sábado, 1 de junho de 2013

Subindo a Belém pelo caminho do Jordão

Peregrinando de Nazaré a Belém

Na manhã de hoje, 1° de junho, partimos da simpática cidade de Nazaré rumo a Jerusalém e Belem. Antes de deixarmos a cidade, ainda visitamos os restos daquela que teria sido a sinagoga frequentada por Jesus e seus pais, a escola na qual ele se familiarizou com as profecias, as leis, as orações, a história e as esperanças do seu povo. Teria sido ela um dos fatores do seu crescimento em sabedoria e graça diante de Deus e dos homens.
A antiga sinagoga de Nazaré
“O Espírito do Senhor me ungiu e me enviou...”
Lucas nos conta que nesta sinagoga Jesus viveu uma experiência que acabou mudando sua trajetória de pregador e reformador (cf. Lc 4,14-30). Tendo já adquirido uma certa fama na região da Galiléia, ele voltou à sua casa e no sábado, como de costume, foi à sinagoga local. Sendo maior de idade e pregador renomado, foi-lhe concedida a oportunidade de ler e comentar as escrituras.
Antes de ser um pregador, Jesus foi um assíduo ouvinte das escrituras. E naquela oportunidade, o profeta Isaías foi decisivo para compreender o horizonte e o chão da missão que lhe tocava. “O Espírito do Senhor está sobre mim porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a boa notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor (Lc 4,18-19).
Hoje resta pouco daquilo que foi a sinagoga, e as pedras silenciam aquilo que viram e ouviram da boca do jovem de Nazaré. Uma comunidade cristã de rito grego guarda as imediações, mas o sonho e o testemunho de Jesus ultrapassaram as colinas da Galiléia, os desertos da Judéia, as fronteiras do império romano e ganharam o mundo. E ainda hoje continuam despertando adormecidos e emancipando oprimidos.
“Devemos cumprir toda a justiça...”
O rio Jordão no lugar onde Jesus foi batizado
Deixamos Nazaré e descemos o vale no qual corre mansamente o pequeno e famoso rio Jordão. Muito me impressionou o deserto que se estende por quase toda a sua dimensão, do mar da Galiléia ao mar Morto, tanto do lado de Israel como no lado da Jordânia. Mas nas suas margens, ergue-se hoje um mar de estufas onde são cultivadas frutas, legumes e verduras.
Paramos no lugar onde Jesus teria sido batizado. O calor de 45 graus fazia zunir a cabeça. Ali, sentados nos degraus à beira do rio, lemos e meditamos a pregação audaciosa do profeta João Batista (cf. Lc 3,1-6) e renovamos a graça e as promessas do batismo. “Sim eu quero que a luz de Deus que um dia em mim brilhou, jamais se esconda, e não se apague em mim o seu fulgor...”
Ali Jesus entrou na fila dos homens e mulheres conscientes dos próprios limites e desejosos de preparar uma estrada na qual Deus pudesse vir para visitar e libertar seu povo. Mateus nos conta que, diante da indecisão de João, Jesus insistiu que era preciso cumprir toda a justiça, ou seja: em nome de Deus, ele deveria entrar na fila com as pessoas comuns e assumir suas dores e seus sonhos, sem deixar de carregar suas debilidades.
Logo à frente, já no árido deserto, se ergue a cidade de Jericó. É uma das mais antigas cidades com povoação contínua da história da humanidade. Este lugar é povoado continuamente há mais de oito mil anos! Não entramos em Jericó, cidade de magníficos acontecimentos bíblicos, mas paramos para contemplar à distância o lugar para onde Jesus teria se retirado depois do batismo a fim de discernir sua missão, e onde confrontou-se com todas as resistências e tentativas que marcam o ser humano, especialmente as mais fortes, aquelas que atribuímos ao diabo.
O mar Morto e a comunidade de Qumram

