domingo, 2 de junho de 2013

Peregrinando na periferia de Jerusalém

Não tenham medo, pois nasceu um libertador!

Aqui em Jerusalém o dia vai terminando. Recém chegamos da nossa peregrinação pelos arredores de Belém nesse domingo, que para nós é o dia do Senhor, mas para a população local é o primeiro dia da semana e dia de trabalho, pois para eles o dia do Senhor é o sétimo, o sábado. Nossa peregrinação hoje contemplou praticamente apenas dois lugares: o lugar onde nasceu e cresceu de João Batista e o lugar do nascimento de Jesus.
Uma das grutas do sitio arqueologico
“Isso vos servirá de sinal...”
Começamos nossa visita pela gruta dos pastores. Como fica em Belém, que é território palestino, quem nos acompanhou foi um guia palestino-cristão, jovem muito simpático chamado Nizar Lama. Ele nos lembrava que Belém é a cidade de origem de Raquel, esposa de Jacó, cuja história remonta a 1500 anos antes de Cristo. Fica a 10 km de Jerusalém. Em hebraico, Bet’lehem significa ‘casa do pão’, mas em árabe significa ‘casa da carne’. Para mim, depois do nascimento de Jesus, os dois significados apontam para a mesma coisa...
A primeira gruta que visitamos, chamada gruta dos pastores, remonta a 1500 anos antes de Cristo. Servia de abrigo noturno para os pastores e seus rebanhos, e fica a mais ou menos um quilômetro da gruta da natividade. A gruta dos pastores está situada num grande sítio arqueológico, que ainda está sendo estudado. Apesar de ter sofrido intervenções antigas e recentes, a gruta conserva as laterais, o fundo e o teto originais.
Entramos na gruta com grande emoção e referência. Lemos ali o relato do nascimento
Gruta na qual os pastores receveram a boa noticia...
de Jesus e da revelação aos pastores (Lc 2,1-14). As palavras ditas àqueles trabalhadores socialmente mal-vistos ressoaram hoje bem mais fortes e límpidas: “Não tenham medo! Eu anuncio para vocês uma boa notícia, que será uma grande alegria para todo o povo... Hoje nasceu para vocês um Salvador, que é o Messias, o Senhor. Isto lhes servirá de sinal: vocês encontrarão um recém-nascido envolto em faixas e deitado na manjedoura.”
Terminamos a visita cantando uma bela canção natalina da tradição italiana, composta por Santo Afonso de Ligório: “Tu desceste das estrelas, ó rei do céu, e vieste numa gruta fria e gelada... Ó menino meu, divino, eu te vejo aqui a tremer... Ó Deus bendito, quanto te custou haver-me amado... A ti que és do mundo o criador, faltam pão e fogo, ó meu Senhor... Meu querido e escolhido, esta tua pobreza me apaixona, pois a assumiste por puro amor...” Mas não deu para sair sem murmurar ‘noite feliz...’
“Ela o enfaixou e o colocou na manjedoura...”
Deixamos o campo dos pastores e nos dirigimos à gruta da natividade, lembrando daquilo que eles mesmos teriam dito: “Vamos a Belém ver o acontecimento que o Senhor nos revelou!” (Lc 2,15). A serena alegria do guia palestino-cristão, assim como a dor do seu povo, exilado e discriminado na própria terra, que ele não deixava de partilhar, nos dava a impressão de que é preciso redescobrir o alcance dessa revelação para o tempo de hoje...
O exato lugar do nascimento de Jesus de Nazaré
No lugar onde Jesus nasceu, naquele tempo existia um albergue para os viajantes e peregrinos que vinham do sul e se dirigiam a Jerusalém. Nos arredores do alojamento, as grutas naturais, muito abundantes nessa região rochosa, serviam de abrigo para os animais. Então podemos entender o que aconteceu: Maria e José não encontraram lugar no albergue e acabaram imporvisando o pouso junto aos animais. E foi ali que nasceu Jesus de Nazaré, o Salvador.
