferida e, sem perguntar se é
ou não é seu próximo, cuida dos ferimentos, carrega-a no próprio animal e
convoca outros a completar seu cuidado. Uma pessoa que não vinha do templo e que
carregava na própria carne a ferida do desprezo e da exclusão foi capaz de
perceber a necessidade e se aproximar de uma outra pessoa menosprezada e
ignorada. O critério que orientou sua ação não foi a pertença religiosa mas a
necessidade humana. O anônimo e
desprezado samaritano realizou o mandamento, fez-se próximo!
Jesus, divino samaritano e cabeça de um corpo formado de discípulos e
discípulas. Somos a Igreja, teu corpo vivo na história, e não queremos ter
outro caminho que não seja o teu. Ajuda-nos a seguir teus passos e as batidas
do teu coração, caminhando compassivamente ao encontro das pessoas consideradas
indignas ou inúteis pelos sistemas que se guiam pelo poder e pelo lucro. Que
nossos passos jamais se afastem daqueles que só podem contar conosco, pois este
é o segredo de uma vida plena de sentido e de luz. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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