Aspecto do parque arqueolóico de Qumram
Prosseguimos nossa viagem acompanhando o rio Jordão, ladeados pelo impressionante e escarpado deserto, cruzando com pastores e seus rebanhos, atravessando imensas plantações de frutas que emergem como milagres verdes no meio de um oceano de secura. Mas o que chama a atenção também é as cercas farpadas erguidas na ilusão de dar segurança a uma região continuamente em disputa (ultimamente, com a Jordânia). O próprio lugar do batismo de Jesus é uma zona plena de minas ainda não desativadas.
Nossa parada seguinte foi em Qumran. Nos últimos séculos do período pré-cristão viveu ali uma espécie de comunidade monástica que cultuava um judaísmo messiânico, comunitário e radical, à espera do Messis, o Mestre da Verdade. Alguns pesquisadores acham que João Batista teve contato com eles. A comunidade foi dispersada com a chegada dos romanos, no ano 67 antes de Cristo, mas deixou um imenso tesouro, descoberto somente na segunda metade do século passado.
Trata-se dos conhecidos ‘manuscritos do mar Morto’: uma grande quantidade de papiros e pergaminhos contendo intactos vários livros do Antigo Testamento, as regras de vida da Comunidade e a correspondência da comunidade com os sacerdotes de Jerusalém. Percebendo a aproximação do exército romano, antes de se dispersarem, os monges esconderam os manuscritos nas carvernas da redondeza, que os conservaram e transmitiram ao mundo moderno.
Um pastor conduz seu rebanho próximo ao rio Jordão
Almoçamos no restaurante junto ao pequeno museu e sítio arqueológico de Qumram e depois descemos ao mar Morto, que se estende à frente. O calor era amordaçante, mas isso é compreensível se levarmos em conta que este mar é a mair depressão geológica do planeta, pois o espelho de água está a 420 mt abaixo do nível do mar! E, em algumas partes, o mar chega a 180 mt de profundidade. Sua água extremamente salgada e seu barro têm reconhecida qualidade terapêutica.
“Desejem a paz para Jerusalém...”
Deixamos o mar Morto, a 420 mt abaixo do nível do mar, e, em pouco mais de 40 km, alcançamos Jerusalém, que está a mais de 700 mt de altitude. No caminho, apenas rochas e colinas ressequidas. Na chegada, o inaceitável e terrível muro erguido pelo medo e pela prepotência, separando povos, acirrando ódios, consolidando a dominação. Não me conformo com o silêncio do mundo político e midiático diante dessa barbaridade...
Aproximando-nos de Jerusalém, lembrei-me das palavras emocionadas do salmista (Sl 122/121): “Alegrei-me quando me disseram: ‘Vamos à casa de Javé’. Nossos passos já se detêm junto aos teus umbrais, Jerusalém... Para ela sobem as tribos, as tribos de Javé, segundo os costumes de Israel, para celebrar o nome de Javé. Aí estão os tribunais da justiça... Desejem a paz para Jerusalém: ‘Vivam seguros os que amam você, haja paz dentro dos seus muros e segurança em seus palácios. Por meus irmãos e meus amigos, eu digo: ‘A paz esteja com você’. Pela casa de Javé nosso Deus, desejo todo bem a você.
Um mar Morto com uma vida bastante agitada...
Sabemos que Jesus não teve uma boa impressão e não viveu bons momentos nesta cidade. Contemplando a sua amada cidade de longe, Jesus chorou. Visitando o templo dedicado ao Deus que libertara o povo do Egito, ele não se conteve e virou as mesas dos cambistas, exigindo que o recinto voltasse a ser lugar de oração para todos os povos. Para ele, os tribunais não foram justos.  Em resumo, na cidade de Jerusalém Jesus não encontrou a paz que está no seu próprio nome.
Hospedados na ‘casa do pão’
Atravessamos a cidade de Jerusalém e chegamos a Belém (literalmente, casa do pão), onde estaremos hospedados nos próximos quatro dias da nossa peregrinação. Ainda bem que tivemos sorte melhor que Maria e José: para nós havia um lugar reservado nas hospedarias da cidade... O dinheiro ajuda a evitar alguns contratempos... Mas às vezes também nos afasta do coração do Evangelho e se arvora em senhor e comandante pouco disposto a fazer concessões.
Outra imagem do mar Morto
Aqui estamos para viver a segunda etapa da nossa peregrinação. Nestas montanhas veio à luz o Verbo feito carne, e o Messias da Galiléia foi julgado e condenado à morte. Mas foi aqui também que ele celebrou sua última ceia, lavou os pés dos discípulos e deixou um contundente testamento a todos. E foi também aqui que ele se mostrou teimosamente vivo e convidou-nos a voltar à periferia da Galiléia, onde desde sempre ele nos espera.
Oxalá possamos superar a tentação tão própria dos turistas: ver, fotografar e correr para a próxima atração. Não foi isso que me motivou a fazer esta peregrinação. Como gostaria que a oportunidade de visitar estes lugares e de pisar na mesma terra na qual Jesus pisou e derramou seu suor e suas lágrimas me ajudasse a ser um discípulo mais simples, mais autêntico e mais humilde. Será que posso pedir e esperar essa graça?

Itacir Brassiani msf

Um comentário:

Anônimo disse...

Muita luz!