A gruta da natividade está sob uma basílica que remonta ao tempo das cruzadas, construída sobre os alicerces da primeira, mandada construir pelo imperador Constantino no ano 320 dC. Esta primeira foi semi-destruída pelos persas e reconstruída sob as ordens do imprador Justiniano, no ano 530 dC. Hoje o espaço está ‘repartido’ entre as comunidades católica, ortodoxa armênia e ortodoxa grega. Um pouco mais de comunhão deixaria feliz aquele que ali nasceu...
“E todos os que ouviam os pastores, ficavam maravilhados...”
O evangelista diz que os pastores foram até a gruta sinalizada pela estrela, encontraram Maria e José com o menino, e contaram aquilo que os anjos lhes haviam anunciado. Parece que outras visitas já haviam chegado, pois Lucas diz que “todos os que ouviam os pastores ficavam maravilhados com aquilo que contavam”. Seria o eco da alegria provocada pela evangelização pós-pascal?
Porta da humildade, na entrada da igreja da Natividade
Como somos um grupo pequeno, nosso guia conseguiu que entrássemos na gruta danatividade pela porta de saída, evitando assim a grande fila. E isso acabou sendo uma bênção, pois chegamos à gruta exatamente no momento em que estava para começar a santa missa en italiano!... Assim, éramos um grupo de umas trinta pessoas, de língua italiana, espanhola e portuguesa, unidos na mesma fé e na mesma emoção.
Celebramos a liturgia eucarística do natal em pleno domingo do Corpo e Sangue do Senhor! E isso faz sentido, pois Jesus se faz pão sacramental porquê é o Verbo de Deus que se fez carne para sempre. Como descrever os sentimentos que palpitavam na nossa mente e no nosso coração? Posso dizer apenas que todos vocês – familiares, coirmãos e amigos/as – e suas intenções e necessidades estiveram muito presentes nos vários momentos da celebração.
São Jerônimo: sábio e devoto servidor da Palavra
Quase contígua à basílica da Natividade está a igreja de Santa Catarina de Alexandria, que nosso guia anunciava com sereno orgulho como ‘a nossa paróquia’. Foi uma agradável surpresa também para as Irmãs Leonor e Tarsila, nossas companheiras de peregrinação, pois elas pertencem à Congregação das Irmãs de Santa Catarina de Alexandria.
Placa indicativa na gruta de S, Jerodnimo
No subsolo da igreja de Santa Catarina está a gruta onde São Jerônimo passou seus trinta e dois anos em Belém. No século IV, morando nesta gruta que está diante da gruta da natividade de Jesus, São Jerônimo realizou a formidável façanha de traduzir todo o Antigo Testamento do hebraico para o latim e todo o Novo Testamento do grego para o latim. É graças a ele que as escrituras sagradas chegaram até nós e à nossa língua.
Ao lado da gruta ocupada por São Jerônimo está também um altar dedicado a Santa Paula, uma mulher romana que veio com Jerônimo, e fundou e dirigiu um mosteiro feminino em Belém. Santa Paula foi a primeira mulher a assumir semelhante missão. E mais ao lado avistamos um altar que marca o lugar onde São José teria ouvido, em sonho, a ordem para fugir com Maria e com Jesus para o Egito, para livrar o menino da ira assassina de Herodes.
“E tu, menino, serás profeta do altíssimo...”
O calor estava de rechar, mas mesmo assim, ao meio-dia, depois de comermos um kebab, partimos para nossa próxima visita: Ain Karen, casa de Zacarias e Isabel, lugar do nascimento de João Batista. Antes disso, fizemos uma breve visita ao kibutz no qual vive nosso guia Cornélio, que retomava o papel de guia, e ao sítio arqueológico que está na área e traz restos de uma cidade 700 aC.
Hino ded Zacarias, pintado em portugues
diante da gruta onde nasceu Joao Batista
