quinta-feira, 27 de junho de 2013

13° Domingo do Tempo Comum

Fomos libertados para viver o Amor e a Justiça.
(1Rs 19,16.19-21; Sl 15/16; Gl 5,1.13-18; Lc 9,51-62)

Os jogadores de futebol, assim como todos os demais atletas que se preparam para uma Olímpiada ou Copa do Mundo, sabem muito bem o que isso custa: muitas semanas e meses de treinamento e de exercícios exigentes; disciplina física, sentimental e moral; distanciamento momentâneo da família; respeito e obediência ao treinador; enfrentamento leal com os adversários esportivos; empenho para dar o melhor e tudo de si por um êxito coletivo... De modo semelhante, o seguimento de Jesus Cristo supõe uma decisão firme, tomada no passado e mantida no presente, e a disposição para tomar distância de tudo aquilo que, mesmo sendo bom, possa comprometer a liberdade fundamental. As cenas narradas no livro dos Reis e no evangelho deste domingo, assim como a exortação de Paulo, querem nos orientar nesta disputa que dura uma vida e vale uma eternidade.
“Jesus tomou a firme decisão de partir para Jerusalém...”
Professar e viver a fé cristã hoje supõe uma decisão pessoal e refletida. Uma decisão que não tem como única referência os próprios desejos e sonhos, mas toma a sério uma meta: seguir e imitar Jesus na sua paixão pela humanidade, na sua solidariedade com os últimos, no seu enfrentamento com os poderes que se opõem ao projeto de um mundo onde todas as criaturas tenham seu lugar. Entre o amor a Deus e a ação para melhorar o mundo não se interpõe um ‘ou’ excludente mas um ‘e’ conjuntivo.
Ser discípulo/a de Jesus Cristo numa sociedade líquida, que rejeita referências sólidas e duradouras, enrijece a lógica que tudo transforma em mercadoria, assimila a exclusão como destino inexorável e estabelece a indiferença como sinônimo de liberdade, é uma atitude que pede uma decisão firme. É paradimático que, frente à tentação do integralismo e à discussão sobre quem dos discípulos era o maior e (cf. Lc 9,46-50), “Jesus tomou a firme decisão de partir para Jerusalém”.
Esta decisão de Jesus é uma referência indireta à palavra escutada outrora pelo profeta Ezequiel: “Filho do homem, volta o teu rosto para Jerusalém e vaticina contra o santuário deles, profetiza contra a terra do Israel” (Ez 21,7). Como Jesus, a decisão que se pede aos cristãos de hoje não é de voltar os olhos ao céu ou contemplar extasiados o explendor dos impérios, mas perceber e denunciar com sabedoria e ousadia suas contradições e suas injustiças. Fomos libertados para a prática do amor e da justiça.
“Mas os samaritanos não o queriam receber...”
Perseverar com coerência e criatividade no caminho de Jesus Cristo exige renovada coerência com o Evangelho, imbatível firmeza diante das resistências e ânimo indestrutível frente às possíveis decepções. Como os discípulos daquele tempo, somos enviados à frente de Jesus como mensageiros/as que também se ocupam de preparar-lhe um lugar, cientes das possíveis resistências “Mas os samaritanos não o queriam receber, porque mostrava estar indo para Jerusalém.”
Esta reação dos samaritanos - um grupo social que recebe uma atenção privilegiada de Jesus – é  compreensível diante de um anúncio possivelmente insuficiente por parte dos discípulos. Assim como os discípulos haviam proibido o trabalho daqueles que faziam o bem mas não estavam com eles, é possível que tenham anunciado aos samaritanos um Jesus nacionalista, identificado com os poderes e doutrinas que diminuíam e excluíam os samaritanos, omitindo que Jesus estava subindo a Jerusalém para enfrentar a rejeição e o martírio.
Não seria exatamente esta a principal causa da resistência que o mundo ocidental e moderno opõe ao cristianismo? Será que não temos identificado demasiadamente Evangelho e poder? Será que não temos renegado culpavelmente a defesa humilde e decidida dos direitos de todos os humanos? Será que não temos esquecido perigosamente a profecia e o martírio? Pouco adianta ameaçar os ateus e as (indevidamente chamadas) seitas com o fogo que desce do céu ou sobe do inferno. O que precisamos mesmo é de conversão ao Evangelho de Cristo, abandonando a pretensão do monopólio da verdade.
 “Eu te seguirei aonde quer que vás...”
Aceitemos a advertência de Jesus e partamos para outros povoados e periferias, cientes de que seguir Jesus Cristo nos caminhos da história de hoje é a vocação de todos os homens e mulheres que aderem ao cristianismo. Se nosso caminho tiver uma direção clara e permanece fiel à prática de Jesus, é possível que muitas pessoas, pertencentes tanto dos setores sociais mais abastados como aos grupos populares,  se sintam fortemente interpaladas ao discipulado também hoje.
