segunda-feira, 10 de junho de 2013

Maria vem lembrar o que seu Filho fez e falou

Lourdes: a preferência de Deus pelos insignificantes

Quando Nossa Senhora se manifestou aqui em Lourdes a Maria Bernadette Soubirous, naquele 11 de fevereiro de 1858 (quatro anos após a proclamação do dogma da Imaculada Concieção!), Bernadette tinha apenas quatorze anos de idade. Da mesma faixa de idade era Melânia (quatorze anos) e Maximino (onze anos, videntes aos quais Maria se havia manifestado em 1846, doze anos antes, nas montanhas da Salette (sempre em território francês).

Mas o que me intriga não é apenas a pouca idade dos videntes. Como se não bastasse o desafio que representa aos adolescentes a missão de testemunhar a um mundo adulto e reticente diante dos assuntos religiosos que Maria havia se manifestado a eles, trata-se, em ambos os casos, de adolescentes sem nenhuma formação cultural e religiosa: Maria Bernadette não sabia ler nem escrever, e também não havia feito a primeira comunhão; Maximino e Melânia também não haviam feito a primeira comunhão e, a duras penas, haviam aprendido algo em termos de leitura...

Maria Bernadette, que veio ao mundo no dia 7 de janeiro de 1844, filha de François e Louise Soubirous. Há aproximadamente dez anos antes da manifestação de Nossa Senhora na gruta de Massabielle, às margens do rio Gave, sua família havia migrado para Lourdes, aos pés dos Pirineus, e administrava um pequeno moinho. Em 1854 a família havia entrado numa situação de miséria: num acidente, François ficou cego de um olho; depois veio a falência do moinho; e, como se não bastasse, foi acusado de roubo e, por causa disso, levado à prisão.

Em 1857 esta situação dramática levou a família a mudar de residência: passou a morar numa antiga prisão, num espaço de dezesseis metros quadrados! Naquela mesma época, um surto de cólera se abateu sobre a cidade de pouco mais de quatro mil habitantes, fazendo trinta e oito vítimas. Nessa época, a própria Maria Bernadette foi contagiada pela cólera e adoeceu de tuberculose, fato que deixou profundas sequelas na sua saúde, que doravante seria sempre muito frágil.

Confesso que me intriga essa preferência de Maria pelas pessoas simples e insignificantes nas suas manifestações. Será que é porque nós, os adultos e letrados, nos habituamos a coisas grande e lógicas, fomos picados pela ‘mosca azul’ e não conseguimos perceber e aceitar os sinais da presença de Deus e sua mãe? Será que esta ‘opção preferencial’ de Maria é mais uma manifestação da gramática de Deus, que escreve direito por linhas tortas e vem ao nosso encontro pela contra-mão?

Escrevo as linhas e verbalizo estas perguntas ainda em Lourdes, onde vim como peregrino e estou passando dois dias. O certo é que, ao que parece, Maria sempre se manifesta onde há dor e sofrimento, e nessas situações procura lembrar que Deus é bom e próximo, mas também pede mudanças pessoais e estruturais a fim de que tais sofrimentos sejam amenizados. Por trás de tudo, está sempre uma boa notícia: o sofrimento não é definitivo nem absurdo; o mundo tem jeito e pode mudar; Deus não está com quem provoca a dor, mas com que a sofre e com quem ajuda a amenizá-la.

E aqui em Lourdes, uma das coisas que me impressionaram mais profundamente, foi a imensa caravana de doentes que chegam ao santuário conduzidos por mãos solidárias, em suas cadeiras-de-rodas ou macas. Nem mesmo a chuva e o frio, como ocorreu ontem à noite, impede que estes doentes participem dos atos religiosos. Que força misteriosa os move e sustenta? Simplesmente a esperança de uma cura milagrosa? Creio que não, pois a maioria absoluta dos doentes volta à sua casa sem um milagre físico. Mas algo acontece, e faz com que essa gente siga adiante, mesmo sem ter com quem contar...

Aqui em Lourdes as estruturas e os números são grandes e até espantam, como em todos os centros de peregrinação: mais de seis milhões de peregrinos por ano; um complexo de três basílicas (uma subterrânea, com capacidade para acolher mais de doze mil peregrinos) e várias igrejas e capelas menores; uma enorme rede hoteleira e demais serviços para acolher e atender essa multidão a caminho... Chego até a temer que a grandiosidade de tudo isso, assim como o comércio que gira em torno do Santuário, faça com que o verdadeiro mistério de Lourdes seja colocado em segundo lugar.

Mas o desafio da fé é sempre esse: distinguir entre o fogo ou o sopro divino – sua manifestação sempre concreta mas também precária e incompleta – e as tendas, casas ou estruturas (físicas, linguísticas, rituais ou doutrinais) que construímos para abrigar essa manifestação. A beleza litúrgia da missa internacional da qual participei na manhã de hoje, com sua preparação impecável e os cantos e mensagens em diversas línguas, não pode perder sua razão de ser: a manifestação do amor de Deus aos pequenos e insignificantes e, através deles, a todas as pessoas de boa vontade, para que os sofredores tenham vida em abundância.

Itacir Brassiani msf

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