quarta-feira, 17 de julho de 2019

ANO C | TEMPO COMUM | DÉCIMO-SEXTO DOMINGO | 21.07.2019


Qual é a única coisa realmente boa e indispensável?
Para entender corretamente o ensinamento de Jesus transmitido por Lucas no evangelho de hoje precisamos colocar a cena no seu contexto literário. O episódio está situado logo após a parábola do bom samaritano, enquanto Jesus percorre decididamente o caminho que o levará ao confronto com as autoridades religiosas e políticas e à morte em Jerusalém. A estrada será a escola na qual Jesus dará as lições essenciais aos discípulos que o seguem.  Jesus sai da estrada, que é símbolo da abertura, e entra numa cidade, símbolo de fechamento. A mulher que o recebe a chefe da casa, e seu nome significa literalmente ‘patroa’.
No episódio anterior, Jesus deixara claro que é socorrendo e atendendo às pessoas necessitadas que nós efetivamente servimos a Deus.  O que provoca a agitação de Marta é a necessidade de cumprir o código de leis que o judaísmo impunha aos fiéis, e que acaba afastando-os da compaixão e da misericórdia (cf. Lc 10,25-37), a tarefa de governar a casa e o desejo de controlar a própria vida, garantir a satisfação dos desejos e acumular riquezas (cf. Lc 8,14; 12,24-34). Muitas preocupações nos agitam, e nem todas são evangélicas. Não é a preocupação de atender às necessidades dos irmãos e irmãs, mas com coisas bem menores.
Essas preocupações levam Marta a querer corrigir o Evangelho e dar ordens ao próprio Jesus. “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha com todo o serviço? Manda, pois que ela venha me ajudar.” A senhora Marta sente-se com autoridade para advertir Jesus e dar-lhe ordens! Bem ao estilo de alguns pregadores do nosso país, que querem reescrever o Evangelho para que sirva às ideologias do capitalismo, do patriarcalismo e do armamentismo. Mas Jesus ensina que o único bem necessário é sentar-se diante dele, dispostos a aprender seu Evangelho e seguir seus passos com a disposição de partilhar seu destino.
Eis o núcleo da questão: a escuta da Palavra viva de Jesus Cristo é condição para um ministério apostólico frutuoso. Enquanto Marta faz aquilo que é aparentemente mais seguro, urgente e eficaz, Maria faz o que é mais importante e fundamental. Maria faz a única coisa que é correta e boa do ponto de vista do Evangelho. Por isso, Jesus não fala simplesmente que ela escolheu “melhor parte”, mas que “uma só coisa é necessária”, e que Maria “escolheu a parte boa, e esta não lhe será tirada”. Isso não é um elogio à passividade, mas uma outra forma de afirmar aquilo que bom samaritano fez na parábola que Jesus acabara de contar.
Em outras palavras, a única coisa necessária, capaz de expressar e potencializar o dinamismo de uma vida terna e eterna, é o amor a Deus, conjugado com a compaixão ativa e solidária pela pessoa humana, especialmente pelas vítimas. É isso que precisamos aprender e reaprender aos pés de Jesus, deixando de lado outras coisas que, com sua aparente urgência e eficácia, não fazem outra coisa que provocar agitação e badalação. Para que serve a infinidade de leis canônicas, rubricas litúrgicas e normas disciplinares para ministros, ordenados ou não, se não ajudam a renovar e consolidar esta escolha fundamental?
Alargando essa reflexão para o horizonte social e cultural, podemos dizer que o que nos preocupa, agita e impede uma escuta atenta e engajada do Evangelho é nosso desejo de levar vantagem em tudo, de ser o primeiro, de salvar a própria pele sem se preocupar com os outros, de superar ou derrotar os outros. E então, não temos olhos nem ouvidos para os migrantes que adentram nossas fronteiras, nem para os desempregados por uma economia sem coração e agredidos por leis draconianas aprovadas pelos nossos parlamentares. Damo-nos por satisfeitos com cultos bonitos, templos cheios e carteiras gordas.
Paulo se alegra nos sofrimentos que enfrenta por causa da comunidade, e está disposto a completar em sua carne o que falta às tribulações de Cristo. Acolhendo o ministério que Deus lhe confiou, faz-se servidor da Igreja e se desdobra para que a Palavra de Deus chegue efetivamente a ela. Aqueles que ousam sentar-se aos pés de Jesus acabam indo onde vão estes pés! Paulo não diz que o sofrimento é santificação, mas que a adesão a Jesus Cristo e o fazer-se próximo dos últimos deve contar com a possibilidade de sofrer a oposição e as agressões vindas de quem não aceita mudança alguma, nem mesmo do coração.
Jesus, mestre de lições inesquecíveis nos caminhos da história! Tua Igreja vive tempos difíceis e tentadores. Crescem as exigências e o apreço por liturgias irretocáveis e por normas tão claras quanto discriminadoras. E isso acaba deixando os ministros preocupados com muita coisa e impedindo-os de sentarem-se aos teus pés para escutar tua Palavra. Reconduz nossas comunidades à tua escola, faz com que elas se sentem aos teus pés, para, contigo, saírem solidárias ao encontro das pessoas necessitadas para servi-las. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf

Livro do Gênesis 18,1-10 | Salmo 14 (15)
Carta de Paulo aos Colossenses 1,24-28 | Evangelho de São Lucas 10,38-42

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