A casa de João Batista fica num vale íngreme, abaixo do nível de Jerusalém. A igreja, construída com apoio da monarquia espanhola, guarda no seu interior aquela que teria sido a casa/gruta na qual nasceu João Batista, filho tardio de um sacerdote do templo de segundo escalão e de sua mulher idosa e estéril. Zacarias nos testemunha que a falta de fé pode nos emudecer, e nos ensina que calar diante dos males e da vontade de Deus pode ser sinal da falta de fé.
Ali, sentados nos degraus, diante da gruta/capela que testemunhou o crescimento do profeta do rio Jordão, daquele que reconheceu e anunciou Jesus como ‘o cordeiro de Deus’, recordamos a alegria e a simplicidade das festas juninas no Brasil e cantamos o cântico de Zacarias: “Bendito seja o Deus de Israel, porque nos visitou e nos salvou, e fez surgir para nós um poderoso salvador na casa de Davi, seu servidor... E tu, menino, serás chamado profeta do altíssimo, pois irás ò frente do Senhor...” (cf. Lc 1,67-79)
“Bendita és tu entre as mulheres!”
A tradição diz que, apesar de estar no sexto mês da gravidez de João Batista, Isabel foi encontrar Maria quando ela descia os montes. Assim, fomos caminhando para o último ponto da nossa peregrinação deste domingo: a igreja da Visitação. Na caminhada de uns mil metros, exigentes por causa do calor e da subida, passamos pela fonte que leva o nome de Maria, pois era a única da redondeza, e ali ela teria buscado água para ajudar sua prima.
Um encontro para marcar época...
No pátio da igreja, o cântico de Maria está pintado em mais de trinta idiomas. Depois de encontrar a versão brasileira, entramos na igreja bela e simples, lemos o relato de Lucas sobre a visitação (Lc 1,39-45) e cantamos o engajado louvor que brotou dos lábios de Maria naquele encontro entre duas mulheres, duas pessoas humilhadas pelas tradições masculinas mas exaltadas por Deus (Lc 1,46-55).
Ali lembramos nominalmente de várias pessoas que nos acompanham com suas preces ou que pediram nossas orações; pessoas que necessitam da feminina e materna ajuda de Maria, ou que nós gostaríamos que fossem por ela visitadas. E como esquecer dos humilhados que ainda não foram reconhecidos em sua dignidade e, muito menos, exaltados? E como fazer de conta que não existem pobres que choram diante de mesas vazias? “Maria, mãe dos caminhantes, ensina-nos a caminhar!...”
Guia nossos passos no caminho da paz!
O hino de Zacarias agradece a bondade misericordiosa de Deus que nos enviou como visita o Sol Nascente, para iluminar aqueles que jazem na sombra da morte e para guiar nossos passos no caminho da paz. A paz fal falta em tantos lugares do mundo, mas aqui em Israel/Palestina isso é sentido com mais força. Infelizmente, o povo palestino se sente permanentemente ameaçado por gente que os tratam como inimigos...
Como viver em paz quando um muro de concreto de oito metros de altura e de
Um muro que deve ser abatido para construir a paz
setecentos e quarenta quilômetros separa os hebreus e humilha diariamente os palestinos? Como os palestinos podem viver em paz vendo seu território, definido pela ONU, sendo sistematicamente ocupado por assentamentos que acolhem hebreus que continuam chegando de muitas partes do mundo? Como viver em paz com 38% de desemprego nos territórios ocupados?
Nosso guia Nizar Lama lembrava que tem muitíssimos amigos hebreus e muçulmanos, com os quais vive em perfeita concórdia e amizade. A população árabe de Belém é de 44000 habitantes, sendo que 80% são muçulmanos e 20% são cristãos, mas ambos convivem pacificamente. A violência e a injustiça são perpetradas por radicais e interessados de ambos os lados. E dói na alma saber e ver que já são 22 os assentamentos hebreus, protegidos por cercas eletrificadas, nas terras roubadas aos palestinos.

Itacir Brassiani msf

Um comentário:

Anônimo disse...

quantacexperiencia!Quantas alegrias! Me sinto aícom voces!