É verdade que aqueles que procuram nossas comunidades cristãs trazem as contradições e ambivalências das quais nem a Igreja e seus prelados conseguem se livrar. O Evangelho de hoje apresenta três casos paradigmáticos de discipulado (dois se aproximam espontaneamente e um é chamado por Jesus). E isso nos lembra que Jesus atrai discípulos, inclusive num ambiente desprezado e suspeito de heresias como a Samaria. Essa gente não é menos perfeita que os demais discípulos...
Mas estes três casos são simbólicos e oferecem a oportunidade para uma reflexão séria a todos aqueles/as  que se colocam no caminho com Jesus Cristo. Firme na decisão de subir para Jerusalém e mostrar um Messias humano e servo, Jesus apresenta claramente as consequências da opção de estar com ele. À exortação a não ter medo e à promessa de fazer do discípulo um pescador de gente (cf. Lc 5,10), Jesus já acrescentara prudentemente a bem-aventurança da perseguição (cf. Lc 6,22) e a prevenção contra o aparente sucesso (cf. Lc 6,26). Agora avança na exposição da ética do seguimento.
“É para a liberdade que Cristo nos libertou!”
As rupturas e renúncias que Jesus propõe a quem o segue são uma pedagogia da liberdade. Assim como exigira um distanciamento consciente e decidido do fanatismo – pois o fanatismo é sempre um fechamento que filtra perigosamente a Palavra de Deus e distorce a imagem do outro – agora Jesus pede uma ruptura com alguns costumes que, mesmo conservando um certo valor, podem limitar a liberdade, e enfatiza a prioridade absoluta e a urgência de engajar-se no advento do Reino de Deus.
Pedir e celebrar o batismo expressa a decisão de seguir Jesus Cristo, ou seja: compartilhar sua utopia, reinventar sua prática, imitar sua forma de vida e compartilhar seu destino. E aqui devemos evitar o erro de imaginar um Jesus vitorioso, elevado aos céus, indiferente e distante em relação às lutas e dilemas humanos. A história de Jesus é essencial para o/a discípulo/a,e  ela nos mostra que Jesus vive sem estabilidade alguma, na incerteza e na precariedade, sujeito ao desprezo, à perseguição e à morte.
O que Jesus enfatiza no Evangelho de hoje é que o seguimento dos seus passos e o compromisso com o Reino de Deus deve estar acima de todos os demais deveres, lealdades e atividades. Ele pede que ponderemos bem as consequências, pois não promete sucesso, mas confronto. Até mesmo as lealdades próprias do âmbito familiar e os deveres religiosos tradicionais estão subordinados à urgência das ações que constroem um mundo mais humano e inclusivo. Trata-se daquela liberdade vivida e anunciada por Paulo: somos vocacionados à liberdade para livremente colocarmo-nos a serviço dos irmãos e irmãs.
 “O Senhor é minha parte na herança e meu cálice.”
Aqui também o que está em jogo é o verdadeiro tesouro, o único que os ladroões não podem roubar e a ferrugem não pode arruinar: o Reino de Deus (cf. Lc 12,33). Este foi o sonho que deu sentido e razão à vida de Jesus e que deve ser o único absoluto na vida dos seus discípulos e discípulas. Se é um tesouro precioso, os esforços para conquistá-lo devem provocar mais alegria que tristeza. Como diz o salmo, esta é a mais bela herança que podemos desejar e administrar responsavelmente.
Com palavras diferentes, Paulo repete este ensinamento de Jesus: “Toda a lei se resume neste único mandamento: amarás o teu próximo como a ti mesmo.” Eis a liberdade bela e preciosa à qual somos chamados e à qual não podemos renunciar sem descer ao nível dos mortos: não a autonomia, a indiferença e a superioridade mas o respeitoso reconhecimento da dignidade do próximo e o livre serviço às suas necessidades. Nisso consiste a razoável obediência devida a Deus e o amor maduro que de nós ele tem direito a esperar. Fomos libertados para a prática do amor e da justiça.
Jesus de Nazaré, peregrino que caminha decidido a enfrentar o poder, mestre de exigentes lições: queremos caminhar contigo, aprender aquilo que realmente conta e alcançar a liberdade profunda e radical. Queremos aprender de ti e dos profetas que te precederam e seguiram a profecia e o ardor pelos direitos de Deus. Dá-nos a coragem e a disciplina para romper com todos os compromissos que reduzem ou adiam nossa autêntica liberdade.  E que nada nos impeça de caminhar contigo. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf

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