Revestir-se do homem novo é buscar o Reino de deus!
Qual é a
intenção do anônimo personagem do evangelho deste domingo quando chama Jesus de
‘mestre’? Depois da discussão sobre a autoridade de Jesus para expulsar
demônios, da advertência sobre a busca obsessiva de sinais grandiosos e da
crítica dura aos fariseus e doutores da lei, Lucas diz que “alguém do meio da
multidão” pede a Jesus, sem esconder o habito de dar ordens: “Mestre, dize ao
meu irmão que reparta a herança comigo.”
Este sujeito não parece ser um dos discípulos que seguem Jesus no
caminho a Jerusalém...
De fato, no
evangelho segundo Lucas são sempre as pessoas estranhas a Jesus, ou os seus adversários
declarados, que costumam chamá-lo ironicamente ‘mestre’: o fariseu que o criticou
Jesus por deixar-se beijar pela mulher pecadora (7,40); os familiares de Jairo,
cuja filha estava doente (8,49); o pai de um rapaz possuído pelo demônio
(9,38); o doutor da lei, criticado por Jesus (11,45); um homem da elite judaica
(18,18); os fariseus (19,39); os espiões
que querem denunciá-lo (20,21); os saduceus (29,28); os escribas (20,39). Estes
exemplos deixam claro quem são os que chamam Jesus de mestre.
Chamando Jesus
de mestre, este sujeito sem nome próprio não está expressando sua concordância
nem sua adesão a ele. E Jesus percebe a ironia da saudação e as contradições do
demandante, tanto que, respondendo, dá a entender que, se não for aceito como
mestre, também não pode ser buscado como juiz. No fundo, Jesus percebe que este
indivíduo está longe de estar no aperto ou ser um candidato a discípulo. Jesus
percebe que se trata de alguém que corre o risco de ser devorado pela ganância.
Mas essa situação concreta acaba proporcionando a Jesus a oportunidade de falar
sobre a relação do discípulo com os bens.
“Atenção!
Guardai-vos contra todo tipo de ganância, pois mesmo que se tenha muitas
coisas, a vida não consiste na abundância de bens.” Esta é a reação de Jesus ao
perceber que, por trás do pedido daquele sujeito, não está uma necessidade, nem
um desejo de justiça, mas a fome insaciável de bens. E, para sublinhar a
seriedade da sua exortação, Jesus propõe uma parábola na qual o protagonista é
uma pessoa radicalmente voltada a si mesma, extremamente ambiciosa, que fala e
decide tudo sozinha e não se interessa por mais ninguém. A linguagem usada pelo
personagem é clara: ‘meus’ celeiros, ‘meu’ trigo, ‘meus’ bens.
No final de
uma safra bem-sucedida, o personagem diz a si mesmo: “Meu caro, tens uma boa
reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe e goza da vida.” Como não
lembrar aqui a parábola do rico que festejava indiferente à miséria de Lázaro
que jaz à sua porta (Lc 16,19-31)? Para Jesus, as pessoas que agem assim são
tolas, desprovidas de qualquer resquício de razão, vazias de qualquer valor
humano. São o tipo de gente que, com suas decisões, cavam abismos que os
separam dos demais “simples humanos”. E acabam cavando também a própria ruína,
pois são tão pobres que só tem dinheiro.
Mas, se o
acúmulo desmedido de bens é tolice e pobreza humana, o que significa ‘ser rico
diante de Deus’? Está claro que, para Jesus, o problema não está nos bens em si
mesmos. O mal dos bens está no obstáculo que eles podem representar à liberdade
radical e ao engajamento no movimento do Reino de Deus. O Reino de Deus é a
pérola preciosa e o tesouro que vale mais que tudo, o terreno no qual brota o
trigo que vai para a mesa dos pobres, o ventre no qual é gerada uma nova
humanidade. Aos ricos, o que falta não são armazéns novos ou polpudas contas
bancarias, mas adesão ao Reino de Deus, uma visão mais solidaria.
Paulo nos pede
que, tendo sido ressuscitados com Cristo pelo batismo, aspiremos às coisas
celestes, esforcemo-nos para alcançar as coisas do alto, onde está escondido o
segredo da verdadeira vida, em Deus. É um outro modo de dizer que o segredo de
uma vida feliz está na abertura e na dedicação ao Reino de Deus: nas relações
fraternas e igualitárias; na partilha gratuita, solidária e generosa; na
compaixão que humaniza e liberta; na mútua confiança que a tudo renova e
sustenta. A Nova Criatura, renascida em Cristo, é a pessoa que não reconhece
nem reivindica hierarquias ou privilégios de qualquer espécie.
Jesus de Nazaré, mestre na escola do
serviço e guia na busca da vida bem-aventurada: aos olhos do teu e nosso Pai,
mil anos podem representar menos que o dia de ontem, o aparente vigor da vida
pode ser enganoso, e nós podemos desaparecer nesta mesma tarde. Já aprendemos
amargamente que um projeto de vida fundamentado no acúmulo sem limites não tem
fundamento, é uma bolsa roída pelas traças. Ajuda-nos então a manter e
aprofundar nossa adesão ao teu caminho, ao teu estilo de vida, aos teus
valores. Ensina-nos a contar bem os nossos dias, a colocar os bens materiais no
seu devido lugar. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Carta de Paulo aos Colossenses 3,1-11 | Evangelho
de São Lucas 12,13-21
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